Foto: Jeso Carneiro, Flickr

Macron vence eleições francesas, mas Júpiter tem pés de barro

A reeleição de Emmanuel Macron marca uma nova etapa na crise do capitalismo francês. No segundo turno, levando em conta as abstenções e os votos em branco ou nulos, o “presidente jupiteriano”1 conquistou os votos de apenas 38,5% dos eleitores registrados. São 5% e 2 milhões de votos a menos do que em 2017. Além disso, quase metade de seus 18,8 milhões de eleitores não confiam absolutamente nele. Ao todo, Macron venceu em meio a um mar de amargura, desconfiança e ódio. São essas condições de tensão social e ódio de classe que dão origem às revoluções.

Marine Le Pen foi claramente derrotada, mas recebeu 2,7 milhões de votos a mais que em 2017. A rotina de organizar uma “barreira contra a extrema direita” chegou ao seu limite. Todo mundo já viu essa música antiga tocar. Consiste em “normalizar” o Rali Nacional ao longo de anos, fazendo com que se convide aos seus representantes em todas as plataformas televisivas, transmitindo todas as suas ideias reacionárias – para se descobrir subitamente, entre os dois turnos, intenções ditatoriais secretas, à luz das quais estamos convocados a votar pela Democracia, pela República, pela Liberdade, Igualdade, Fraternidade: por Emmanuel Macron.

Infelizmente, como em 2017, este lamentável espetáculo foi entusiasticamente apoiado pela maioria das lideranças da esquerda e do movimento sindical, sob o pretexto de uma “frente republicana” contra a extrema direita. Esta última certamente foi derrotada nas eleições, mas emerge politicamente fortalecida.

As eleições parlamentares

A partir de agora e até as eleições parlamentares de 12 e 19 de junho, Macron tentará esconder a extensão de seu programa reacionário. Em 2017, ele ganhou uma clara maioria de assentos na Assembleia Nacional. É possível que ele tenha êxito novamente. Isso vai depender de uma série de fatores, inclusive do grau de mobilização do eleitorado de esquerda. Em junho de 2017, este último foi massivamente desmobilizado.

Jean-Luc Mélenchon anunciou que visava a vitória da recém “ampliada” União Popular, UP [com a adição do Novo Partido Anticapitalista, NPA] em 19 de junho, e se tornar primeiro-ministro, com Macron sendo obrigado a nomeá-lo se a UP obtiver a maioria. Nas próximas oito semanas, dezenas de milhares de ativistas e simpatizantes da França Insubmissa (FI) trabalharão para esse objetivo. A Révolution, seção francesa da Corrente Marxista Internacional (CMI), está pedindo um compromisso com esta campanha, para eleger o maior número possível de deputados da FI. Dito isso, é preciso encarar os fatos: uma vitória da União Popular pressupõe uma ampliação muito clara da dinâmica que levou Mélenchon a 22% dos votos em 10 de abril – exatamente o contrário do que aconteceu nas eleições legislativas de 2017, marcadas por uma abstenção recorde (51,3%). Uma vitória da União Popular, portanto, parece improvável. Por outro lado, é bem possível que a FI ganhe dezenas de cadeiras adicionais, o que fortaleceria sua posição nas próximas lutas contra as políticas reacionárias do governo.

Desagregação social e crise econômica

Na noite de sua reeleição, Macron formulou a primeira mentira descarada de seu novo mandato: “Esta nova era não será a continuidade do quinquênio que se encerra, mas a invenção coletiva de um método refundado para cinco melhores anos ao serviço do nosso país, da nossa juventude”. Esta declaração visa adormecer o eleitorado popular no limiar das eleições parlamentares. Na realidade, Macron continuará a intensificar a destruição de nossos ganhos sociais. Todas as suas políticas permanecerão subordinadas aos interesses do punhado de capitalistas ricos que possuem as principais alavancas da economia.

Em sua corrida assanhada por lucros, a classe dominante francesa exigirá a destruição do seguro de saúde, do seguro-desemprego e do nosso sistema de pensões, a redução do “custo do trabalho” (ou seja, dos salários líquidos e das contribuições dos empregadores), o “condicionamento” da Revenu de Solidarité Active (RSA)2, a pilhagem do serviço público, os cortes drásticos nos gastos sociais, a privatização de tudo o que pode ser vendido com lucro – e, claro, dezenas de bilhões de euros em subsídios às empresas para “defender a sua competitividade”, dos quais dezenas de milhares de milhões vão diretamente, todos os anos, para o aumento dos dividendos pagos aos acionistas dos grandes grupos capitalistas.

