Discutiremos aqui os quatro primeiros congressos da Internacional Comunista (IC), ainda dirigidos por Lenin e Trotsky e ainda não burocratizados em consequência da contrarrevolução estalinista. Assim, discutiremos um dos períodos de maior riqueza teórica e prática para o desenvolvimento de uma prática revolucionária genuinamente comunista em nível mundial, de 1919 a 1922. As lições aqui discutidas, para além de uma discussão sobre a URSS, são lições que até hoje nos ajudam na luta pela construção do socialismo.
1º Congresso – Constituição da 3ª Internacional (1919)
O 1º Congresso da IC ocorre no contexto de guerra civil após a revolução de 1917, com muitas mortes por parte dos revolucionários, mas com demonstração heroica de resistência pelo proletariado russo. Nesta situação, a máscara da socialdemocracia, para quem o socialismo é sempre um sonho distante, cai e, ao invés de apoiar a Revolução Russa, o que vemos é um ataque geral dos reformistas de todo o mundo contra a revolução, em frente única com a burguesia contra o proletariado. Dentro disso, ocorre uma primeira discussão: há democracia na URSS?
a) Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado
Uma das principais críticas feitas pela burguesia e, em especial, pelos socialdemocratas ao regime soviético foi quanto à ausência de democracia ali presente. Em primeiro lugar, a IC considerou isso uma abstração, pois parte das ideias de “democracia em geral” e de “ditadura em geral”. Oras, não existe “democracia em geral” em nenhum país capitalista, o que existe é democracia burguesa. Da mesma forma, não existiu na URSS “democracia em geral”, mas democracia proletária. Ou seja, o regime partia das necessidades do proletariado em contraposição às necessidades da burguesia. É preciso ter claro que há uma contradição de fato entre burguesia e proletariado, de modo que implementar uma democracia operária é sim cercear os direitos da burguesia.
Basta ter como exemplo que a burguesia implementou na constituição inicial do capitalismo na Inglaterra e França ditaduras de classe para enfrentar a reação, e não ditaduras “em geral”, que priorizavam a classe que ascendia ao poder político.
Denunciavam como exemplo dessa falta de democracia o impedimento de liberdade de reunião da burguesia e da liberdade de imprensa burguesa pelos bolcheviques.
Quanto à liberdade de reunião, a burguesia não tolhe nossa liberdade de reunião quando nos força a trabalhar 10, 12 horas por dia, mesmo nos países mais “democráticos”? Fora que a burguesia detém a melhor tecnologia, mais tempo e mais condições de exercer o direito de livre reunião, sem risco de perseguição política ou de qualquer ataque à sua condição básica de existência. Muito diferente o é com o trabalhador que hoje no século 21 não pode se reunir de modo livre em alguns países, mesmo ditos democráticos. No Brasil isso ocorre hoje, com a PM entrando em sindicatos, cercando reuniões políticas da Livraria Marxista e de estudantes secundaristas. Em 1919 isso era muito pior e os reformistas não se intimidavam em fazer coro com a burguesia contra a revolução.
Quanto à liberdade de imprensa, é só analisar que a burguesia conta com aparatos de comunicação monstruosos (Folha de SP, ESTADÃO, GLOBO etc. para citar só o Brasil hoje), que disseminam todas as mentiras diariamente a milhões de pessoas. Os trabalhadores, por outro lado, apresentam imensas dificuldades de se contrapor, dependendo de sindicatos e organizações políticas para tanto, na maioria dos casos com direções políticas contrárias a um projeto revolucionário. E em especial em situações de acirramento da luta de classes, a burguesia cerceia totalmente esses direitos aos trabalhadores. Como deixa claro o trecho abaixo do documento:
“Os capitalistas chamam de liberdade de imprensa a faculdade dos ricos corromperem a imprensa, a faculdade de utilizar sua riqueza para fabricar e sustentar uma suposta opinião pública.”
E para aqueles que ainda querem defender a maior democracia burguesa em detrimento à proletária, basta constatar o assassinato a sangue frio de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, de dezenas de milhares na Comuna de Paris, as perseguições políticas aos trabalhadores diariamente, as demissões, os assassinatos hodiernos de ativistas do movimento operário, rural e da população indígena. Aí está o quão democrático é o capitalismo.
