Parte 2 – A revolução Newtoniana (2º segmento)
Leis do movimento, gravidade e ótica
O conhecimento partido
A fábrica moderna introduziu a divisão de trabalho em uma escala nunca vista antes. Um sapateiro na idade média trabalhava o couro, curtia, cortava, costurava, colava e dava o acabamento no sapato. Hoje, as fábricas fazem essas atividades, sendo o operário um mero operador de uma máquina complexa. A questão é que antes fabricar um par de sapatos custava muito da atividade humana e hoje sapatos são relativamente baratos. A especialização se tornou a norma na atividade moderna, desde a fabricação de sapatos até a ciência.
No início do capitalismo, a especialização era a exceção e os sábios eram “sábios universais”, que pulavam da matemática para a astronomia, química, alquimia, filosofia, pintores, romancistas etc. Se você dispusesse de dinheiro, e portanto de tempo, tudo era possível e tudo poderia ser tentado. É neste caldo de cultura que cresceu e se desenvolveu Isaac Newton.
E faça-se a luz
Entender a luz é uma das questões que se colocaram os primeiros cientistas. Afinal, era através do sentido da visão que se podia conhecer o restante. A luz provinha dos olhos de quem vê ou dos objetos? A luz é formada por partículas infinitesimais ou por ondas como as ondas do mar? Os cientistas, através da observação, chegaram a conclusão que a luz era feita em fontes de luz (sol, fogueiras, velas) e que partia destes (e não dos olhos). Mas qual era a sua verdadeira natureza? Duas correntes se formaram, uma que defendia que a luz tinha natureza ondulatória (ondas) e outra de natureza corpuscular. A resolução completa deste mistério só será feita no século XX (mecânica quântica).
Newton, entretanto, estudou a luz e foi um dos defensores da teoria corpuscular. Havia muitos argumentos a favor desta teoria. O principal deles é que a luz ao vir do sol e das estrelas devia passar por um meio qualquer e Newton não achou nenhum sintoma de atrito com este meio que diminuísse (retardasse) o movimento dos planetas e satélites. Além disso, ele descobriu a divisão da luz branca em diferentes cores e a sua explicação em termos corpusculares era plenamente satisfatória para esses fenômenos. As observações de Newton a este respeito e as tentativas de solucionar o problema levaram de um lado para a teoria da relatividade e, por outro lado, indiretamente, à teoria quântica.
Da astrologia a matemática
Ainda jovem, Newton foi apresentado à astrologia. E ele não compreendeu os cálculos dos astrólogos. Resultado: resolveu estudar matemática desde os trabalhos de Euclides até os matemáticos modernos. A questão é que ele não parou os estudos somente aí. O seu desenvolvimento de métodos geométricos levou ao que se conheceu como cálculo. Newton não publicou estes estudos, porque sabia que eles seriam alvos de muitas críticas. E foi surpreendido, mais de 20 anos depois de suas descobertas, por Leibnitz que publicou estudos semelhantes.
Qual a dúvida de Newton? O método (geométrico) proposto por ele levava a que uma soma infinita de infinitesimais (pedaços cada vez menores de curvas) tivessem como resultado um número finito, ao invés de infinito. Em outras palavras, Newton chegou em matemática a um resultado que era uma contradição em si – uma soma infinita construía um finito. A dialética de Platão entrava por vias transversas dentro da ciência e isso contradizia a lógica cartesiana que então presidia as ciências. Mas essa matemática foi a base para construir a mecânica de Newton, as suas três leis do movimento e a lei da gravitação universal.
Resolvendo a dúvida de Santo Agostinho
Santo Agostinho se questionava se o tempo era o mesmo na Terra e nos céus (sol, estrelas e planetas). Newton resolveu isso ao fazer suas três leis, complementadas com a lei da gravitação. Ele pegou o tempo sideral (medido pelo movimento dos planetas e dos satélites) e aplicou na Terra.
Ele criou um conceito (força) diferente do uso cotidiano dessa palavra. Explicou que são as forças que criam ou modificam movimentos. O seu conceito de força da gravitação serviu para explicar o movimento de planetas e satélites.
E aplicou esses conceitos ao nosso dia a dia. Isso exigiu uma mudança profunda na compreensão do movimento até então aceito. Afinal, para a maioria das pessoas, os objetos estão parados e só se movimentam se existe uma força contínua atuando sobre eles (por exemplo, fazer força ao andar ou correr, a força do motor de um carro etc).
Newton, olhando os céus, explicou que os corpos que estão em movimento só modificam esse movimento se houver uma força atuando. E, para aplicar este conceito aos objetos terrestres, criou o conceito de “atrito” e “força de atrito” que levava os corpos a pararem ao invés de continuarem em movimento. Em outras palavras, a força que fazemos (músculos para andar, motor de um carro) serve somente para anular a força de atrito.
Como um conceito desse, totalmente anti-natural, conseguiu ser aceito? Porque ele permitia prever movimentos, e muito bem. Desde o movimento dos astros até o movimento de balas de canhão. A ciência se impõe porque ela permite explicar o que acontece e a prever o futuro.
Assim, a revolução newtoniana subverteu, ao mesmo tempo, o ápice das descobertas de Copérnico, Kepler e Galileu e, por outro lado, subverteu tudo o que se sabia de “física” baseada em Aristóteles. Isso permitiu abrir caminho para uma mudança profunda do mundo.
Agora máquinas podiam ser usadas, previstas, calculadas, entendidas. A revolução social do capitalismo, que construía um novo sistema econômico, permitia o uso indiscriminado da ciência. E as fábricas estavam ali para provar isso.
Epílogo transitório: Do motor primeiro de Aristóteles à hipótese de Laplace
Quando Aristóteles formulou toda a sua física, verificou a necessidade de existir um “primeiro motor” que desse partida a todo o universo. Este motor, evidente, introduz pela porta dos fundos o idealismo que Aristóteles tentava expulsar da ciência.
No final do Século XVIII, após a Revolução Francesa (mais de 100 anos depois de Newton), o matemático e físico francês Laplace escreveu um livro – “Mecânica Celeste” – no qual além de traduzir a linguagem geométrica de Newton para uma linguagem matemática, que facilitava o cálculo, acrescentou uma demonstração matemática e física à hipótese nebular feita por Kant: que o sistema solar teria origem numa nebulosa.
Ao ser indagado pelo então imperador Napoleão onde entrava Deus no seu sistema, Laplace respondeu rispidamente: “Eu não preciso dessa hipótese”. Assim, a ciência se livrava dos últimos resquícios do idealismo e somente sob a influência política da burguesia vários pseudo-cientistas voltaram a usar a “hipótese de Deus”.
Filosofia, ciência e misticismo (parte 1)
Filosofia, ciência e misticismo (parte 2) – A revolução Newtoniana
Segmento I – Tempo e História
Segmento II – As leis de Newton e as hipóteses necessárias
Filosofia da história e luta de classes (terceira parte)
Interlúdio Artístico – um pintor, diretor teatral e arquiteto vai a guerra
A física depois de Newton – Eletromagnetismo e Relatividade (Quarta parte)
A física depois de Newton – Mecânica Quântica (Quinta parte)
A teoria da evolução (sexta parte)
Imperialismo e pseudo ciência (epílogo)