Todas as condições para uma explosão social contra Macron estão colocadas na França / Foto: Olivier Ortelpa, Flickr
[divide]Macron conseguirá implementar essa política? Tudo vai depender da resistência que nossa classe levantar contra ele. Uma coisa é certa: desta vez, o chefe de Estado não se beneficiará de nenhuma benevolência. Desde o início, ele enfrentará a hostilidade unificada de uma grande maioria de jovens e trabalhadores, cuja experiência foi enriquecida pelas lutas dos últimos cinco anos. Além disso, Macron não poderá contar com uma situação econômica favorável. A crise e seu impacto social alimentarão o fogo da raiva e da revolta.

A inflação, em particular, será uma parte central da equação social. A maioria dos economistas burgueses foi forçada a reconhecer que o aumento dos preços não é um fenômeno passageiro. Em vez disso, o processo está se acelerando. Em março, a inflação atingiu 8,5% nos EUA (um recorde desde dezembro de 1981), 7,5% na zona do euro (sem precedentes) e 4,5% na França (um recorde desde dezembro de 1985). O aumento dos “preços ao produtor” – que acabam se refletindo nos preços dos bens de uso diário – também está atingindo novos máximos: +22,4% em fevereiro na França, o que é sem precedentes. Os preços das commodities – particularmente os preços dos alimentos – estão subindo, ameaçando dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo com a fome e pesando sobre o poder de compra das famílias nos países avançados. Finalmente, a queda do euro está tornando os bens importados mais caros.

Neste contexto, ao qual podemos acrescentar a guerra na Ucrânia, as perspectivas de crescimento são constantemente revistas para baixo, na França e em outros lugares. A imprensa burguesa teme o retorno de um fenômeno que marcou os anos 1970: a “estagflação”, ou seja, a combinação de estagnação econômica e alta inflação. A economia francesa, com sua dívida pública de 113% em relação ao PIB e enormes déficits comerciais, seria duramente atingida por esse cenário.

Um problema a ser resolvido

A inflação vai estimular as greves por aumentos salariais. Em geral, a combinação dos efeitos sociais da crise e de uma política de contrarreformas abrirá uma nova – e explosiva – fase na vida política e social da França.

Dito isso, temos que enfrentá-lo: os melhores aliados de Macron nos últimos cinco anos foram os líderes oficiais do movimento operário e, em particular, os líderes sindicais. Eles foram incapazes de aproveitar a crescente raiva das massas para organizar uma luta séria contra as políticas do governo. Eles viram o movimento dos Coletes Amarelos passar e não agiram. Levaram-nos de um inútil “dia de ação” a outro à total indiferença do governo, que não recuou e nunca recuará diante de meros “dias de ação”, por maiores que sejam. Se há uma lição a tirar das mobilizações mais recentes, é esta: para derrotar o governo, teremos de preparar e organizar cuidadosamente, durante um longo período de tempo, um movimento de greves abertas que abarque um número crescente de setores-chave da economia, ou seja, teremos que paralisar o país.

Nossos inimigos de classe, liderados por Macron, têm muitos defeitos, mas uma coisa é certa: eles estão firmemente determinados a colocar todo o peso da crise em nossos ombros. Infelizmente, nossos líderes oficiais de classe não estão nem de longe tão determinados a defender nossos direitos e condições de trabalho, muito menos a se envolver em uma luta decisiva contra o capitalismo. A verdade é que eles se adaptaram a esse sistema. Eles não imaginam, nem por um momento – mesmo em seus sonhos – que ele pode ser substituído por outro sistema econômico e social, no qual os trabalhadores dirijam a economia em benefício da maioria. Este é o cerne da questão. E enquanto esse problema não for resolvido, nossa classe não deixará de enfrentá-lo.

Notas:

1 Emmanuel Macron foi apelidado ironicamente de Júpiter, o rei dos deuses na mitologia romana. Na mitologia grega seu nome é Zeus.

2 A forma francesa de benefício social no trabalho.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM