O Pacto Molotov – Ribbentrop e o fiasco na Guerra de Inverno
Depois de uma série dos mais absurdos malabarismos teóricos e mudanças bruscas de orientação, por parte de Stalin e da sua Comintern, que apenas confundiram e atrapalharam o proletariado mundial em sua luta de vida e morte contra o fascismo, ele e seus burocratas decidiram que a melhor forma de garantir a segurança do Estado Operário – intimamente ligada à manutenção do seu poder e dos seus cargos e privilégios – era firmar, eles mesmos, um pacto de não agressão com os nazistas. Tal medida causou espanto e perplexidade no movimento operário internacional.
As cláusulas do pacto Molotov-Ribbentrop, firmado em agosto de 1939, incluíam uma garantia de não agressão por ambos os lados. Nenhum dos governos poderia se aliar ou prestar auxílio a nenhum inimigo da outra parte. Superando o que foi estabelecido ao que concerne à não agressão, o tratado ainda trazia uma cláusula secreta que previa a divisão dos territórios da Polônia, Lituânia, Letônia, Estônia, Finlândia e Romênia, em esferas de influência alemãs e soviéticas, antecipando uma “reorganização territorial e política” destes países.
Stalin apostou todas as suas fichas nesse pacto. Adolf Hitler, por sua vez, nunca teve a polidez de esconder que um dos principais objetivos do seu regime era a destruição da União Soviética e do marxismo, que na sua cabeça doentia, era uma “conspiração judaica de dominação mundial”. Mesmo com o pacto firmado e vigente, o “homenzinho” repetia isso à exaustão, em seus inflamados discursos públicos às massas alemãs. Esse trabalho Hitler iniciou na Alemanha, destruindo os principais partidos e organizações proletárias desse país. Por esse “mérito”, a grande burguesia lhe conferiu a cadeira de primeiro chanceler do Reich.
Três meses depois da celebração do acordo, Stalin e seus quixotescos marechais anexaram novamente à Rússia o leste da Polônia e invadiram a Finlândia, com um gigantesco contingente de tropas e veículos de combate. A imagem que marcou essa aventura militar foi a de uma enorme fileira de homens e tanques, atolados na neve, completamente expostos. As divisões eram obrigadas a avançar sem descanso enquanto eram trucidados sem piedade pelas metralhadoras e bombas de alguns poucos aviões Fokker D.XXI da Força Aérea Finlandesa e unidades guerrilheiras formadas por camponeses esquiadores.
O evento, que ficou conhecido como a “Guerra de Inverno”, evidenciou ao mundo a falta de capacidade de combate do Exército Vermelho, convertido por Stalin em um gigante com microcefalia, no momento em que este o privou de seus oficiais mais experientes. Um desastre militar para a União Soviética, entretanto, Stalin compreendeu que um controle pessoal seu sobre o Exército Vermelho não era tão simples assim. Após a Guerra de Inverno, o Kremlin iniciou processo de restaurar oficiais qualificados e de modernizar as suas forças, retomando assim o plano de Tukhachevsky. Uma decisão demasiado tardia.O fracasso do Exército Vermelho na Finlândia convenceu Hitler de que era imperioso e urgente ocupar a URSS. Não era apenas a questão ideológica do Füher que o impelia a ordenar a invasão. Havia de fato, todo um misticismo em torno do seu plano megalomaníaco de dominação mundial: o vasto território soviético, seria a Lebensraum, (Espaço Vital), em outras palavras, a “terra prometida”, rica em recursos naturais que iria garantir, além da vitória, a manutenção e prosperidade da sua “raça ariana” e de seu III Reich por mil anos. Para isso pretendia utilizar o povo eslavo como mão de obra escrava. Contudo, a questão central era estratégica. O sucesso em uma guerra em escala mundial tornava indispensável o controle nazista sobre o petróleo da Bacia do Cáucaso, além das minas de ferro e da copiosa produção de grãos da região da Ucrânia.
O pior cego é aquele que não quer ver. Stalin tinha à sua disposição a mais eficiente rede de espionagem do mundo, a “Orquestra Vermelha” comandada por Leopold Trepper, que lhe fornecia informes precisos a partir de agentes infiltrados, inclusive no alto escalão do regime nazista. Trepper o alertou diversas vezes que uma invasão nazista à União Soviética se preparava, assim como o MI-5, a inteligência britânica, também o fez. Ao todo foram mais de 80 informes de alerta, porém Stalin preferiu ignorar todos eles e confiar no imponderável. Seguia firme a sua convicção de que as forças do Eixo não teriam pernas para manter operações em tantas frentes de batalha diferentes. Em sua cabeça, se um ataque acontecesse, o que custava a acreditar, seria apenas em 1942, no ano seguinte.
Operação Barbarossa: quanto custou a miopia de Stalin?
O manual de guerra da Academia Militar de West Point, livro base para a formação dos oficiais do exército dos EUA, traz um capítulo inteiro que se dedica a explicar o quanto é uma péssima ideia invadir a Rússia. As questões mais notórias são as que dizem respeito ao clima severo, à hostilidade da população local e à logística de uma invasão em um país de dimensões continentais. A despeito da megalomania e do misticismo degenerado de Hitler, temos que compreender que a invasão, naquele momento da guerra, foi sim, um golpe de ousadia, mas também de desespero e necessidade. Como já foi dito, a vitória dependia do controle sobre o petróleo do Cáucaso, da extensa malha fabril de Leningrado e Stalingrado e dos kolkhozes1 ucranianos, prolíficos em produção de grãos. Apesar dos planos longínquos (e sinistros!) de Hitler para sua Lebensraum, a necessidade, de fato, era mais imediata.
Os movimentos de resistência importunavam os alemães nos países ocupados. Conter o avanço dos ingleses e aliados na Europa Ocidental, no Norte da África e ainda consertar as trapalhadas dos italianos nas posições de combate que lhes cabiam, demandava um consumo gigantesco de recursos. Também havia os EUA, com sua formidável máquina de guerra e suas forças produtivas ainda intactas, que já se punham em marcha acelerada para a Europa. Era preciso conquistar a URSS e sua abundância natural quanto antes, melhor. A ideia era penetrar o território soviético, com o maior contingente militar da História, neutralizar rapidamente as defesas, conquistar os objetivos-chave, com o mínimo de danos possível, antes da chegada do inverno e antes que Stalin tivesse qualquer oportunidade de despejar suas intermináveis reservas sobre as tropas alemãs.
Na madrugada do dia 22 de junho de 1941, o 6.º Exército da Wehrmacht, (a 6.º Divisão do Exército Alemão) combinado com unidades italianas, finlandesas, romenas, húngaras, croatas e eslovacas, neutralizaram as desorganizadas defesas soviéticas pelo leste polonês e penetraram o seu território ao longo de uma frente de 2.900 quilômetros de extensão. Para tanto foram mobilizados quase 4 milhões de soldados. A Wehrmacht empregou ainda cerca de 600 mil veículos a motor e entre 600 mil e 700 mil cavalos. Em pouco tempo conseguiram vitórias arrasadoras e ocuparam importantes áreas econômicas, principalmente na Ucrânia, como previa o plano. No curso de algumas semanas um vitorioso caminho para Moscou já despontava no horizonte.
Hitler e seus marechais compreendiam, como já foi dito, que a guerra moderna dependia do amplo controle sobre os meios de produção. Acreditavam que os soviéticos, para manter as mínimas chances de resistir à invasão teriam que defender suas fábricas, minas, campos de grãos e petróleo. Com isso, Stalin não poderia se servir da mesma tática de defesa que outrora o czar Alexandre I e seus generais, os príncipes Kutuzov e Bragation, utilizaram durante a invasão de Napoleão Bonaparte em 1812, ou seja, evacuar o exército e a população das grandes cidades para o interior e arrasar a terra. Os tempos eram outros e os soviéticos precisariam enfrentar o invasor em campo aberto para tentar defender os meios de produção. Isso oferecia a grande oportunidade aos alemães de debilitar irreversivelmente ou de destruir por completo o Exército Vermelho.
A teimosia de Stalin, sua miopia e seus “ouvidos moucos” aos informes de inteligência custaram caro ao proletariado soviético. Nesses dez dias, de 22 de junho a 1.º de julho de 1941, os alemães mataram 500 mil pessoas, destruíram 28 divisões do Exército Vermelho, inutilizaram uma imensa quantidade de material bélico e quase chegaram a Moscou. O historiador russo Constantine Pleshakov afirma, em seu livro “A Loucura de Stalin” que sem a paranoia de Stalin esse custo inicial pago pela URSS seria muito menor. Uma mínima organização das linhas de defesa poderia ter repelido, por semanas, o massivo ataque alemão até que se planejasse uma contraofensiva.
O Exército Vermelho, ao contrário do que se costuma afirmar, era bem equipado, bem treinado e experiente em operações de guerra. Era uma força descomunal que mantinha uma vantajosa reserva, na proporção de 6 homens contra 1, sobre qualquer exército europeu. Mas a falta de um comando resoluto era uma doença crônica e mortal. Naqueles dias, os cinco marechais soviéticos que faziam parte do Estado Maior de Stalin não passavam de homens amedrontados. Eles haviam sobrevivido e contornado os Processos de Moscou com humilhantes súplicas e bajulações. Budionny com sua mulher encarcerada em um gulag e Grigory Kulik com sua esposa sequestrada, estuprada e morta pela NKVD: que condições teriam esses homens de comandar divisões? Como um oficial sob essas pressões poderia tomar decisões precisas, contrariando a vontade de Stalin?
Voroshilov caiu em desgraça após a desastrosa campanha na Finlândia e não passava de uma triste figura. Já Konstantin Rokossovsky tinha todos os motivos para temer e desconfiar do chefe. Ele foi retirado às pressas da prisão, onde cumpria pena e sofria as mais terríveis torturas sob a acusação de trotskismo e restituído ao marechalato, sem sequer um pedido formal de desculpas. O único que conseguia manter algum diálogo com Stalin, demonstrando um pouco de ousadia nas suas propostas, era o marechal Georgi Zhukov, talvez por ser um brutamontes. Stalin sempre nutriu grandes simpatias por tipos truculentos como ele. Zhukov liderou a brilhante defesa de Moscou e aos poucos convenceu seu chefe do óbvio: era necessário tomar uma atitude rápida, ou em poucas semanas, os alemães iriam exibir suas cabeças na Alexanderplatz, em Berlim.
É a Guerra do Povo, é a Guerra Sagrada!2
Para conter o rápido avanço dos alemães, não apenas o Exército Vermelho, mas também o povo soviético precisaria lutar. Além da conscrição de 800.000 reservistas, era preciso que cada operário, cada estudante, cada trabalhador de kolkhoz, homem, mulher, velho ou jovem, que não estivesse em condições de servir no exército, se convertesse em um potencial espião, sabotador e, se possível, até mesmo participar de atentados e pequenas ações de guerrilha, além de prestar total auxílio aos soldados.
Se os nazistas queriam tomar os campos de grãos e petróleo, as minas ferro e fábricas, esses deveriam ser destruídos caso não pudessem ser defendidos. Essa era a ordem expressa. No mesmo sentido, a terra deveria ser arrasada, os poços e rios envenenados: o invasor deveria ser punido com a fome e a sede, até que o inverno russo, com suas brutais temperaturas, concluísse o serviço infernal. Sob as ordens do Kremlin, os comissários políticos, por hora, precisaram deixar de lado a alcaguetagem deliberada e passaram a apelar para a agitação política junto às tropas e ao povo.
Apelavam para o legado da Revolução de 1917 e conclamavam a defesa de suas conquistas, mas de maneira vazia, à moda da escolástica stalinista e do patriotismo soviético. Ao ouvir o chamado hipócrita de Stalin, seus marechais e seus burocratas, os soldados e o proletariado soviético escutaram, na verdade, a poderosa voz de Lênin e os ecos da grande Revolução de Outubro. Eles se lançaram na luta com extrema ousadia e sacrifício em defesa desse legado.
A máquina de guerra germânica emperrou diante da aguerrida defesa de Moscou em novembro de 1941. Zhukov, contornando cuidadosamente o monolitismo de Stalin, chegou ao comando supremo do exército. Ele e sua equipe promoveram uma melhor distribuição das divisões, fizeram a máquina de agitação e propaganda trabalhar sem descanso e restituíram aos oficiais experientes – alguns deles trotskistas declarados – seus postos de comando nas unidades e divisões. Dessa forma, o avanço dos alemães, que parecia ser irresistível em um primeiro momento, foi interrompido.
Ao contrário do que Hitler e seus marechais imaginavam, a indústria pesada convertida em indústria bélica foi removida com sucesso para segurança dos Urais. Em poucos meses, um verdadeiro enxame de Katyushas, tanques médios T-34, os pesados KV-1 e JS-1 e caças Polikarpov – fabricados às pressas, com peças improvisadas ou faltando – despencou sobre o inerte 6º Exército Alemão. Um esforço sobrenatural dos engenheiros, dos operários e soldados soviéticos. Quando o inverno chegou, a Guarda Soviética e as divisões de elite siberianas, descansadas e bem equipadas, acostumadas a combater em baixas temperaturas, foram mobilizadas para as frentes mais problemáticas. A soldadesca germânica, por sua vez, congelava dentro dos seus elegantes uniformes desenhados pelo estilista alemão Hugo Boss.Condições objetivas para a capitulação da Alemanha
Muitos historiadores ainda se dedicam a procurar motivos para o fracasso da Operação Barbarossa. Como a maior força de invasão da História, comandada por estrategistas brilhantes como Friedrich Paulus, Hans Guderian, Gerd von Rundstedt e Erwin Rommel, pode capitular de maneira tão humilhante? Seria uma disputa de vaidades entre esses oficiais? Seria a intransigente intromissão de Hitler em assuntos militares? Ou o apoio de última hora dos aliados imperialistas de Stalin?
A resposta a todos esses questionamentos podem até oferecer elementos relevantes, mas que no curso geral dos acontecimentos são pouco decisivos. Como já foi explicado, ocupar a União Soviética, na melhor das hipóteses, não seria uma tarefa fácil. Por maior, mais preparado e melhor comandado que fosse um exército, a desvantagem era imensa. Há mais de 2.000 anos, o pensador e estrategista grego Enéias, O Tático, já alertava em seus escritos: “tanto no cerco, quanto na invasão, a vantagem está sempre ao lado do defensor”.
Somados todos os elementos: as condições de combate do Exército Vermelho e a ampla participação do proletariado na defesa de sua revolução e suas conquistas, é necessário considerar também a pouca eficácia da tática da Blitzkrieg, (A Guerra Relâmpago) nessa campanha. Essa avassaladora estratégia, que deu rápidas e importantes vitórias a Alemanha Nazista no início da guerra, foi de fato efetiva nos países da Europa de pequena extensão territorial, como a Polônia, a França e Noruega. Em um país do tamanho da URSS, essa inovação acabou trazendo um problema fatal às linhas alemãs. A partir do uso da “Guerra Relâmpago” a vanguarda da Wehrmacht e seus aliados, apoiados pelos eficientes pilotos da Luftwaffe, (Força Aérea Alemã) avançaram fundo no território e em poucos dias sitiavam ou controlavam os objetivos-chave da campanha, conquistando posições pelo caminho.
Porém, qualquer estrategista entende que posições conquistadas com ataque de tanques e aviões só podem ser consolidadas e defendidas com ocupação massiva de infantaria, posicionamento de fortificações e artilharia. O avanço rápido criou uma lacuna gigantesca entre a vanguarda e a retaguarda alemã. Muito da equipagem, artilharia e suprimentos precisava ser transportada por veículos de tração animal ou sobre mulas. Isso ocasionou grandes atrasos e abriu a oportunidade para o Exército Vermelho se reorganizar, por trás das linhas da vanguarda alemã e atacar em ambas as direções.À medida que o Exército Vermelho avançava, a Frente Oriental passou, cada vez mais, a ser uma consumidora voraz de homens e recursos alemães. Uma fração do alto comando alemão tentava convencer Hitler a reatar os acordos políticos com Stalin e encerrar a campanha: a situação era desesperadora. Porém Hitler estava irredutível, sendo assim obrigado a fazer cada vez mais concessões à grande burguesia alemã para obter os recursos necessários para a guerra. Para consolidar o nazismo na Alemanha e promover uma rápida recuperação na economia, após chegar ao poder em 1933, o regime nazista estatizou importantes setores da economia, mas ainda assim, governava para a grande burguesia alemã e era sustentado por ela.
Do lado soviético, um simples decreto do Politburo converteu toda a indústria pesada em indústria de guerra e toda a produção agrícola foi direcionada para alimentação das tropas. Esse é um dos muitos casos onde se evidencia a superioridade da economia planificada sobre a propriedade privada dos grandes meios de produção. Após as vitórias em Stalingrado, Leningrado, Kursk, entre outras, os nazistas foram empurrados para fora da União Soviética e o 6.º Exército da Wehrmacht foi completamente destruído. Alguns anos mais tarde, em 16 de abril de 1945, Zhukov, Konev e Rokossovsky marchavam vitoriosos, com suas numerosas divisões sobre as ruínas de Berlim.
O custo, em destruição de forças produtivas, para o proletariado soviético foi gigantesco. Além da terrível aniquilação na infraestrutura do país, só a Operação Barbarossa deixou mais de 800.000 mortos. Os números totais estimados superam os 26 milhões de soviéticos mortos durante toda a guerra. Stalin soube capitalizar o triunfo. Assim que percebeu haver uma possibilidade do rumo da campanha se direcionar para vitória, não se furtou a ordenar que sua imagem – envergando a túnica de marechal supremo, exibindo numerosas condecorações – fosse difundida copiosamente nos materiais de propaganda. Stalin nunca mereceu usar essa indumentária.
Nos pactos de Potsdam e Yalta, ainda com a guerra em curso, ele se sentou à mesa com os líderes imperialistas, e com eles definiu uma nova redivisão do mundo. Em 1943, como parte dos acordos com aqueles que eram, assim como os fascistas, os piores inimigos de sua classe, dissolveu a Internacional Comunista. Os burocratas, mesmo após a morte de seu chefe supremo, se mantiveram no poder do Estado Operário pelas décadas seguintes até promoverem, eles mesmos, a restauração do capitalismo na Rússia e nos outros países que compunham a URSS.
Notas:
1 Os Kolkhozes eram as fazendas coletivas da antiga União Soviética sob Stalin.
2 Referência a canção de propaganda stalinista da 2ª Guerra Mundial, Svyashchennaya Voyna, ou “A Guerra Sagrada”, composta por Alexander Alexandrov