Mas então qual seria a diferença fundamental entre ditadura proletária e ditadura burguesia? Nos responde o documento:
“O ponto fundamental que separa a ditadura do proletariado da de outras classes, […] consiste em que a ditadura dos elementos feudais e da burguesia era o esmagamento violento da resistência da imensa maioria da população, da classe trabalhadora enquanto a ditadura do proletariado é o esmagamento pela força da resistência dos exploradores, isto é, de uma ínfima minoria da população: os proprietários dos meios de produção e os capitalistas.”
Portanto, é uma imposição de nossos interesses de classe frente à minoria da população. Da mesma forma, como o documento assinala, a igualdade de todos os cidadãos independente de sexo, religião, raça e nacionalidade, que a burguesia sempre propagandeia, só pode ser conquistada por meio de uma ditadura proletária por ser algo que é de interesse proletário e não burguês. E não dá pra conseguir isso em acordo com a burguesia.
b) Resoluções quanto à Internacional Amarela
A partir da falência da 2ª Internacional, com o apoio à Primeira Guerra Mundial da maioria de suas seções e dirigentes, se criam as bases para o que veio a ser chamada de Internacional Amarela pela IC. Essa Internacional degenerou e se tornou um organismo formado por reformistas e oportunistas: “a social democracia degenerou em um partido anti-socialista e chauvinista”. Antes de 1914, conviviam dentro da 2ª Internacional três tendências de acordo com a IC: 1. A tendência social-chauvinista (tendência da maioria); 2. A tendência centrista (social-pacifistas, kautskystas, independentes); e 3. Os comunistas. As duas primeiras tendências foram as que formaram após 1917 a Internacional Amarela, que para a IC é “uma Internacional amarela de fura-greves, [que funciona] como instrumento da burguesia.”.
c) Plataforma da IC
O último ponto que gostaríamos de destacar sobre o 1º Congresso da IC é a sua plataforma aprovada, que pode ser resumida nos seguintes pontos:
- Conquista do poder político: não queremos nos adaptar ao Estado Burguês, mas destruí-lo.
- Democracia e ditadura: A ditadura do proletariado é uma situação transitória rumo a um mundo sem classes e se efetiva pela destruição da resistência burguesa.
- A expropriação da burguesia e dos meios de produção: Há muitas limitações nas lutas econômicas e sindicais. Essas podem, quanto muito, levar a melhoras pontuais na situação de um setor ou outro da classe trabalhadora. Exatamente por isso que o congresso propõe as seguintes medidas:
“Socialização dos grandes bancos que hoje dirigem a produção; tomada pelo poder proletário de todos os órgãos de poder do Estado capitalista que regem a vida econômica; tomada de todas as empresas comunais; socialização dos ramos da indústria em que o grau de concentração tende à socialização tecnicamente possível; socialização das propriedade agrícolas e sua transformação em empresas agrícolas dirigidas pela sociedade.”
Aqui é importante sublinhar, não se propõe a coletivização das pequenas empresas e pequenas propriedades.
- Ação direta das massas: o ponto central de atuação é a organização das massas e das ações diretas das massas contra as instituições e a máquina governamental burguesas. A utilização do parlamento e de outros pontos de apoio dentro da governabilidade burguesa deve sempre estar submetida à ação direta das massas.
2º Congresso – Delimitação do que era necessário para ser considerado um partido adepto da 3ª internacional (1920)
a) Condições de admissão dos partidos da Internacional Comunista
Neste congresso, a direção da IC percebeu que estava “na moda” a filiação dos partidos em nível mundial à IC. Contudo, diversos elementos oportunistas de todo o mundo tentavam, indo junto com a correnteza, se filiar à IC. Assim, foi necessário estabelecer as condições para admissão dos partidos de modo a combater o oportunismo e o liquidacionismo dentro da IC. Abaixo seguem algumas das principais diretrizes aprovadas:
- Propaganda e agitação deve ter sempre o conteúdo aprovado nas resoluções da IC e ser de responsabilidade dos membros mais reconhecidamente comunistas.
- Retirar da estrutura dos aparatos controlados pelo PC (partido, sindicato etc.) quaisquer elementos oportunistas.
- Criação de um organismo clandestino para desenvolvimento de um trabalho ilegal.
- Obrigatoriedade de propagandear os ideais comunistas entre o exército.
- Obrigatoriedade de propagandear os ideais comunistas entre o campesinato.
- Denunciar o social-patriotismo e social pacifismo.
- Reconhecer a ruptura completa com o reformismo e a política centrista.
- Agitação e organização de ação sistemática contra toda opressão colonial.
- Todos devem se estruturar segundo os princípios do centralismo democrático.
- Toda organização aderente à IC deve se denominar Partido Comunista.
b) Papel do Partido comunista na revolução
A IC percebe neste contexto, e reconhece que há massas operárias que possam ser ganhas para a mentalidade reacionária. Nesse sentido, passa a ser um dever dos marxistas conduzí-las à elevação de seu nível de consciência política:
“Nessas condições históricas, é bem possível que numerosas tendências reacionárias se formem na classe operária. A tarefa do comunismo não é se adaptar a esses elementos atrasados da classe operária, mas conduzir toda a classe operária ao nível da vanguarda comunista.”
E a IC entende que o papel do Partido é elevar o nível de consciência política das massas proletárias e, para além disso, organizar essas massas proletárias em direção à tomada do poder pela classe trabalhadora:
“Somente no caso do proletariado ser guiado por um partido organizado e provado, com objetivos claramente definidos e possuindo um programa de ação suscetível de ser aplicado, tanto na política interior quanto na exterior, somente neste caso, a conquista do poder político pode ser considerada não como um episódio, mas como o ponto de partida de um trabalho duradouro de edificação comunista da sociedade pelo proletariado.”
O documento ainda ressalta que o Partido nunca se afasta das organizações operárias mais amplas, desde associações operárias até centrais sindicais e sovietes. Contudo, o partido não se funde a nenhuma delas, mas se organiza para dirigí-las.
c) O Movimento Sindical, os comitês de fábrica e de usina
Neste trecho, o documento problematiza como intervir nos sindicatos e de suas funções após o período revolucionário. Inicialmente os sindicatos representavam órgãos de luta econômica, pelo salário, redução da jornada etc. No período imperialista, eles passam, em parte, a serem órgãos de controle da classe trabalhadora por parte dos patrões, que compram suas direções, criando a aristocracia operária. Inclusive durante a guerra a IC se refere ao sindicato como órgão de escravização dos trabalhadores em alguns contextos, pela forma como as burguesias os utilizam. Apesar disso, a pressão de base sempre coloca o sindicato em movimento e força as direções a tomarem ações mais avançadas do que as direções gostariam. Porém, a partir da Revolução Russa, no contexto de 1920, os sindicatos se tornam órgãos de destruição do capitalismo, o que só poderá ser realizado sob o controle do partido.
Após a revolução, os sindicatos e os conselhos industriais ganham uma nova função, que passam a ser organizadores da vida econômica da sociedade, formando tecnicamente os trabalhadores e filhos da classe trabalhadora e planejando a vida econômica de toda a sociedade.
d) O partido comunista e o parlamentarismo
Como a IC caracterizou o Parlamento?
“[…] é a forma ‘democrática’ de dominação da burguesia, a qual é necessária, em dado momento de seu desenvolvimento, uma ficção de representação popular, exprimindo na aparência a vontade do povo e não a das classes, mas constituindo, na realidade, nas mãos do Capital reinante, um instrumento de coerção e de opressão.”
Assim, para a IC essa forma de governo não pode ser a forma de governo proletário, e não devemos de forma alguma almejar reformas vindas desse meio e muito menos a ilusão de conquistá-las. Para a IC, nossa posição deve ser clara, temos “como objetivo a abolição do parlamentarismo. Ele só pode colocar a questão da utilização das instituições governamentais tendo em vista sua destruição. É nesse sentido, e unicamente nesse sentido, que a questão pode ser colocada.”
Mas então devemos deixar de utilizar o parlamento? Não! Como explica a resolução:
“o partido dirigente do proletariado deve, em regra geral, fortificar todas as suas posições legais, fazendo delas pontos de apoio secundários de sua ação revolucionária e subordinando-os ao plano da campanha principal, ou seja, a luta das massas. A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos secundários. […]”
“Esta ação parlamentar, que consiste sobretudo em usar a tribuna parlamentar para fins de agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas ideias as massas que, principalmente nos países atrasados, consideram a tribuna parlamentar com grandes ilusões democráticas, deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extra-parlamentar das massas.”
Um bom exemplo é dado pelo próprio texto sobre como conduzir uma campanha política em que “A campanha eleitoral em si mesma deve ser conduzida não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas a partir das palavras de ordem da revolução proletária.” (p 51)
Quanto a isso, o texto termina condenando de modo categórico o antiparlamentarismo de princípio e deixa claro que a tática revolucionária dentro do parlamento é definida exclusivamente pelo Partido e dentro dos termos acima salientados.
3º Congresso – Estrutura, métodos e ação dos Partidos Comunistas (1921)
a) Contexto e conceituação tática
Este congresso enfatizou bastante as táticas de construção, ação e métodos organizativos do partidos adeptos da IC. A situação era a de agudização da luta de classes, polarização social intensa, e da formação de amplos partidos revolucionários, mesmo que ainda sem conseguir dirigir efetivamente as amplas massas proletárias.
Dado esse contexto, foi definida a tarefa determinante de conquistar a influência sobre a maioria da classe operária. Isso significou reforçar as resoluções do 2º Congresso da IC, de atuar internamente nos organismos operários de massa e não criar organizações a parte. Aqui é importante o combate ao sectarismo que é salientada no começo dessa resolução, classificando essas ações como sem sucesso, culminando em infinitos rachas e absoluta alienação dessas organizações sectárias em relação às amplas massas operárias.
b) Sobre a forma de combater pela consciência das massas
A resolução é bastante clara quanto às formas de desenvolver esse combate:
“Os partidos comunistas só podem se desenvolver na luta. Mesmo os menores Partidos Comunista não devem se limitar à mera propaganda e agitação. […] Somente sabendo se colocar à frente do proletariado em todos os seus combates, os Partidos Comunistas poderão ganhar efetivamente as grandes massas para a luta pela ditadura.” (grifo nosso)
Ou seja, os marxistas não são sindicalistas, nem tampouco propagandistas sem ação prática. Colocar-se à frente das lutas, ajudar a organizar as lutas dos locais onde os militantes atuam é central para ganhar influência sobre as camadas mais amplas do proletariado e consequentemente central para a construção da IC e de cada PC, mesmo dos menores.
A IC, assim, orienta a participação nas lutas parciais e sindicais que são importantes aos trabalhadores, como salário, fechamento de escolas, de hospitais, cortes de verbas, demissões etc. Contudo, “Toda agitação e propaganda, toda ação do Partido Comunista devem estar penetradas da convicção de que sobre o terreno do capitalismo é impossível melhoria da situação das massas proletárias”. Assim, após uma “vitória” numa greve, devemos sim comemorar, mas entender que a tarefa dos marxistas é explicar que, sem a organização dos trabalhadores para continuar a luta de modo organizado até a derrubado do sistema capitalista, esse ganho imediato se reverterá em perda em um período imediatamente posterior.
A luta parcial significa ganhar uma mera batalha, mas mesmo essa “mera batalha” deve ser travada. Quanto a isso o documento ainda ressalta que a recusa em lutar pelas reivindicações parciais decorre:
“dessa mesma incapacidade de compreender as condições vivas da ação revolucionária que já se manifestou na oposição de certos grupos comunistas à participação nos sindicatos e na utilização do parlamento. Não se trata de se limitar a pregar sempre ao proletariado os objetivos finais, mas de fazer progredir uma luta concreta, que só pode conduzir à luta por esses objetivos finais.”
Em suma, recusar-se a batalhar pelas demandas parciais é não compreender que:
“A natureza revolucionária da época atual consiste precisamente em que as condições de vida das massas operárias são incompatíveis com a existência da sociedade capitalista, e por esta razão a luta pelas reivindicações mais modestas assume proporções de uma luta pelo comunismo.”
Temos convicção de que essas palavras são igualmente válidas para os dias de hoje.
c) A atitude em relação aos desempregados
A resolução analisa que é um erro classificar os operários desempregados como lumpens. Eles são uma categoria de trabalhadores, que necessitam vender sua força de trabalho, mas que simplesmente são impossibilitados de fazê-lo pelas condições impostas pelo capitalismo, ainda mais em momentos de crise econômica. É preciso tomar a direção dessa imensa camada da população. Para isso, deve-se promover a unificação dos desempregados com o proletariado. Unificar as pautas de ambos é transformar o exército de reserva em “exército ativo da revolução.”
d) A atitude em relação às classes médias
A IC entende que é essencial desenvolver uma política destinada às camadas médias da população, que são empurradas para o proletariado, em especial em momentos de agudização da crise econômica. “O Partido Comunista deve conceder a essas camadas uma atenção permanente.” E o documento ainda coloca isso como uma condição para a vitória da revolução pois: a conquista do pequeno camponês é condição vital para prover abastecimento no período pós-revolucionário, e a conquista de operários qualificados e de intelectuais tenderão a nos fazer avançar sobre questões técnicas que possibilitarão com maior facilidade o controle e desenvolvimento da indústria e organização econômica da sociedade.
e) Estrutura e métodos do partido
Neste trecho das resoluções da IC trazem deliberações com respeito ao método de organizar os PCs. A posição inicial é de que não há uma receita para organizar os partidos internamente. Um PC pequeno não terá o mesmo número de representantes no Comitê Central que um grande, para citar só um exemplo. A forma de desenvolver as instâncias num país com regime democrático-burguês é diferente de estar sob uma forte ditadura burguesa mais ferrenha. Isso tudo influi para que as seções estejam atentas às diferentes formas de organizar os PCs em cada situação. Apesar disso, há princípios básicos para reger todos os PCs.
O centralismo democrático é o pilar que estrutura e unifica todos os PCs. Quanto a isso diz o documento que o centralismo democrático “deve ser uma verdadeira síntese, uma fusão da centralização e da democracia operária.” E salienta que “A centralização do Partido Comunista não deve ser formal e mecânica; deve ser uma centralização da atividade comunista.” Quanto a essa “centralização formal e mecânica”, dizem as resoluções que essa é “apenas a centralização do ‘poder’ nas mãos de uma burocracia para dominar os outros membros do partido ou as massas do proletariado revolucionário exteriores ao partido.” Quanto a isso, o documento já antecipa o futuro embate entre burocracia e classe trabalhadora na URSS, culminando na vitória de uma camarilha burocrática e hoje gerando junto à opinião pública forte rejeição às centralizações políticas e ao marxismo:
“Se a centralização não deve ser letra morta, mas se transformar em fato real, é necessário que sua realização se cumpra de maneira que ela seja, para os membros do partido, um reforço e um desenvolvimento, realmente justificados, de sua atividade e de sua combatividade comum. De outro modo, ele aparecerá para as massas como simples burocratização do Partido e provocará assim uma oposição a toda centralização, toda direção e toda disciplina restrita.”
Em suma, uma das consequências mais fatais para uma organização revolucionária negligente frente a uma democracia puramente formal, é sua completa burocratização, sendo que esse tipo de tendência deve ser amplamente combatida dentro do partido revolucionário.
Mas o que implica ser membro do PC e como superar essa democracia puramente formal? O documento explica que “a adoção de um programa comunista é apenas a vontade de ser comunista.” E que para que de fato formemos militantes comunistas, todos devem ter tarefas comunistas permanentes de ação junto ao movimento operário. Todos devem “pagar regularmente as cotizações estabelecidas, a assinatura do jornal” e participar de um trabalho político cotidiano.
No desenvolvimento deste trabalho político cotidiano, o documento também versa sobre a necessidade de criação de grupos de trabalho para atuar nas frentes de intervenção específicas e organizar o trabalho cotidiano, somado a um trabalho em frentes, comitês, grupos de estudos, frações e núcleos, ou mesmo organizações locais mais amplas.
Quanto a todas essas tarefas, o documento salienta a necessidade da prestação de conta da intervenção de cada militante, via relatórios a serem distribuídos e socializados e discutidos em todas as instâncias do Partido e da IC.
Por fim, quanto à discussão organizativa, o documento deixa claro a necessidade de definição específica das frentes de intervenção, da necessidade de resolução das divergências internamente e de que algum militante que ataque publicamente nossa organização está apto a ser considerado inimigo da IC.
f) Imprensa operária: agitação, propaganda e o jornal operário
Em determinado momento, o documento delibera quanto à forma de conduzir a propaganda e agitação comunista. As principais formas apresentadas na resolução são: “conversas pessoais, participação nos combates dos movimentos operários – sindicais e políticos, ação pela imprensa e literatura do partido. Cada membro do partido legal ou ilegal deve, de uma ou outra forma, participar regularmente dessa atividade.”
Quanto à propaganda pessoal a resolução recomenda agitação à domicílio nas áreas de maior influência pelo partido e de rua com distribuição de panfletos e cartazes. Outra forma de difundir a linha política marxista é fazer uso de uniões operárias como “sociedades de ensino e os círculos de estudos, as sociedades esportivas, teatrais, uniões de consumidores, organizações de vítimas de guerra etc.”
Quanto à imprensa proletária, as resoluções exprimem as dificuldades e a necessidade do sacrifício militante para a manutenção de um jornal operário e revolucionário. Isso é condição para um trabalho efetivo. Para isso, todos devem conseguir difundir o jornal junto aos trabalhadores e, mais do que isso, devem se tornar colaboradores do jornal, escrevendo para ele. Transformar o jornal em uma forma de organização coletiva, fazendo-o trazer tudo que ocorre em cada uma das localidades onde cada militante atua é fortalecer o jornal e transformá-lo em meio de elevação coletiva do nível de consciência política dos trabalhadores:
“Nosso jornal tem por tarefa reunir as experiências adquiridas nas atividades de todos os membros do Partido e fazer disso um guia político para revisão e melhoria dos métodos de ação comunista. […] Assim, essa imprensa como qualquer jornal em particular, será o melhor organizador do nosso trabalho revolucionário.”
g) A questão da mulher
Neste congresso a IC deu mais alguns passos com respeito à questão da mulher, já discutidas amplamente no 1º e 2º congressos:
“Partindo do princípio de que a luta pela ditadura do proletariado está na ordem do dia e que a construção do comunismo é a tarefa atual nos países em que a ditadura já está nas mãos dos operários, o 3° Congresso da Internacional Comunista declara, que, tanto a conquista do poder pelo proletariado como a realização do comunismo nos países em que eles já se livraram da opressão burguesa, não serão cumpridas sem o apoio ativo da massa feminina do proletariado e semiproletariado.”
A IC propunha que, ligado e centralizado pela IC, fosse instituído um organismo interno totalmente voltado para organizar a luta entre as mulheres trabalhadoras e para ganhá-las contra as influências burguesas. Afinal, é claro para a IC que a mulher jamais poderá ser totalmente livre sob o capitalismo:
“O que o comunismo pode dar às mulheres, o movimento feminino burguês não poderá dar. Durante o tempo em que existir a dominação do capital e a propriedade privada, a libertação da mulher é impossível.”
A IC também entende a importância da conquista de direitos democráticos no capitalismo, como o voto, mas os considera totalmente limitados e, de modo algum, libertam a mulher trabalhadora. Para conquistas estruturantes, a IC defende que somente no comunismo a mulher não sofrerá por conta de suas atribuições naturais, como a gestação dos filhos. Essa discussão é viva ainda hoje, quando alguns estúpidos defendem que a mulher deva receber menos por ter filhos!
Em suma, o documento não só reconhece, mas estrutura a luta contra a dupla opressão da mulher, pelo capitalismo e pela família. Ele organiza e impulsiona a participação das mulheres nos organismos da IC e dos partidos locais, inclusive punindo se necessário as seções da IC que se recusassem a fazê-lo e estimula a educação das mulheres junto aos ideais comunistas.
Quando disserem que o marxismo não discute a questão da mulher, é importante dizer que a IC, a maior expressão organizada da história do marxismo, deu imensa audiência e discutiu intensamente essa temática, difundindo esses ideais e práticas em prol da libertação da mulher em todo o mundo.
4º Congresso – Resoluções sobre Tática da IC (1922)
a) Contexto
Em 1922, o mundo agonizava com a continuidade da crise econômica e política, e “A paz de Versalhes” criou novos antagonismos e uma situação que iria desembocar em novas guerras em um futuro próximo. Neste contexto:
“Ao não haver aproveitado o proletariado de todos os países, exceto da Rússia, do estado de debilidade do capitalismo provocado pela guerra para assentar-lhe o golpe decisivo, a burguesia pôde, graças à ajuda dos socialistas reformistas, afastar os operários revolucionários dispostos ao combate, consolidar seu poder político e econômico e iniciar uma nova ofensiva contra o proletariado.”
Desse modo, o contexto aqui é de lutas com caráter mais defensivo por parte do proletariado, com muitas derrotas à classe trabalhadora em nível mundial. A partir disso, a IC constata o aumento do ódio do proletariado contra o capitalismo, e vemos essa energia ser desperdiçada pelos reformistas, incapazes de apresentarem uma perspectiva real de mudança.
Neste contexto, a tarefa central apresentada na resolução é que os membros do PC devem tomar parte em todas as lutas econômicas das categorias e elevar essas lutas ao nível de luta política. Também devem os membros do PC “aproveitar as lutas defensivas para fortalecer a consciência revolucionária e a vontade de combate das massas proletárias de maneira que, quando estas são suficientemente fortes, possam passar da defensiva para a ofensiva.”
É neste contexto de falência absoluta da socialdemocracia e de derrotas à classe trabalhadora que as bases para o fascismo são criadas na Itália. O fascismo italiano é assim caracterizado pelo documento:
“A diferença característica do fascismo italiano, do fascismo ‘clássico’, que conquistou momentaneamente todo o país, está no fato de que os fascistas não somente constituem organizações de combate estritamente contrarrevolucionárias e armadas até os dentes, mas também tratam, mediante demagogia social, de criar uma base entre as massas, na classe camponesa e na pequena burguesia e até certos setores do proletariado, utilizando habilmente para seus objetivos contrarrevolucionários decepções provocadas pela chamada democracia.”
O documento coloca que, neste sentido, a luta pela frente única aliada a um combate incessante pelas demandas dos trabalhadores se torna ainda mais necessário na situação atual.
b) Tática da frente única proletária
A socialdemocracia na época, e até hoje na verdade, agitava a necessidade de propor governos de coalizão com setores burgueses. Contra isso, a tática de frente única da IC foi a proposta do governo operário, a partir de uma frente proletária com todos os setores da classe trabalhadora. Isso tinha por objetivo demonstrar às camadas mais amplas do proletariado as reais intenções dos socialdemocratas, quando os mesmos se recusassem a compor qualquer frente com os revolucionários em nome de uma nova aliança com a burguesia.
Contudo, o documento ainda prevê condições especiais de realização de frentes com organizações proletárias não comunistas: 1. A IC deve ser consultada; 2. Os membros comunistas nesta frente só se submetem às decisões do partido; 3. Manutenção da ação e contato junto às massas; 4. Manutenção da total independência do PC em relação à frente ou governo operário que venha compor.
A IC no 4º congresso reconhece 5 formas de governos “operários”: 1. Governo operário liberal; 2. Governo operário sociademocrata; 3. Governo de operário e camponese; 4. Governo operário com participação dos comunistas; 5. Verdadeiro governo operário proletário dirigido inteiramente pelo PC. Quanto aos dois primeiros, a IC os compreende como formas camufladas de governo burguês somente toleradas pela burguesia em seus momentos de fragilidade. Os membros do PC não devem tomar parte nesses governos.
Em certas situações o terceiro e quarto tipos de governo operário podem ser compostos pelos comunistas, após análise cuidadosa e devem ser encarados sempre como pontos de apoio para a construção junto ao proletariado, ganhando a base dos reformistas.
Colocados os elementos que constituem as práticas da frente única, listamos a seguir algumas das principais conceituações e possíveis desdobramentos apontados pela IC que nos ajudam e orientam no desenvolvimento da tática de frente única hoje:
– O conceito de unidade proletária: “Por unidade proletária é preciso entender a unidade de todos os trabalhadores desejosos de combater o capitalismo, incluídos, portanto, os anarquistas e os sindicalistas.”
– A ofensiva do capital suscita às massas proletárias a necessidade da unidade. Contudo, os reformistas tentarão acabar com essa unidade assim que perceberem a radicalização das massas e seu direcionamento à linha revolucionária. Isso deve ser denunciado de pronto.
– Apesar de já anteciparmos as traições dos reformistas, o ônus da divisão e da traição deve recair sobre os reformistas. Os comunistas trabalharão pela unidade em torno da política acertada, que dialoga com a maioria da classe trabalhadora.
– “A bandeira de unidade política e econômica da frente proletária contra a burguesia é o melhor meio de acabar com as manobras divisionistas.”
– Devemos conquistar as massas proletárias “apolíticas”, chamando todos, inclusive os mais traidores reformistas, às ações unitárias nas greves e em qualquer ação de resistência proletária. As recusas e os vacilos destes elementos perante toda a categoria servirão para desmascará-los de pronto.
– A unidade proposta é nas ações, mantendo sempre a liberdade de agitação e propaganda dos marxistas para se expressarem politicamente.
c) Os comunistas e o movimento sindical
A IC constata um alto grau de desfiliação dos sindicatos, causado em especial pela política paralisante e traidora dos reformistas, incapazes de levar adiante a luta proletária em direção à superação do capitalismo. Nesse contexto os anarquistas, defendendo a contrarrevolucionária tese da neutralidade sindical, manifestam-se hostis aos comunistas, provocando inclusive cisões. A IC considera essa doutrina puramente burguesa: “A burguesia sempre tende a separar política da economia, compreendendo perfeitamente que se inserir na classe operária no campo corporativo, nenhum perigo ameaça a sua hegemonia.”
Neste contexto, os anarcosindicalistas e reformistas se uniram contra os comunistas, em defesa da “neutralidade”, capitulando perante a burguesia. Entendemos que a IC estava absolutamente correta em repudiar essas teses. Os sindicatos devem sim ter posição política. Assim, defendemos que não sejam neutros, mas organismos de combate pela revolução proletária e para ajudar a pôr fim no capitalismo.
d) Sobre a questão negra
A IC reconhece o papel criminoso em especial da sociedade capitalista contra o povo negro dos EUA, América do Sul e África, analisa suas condições históricas de opressão e coloca que a raiz de seu problema é a mesma da opressão de todos os povos, a propriedade privada dos meios de produção. Para isso, a unidade de todos contra o capitalismo, independentemente da cor da pele, é essencial para nos emanciparmos em conjunto e superarmos a sociedade capitalista.
Considerações finais
Esse breve texto obviamente não reflete a riqueza das resoluções dos quatro primeiros congressos da IC. Contudo, esperamos que sirva para provocar aos leitores, em especial militantes, a necessidade de estudar mais e se aprofundar quanto às táticas e métodos políticos marxistas, leninistas e trotskystas de luta contra esse sistema podre no qual estamos inseridos. Nos organizar para derrotar o capitalismo é nossa única saída e os convidamos a se organizarem com a Esquerda Marxista nesta batalha. Como disse uma velha revolucionária, a questão é: “Socialismo ou Barbárie”! E somente a juventude e a classe trabalhadora podem construir esse novo mundo engajado na luta e embasado pela perspectiva marxista de ação política.