Toda a imprensa alardeia que a área técnica do governo federal formulou (ou seja, organizou e redigiu) um pacote de medida estruturais para garantir o Arcabouço Fiscal. Lembrando, esse nome pomposo foi a forma encontrada por Haddad e defendida por Lula para substituir o impopular Teto de Gastos por um novo teto de gastos mais empolado, mais complicado de calcular, mas com o mesmo objetivo e consequências: limitar os gastos do governo.
Afinal, o que são os gastos do governo? Existem dois tipos: os que beneficiam a burguesia e os que beneficiam o proletariado:
Gastos governamentais burgueses:
Rubrica | Valor anual previsto |
Juros da Dívida Pública | R$ 1 trilhão |
Gastos com refinanciamento da dívida | R$ 1,45 trilhão |
Financiamento ao agronegócio | R$ 450 bilhões |
Isenções fiscais | R$ 500 bilhões |
Total aproximado | R$ 3,4 trilhões |
Gastos governamentais para o proletariado:
Rubrica | Valor anual previsto |
Previdência Social e Assistência Social | R$ 1,5 trilhão |
Saúde | R$ 154 bilhões |
Educação, cultura… | R$ 112 bilhões |
Total aproximado | R$ 1,3 trilhão |
Estes dados, extraídos do Banco Central e do Portal da Transparência, mostram que em relação ao orçamento total os gastos com a burguesia são quase três vezes maiores que os gastos com o proletariado.
Os que acompanharam as notícias sobre a Reforma Tributária talvez tenham se surpreendido com a reação dos bancos que aceitaram um aumento de impostos sobre os seus rendimentos. Mas isso tem dois motivos: O fim de impostos como PIS e Cofins reduz brutalmente seus impostos, além do que a maior parte dos impostos arrecadados volta para os bancos (do total de R$ 5,5 trilhões do orçamento, quase metade, R$ 2,45 trilhões são de pagamentos de juros e refinanciamento da dívida). Assim, por que brigar quando o dinheiro sai por uma porta e volta pela outra?
Mas, na hora dos cortes, alguém pensa em cortar o pagamento dos juros? Ou reduzir os gastos com financiamento da dívida? Ou talvez anular toda a dívida ilegítima? Ou, como propõem os comunistas, estatizar os bancos e anular toda a dívida pública atual? Estas soluções passam longe tanto dos partidos burgueses (o que é obvio) quanto dos partidos reformistas que há muito deixaram de combater pelo direito dos trabalhadores e do proletariado em geral.
Os gastos com a burguesia são imensos e damos alguns dados, desdobrando o quadro acima:
Só o agronegócio, por exemplo, recebe de financiamento governamental R$ 450 bilhões, além de isenções fiscais que só da soja chegam a R$ 30 bilhões. A indústria petrolífera recebe em torno de R$ 32, R$ 35 bilhões de isenção fiscal, a indústria de automóveis recebe aproximadamente R$ 15 bilhões de isenção fiscal nacional (não contando as estaduais e municipais), as empresas de aviação aérea (TAM, Gol, Azul), R$ 3,5 bi, as companhias de eletricidade, R$ 6,5 bi, as eletrônicas (Samsung e LG), R$ 4 bi e a lista continua.
É interessante ver que empresas estrangeiras de eletrônicos, elétricas, montadoras de automóveis, produtores de insumos e máquinas agrícolas, todas multinacionais com sede em outros países, absorvem a maior parte dos subsídios. As mineradoras são um capítulo à parte, porque a Vale (maior empresa de mineração do mundo, cujo capital não é mais nacional) recebe sozinha R$ 19 bilhões de subsídio, apesar de causar desastres ambientais como o de Brumadinho. A Petrobras, controlada pelo governo, mas com o maior percentual de capital privado, recebe de subsídios R$ 29 bilhões, que é exatamente metade do valor que ela pagou de dividendos, ou seja, de lucros para os seus investidores.
E na hora de “cortar gastos” qual a grande disputa que existe no governo? Entre o que propõe cortes estruturais (como no BPC, na assistência social em geral, no seguro-desemprego etc.) e os que propõem cortes “de ajuste”, como verificar a legalidade ou não de cada recebedor de bolsa família. A existência dos programas ditos “focalizados” como Bolsa Família sempre permite este tipo de “pente fino” no qual o proletariado mais explorado sempre sai perdendo e os verdadeiros fraudadores (um percentual mínimo) sabem muito bem esconder seus malfeitos.
A questão é: Por que não se começa cortando os gastos com a burguesia? Além da dívida e dos juros, por que o argumento sempre é de economizar para não aumentar o endividamento? Existe uma “gordura” imensa para cortar nas empresas e na burguesia, como a não taxação de dividendos, os subsídios ao agronegócio, os subsídios às empresas automobilísticas, às empresas petrolíferas… apenas cortando os subsídios das empresas petrolíferas e de mineração (sem tocar no agronegócio!), daria muito mais do que o valor que o “mercado” exige, algo em torno de R$ 50 bilhões! O governo vai anunciar certamente um corte bem maior para poder negociar emendas com o Congresso e dar uma aparência de vitória para os reformistas “inconformados”.
Todos juntos contra o pacote de Lula/Haddad
Vários intelectuais, ativistas sociais, sindicatos e correntes políticas lançaram um “Manifesto Contra o Pacote Antipopular”. Nós saudamos esta iniciativa que propõe ao final:
“Por isso, convocamos todos e todas — trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos, partidos, organizações da sociedade civil (OSCs) e todos os cidadãos comprometidos com a defesa dos direitos sociais e com a democracia — a se mobilizarem contra esse Pacote Antipopular. Não podemos permitir que direitos conquistados ao longo de décadas sejam destruídos por políticas de austeridade que apenas aprofundam a desigualdade e a exclusão. O momento exige resistência, organização e luta. Precisamos proteger a saúde, a educação, a previdência e, acima de tudo, a dignidade da classe trabalhadora.”
Entre parlamentares do PSOL que assinam e impulsionaram este manifesto, estão os companheiros do MES (Movimento Esquerda Socialista) que propõe a realização de plenárias e assembléias para organizar a luta contra o pacote. Estamos de acordo com esta perspectiva. Por outro lado, se estamos juntos na luta contra o pacote, não podemos nos furtar de fazer a crítica devida e por isso não nos somamos à assinatura de um manifesto que carrega uma boa dose de ilusão no governo Lula como se mostra nos trechos a seguir:
“Nós, em contraste, defendemos que o Novo Arcabouço Fiscal seja alterado ou revogado para que os direitos sociais não apenas sejam preservados, mas também expandidos…
A narrativa de crise fiscal é uma construção falaciosa. O verdadeiro problema não é a falta de recursos, mas a escolha de onde e como aplicá-los. A expansão fiscal promovida em 2023 e 2024 pelo governo Lula, possibilitada pela PEC de Transição, demonstrou que políticas fiscais expansivas podem impulsionar o crescimento econômico e reduzir o desemprego, sem causar descontrole inflacionário. Essa expansão fiscal abriu espaço para investimentos em infraestrutura, saúde e programas sociais, provando que a austeridade não é a única opção viável.” (trechos do manifesto)
O problema desses companheiros é que eles carregam uma ilusão que talvez seja possível alterar o Arcabouço Fiscal (que, em última análise, é uma ilusão que este governo tenha um mínimo de compromisso com os trabalhadores e o proletariado) e, além disso, que os quase dois anos de governo Lula beneficiaram a população! Sim, a derrota de Bolsonaro foi uma vitória para o proletariado, mas a vitória de Lula não significou uma mudança real na política de ataques à classe trabalhadora e submissão aos interesses do capital. Lula não mudou uma linha sequer nas reformas trabalhistas e previdenciárias aprovadas por Temer e Bolsonaro, sem falar que ele foi o grande iniciador dessas reformas com a sua Reforma da Previdência de 2003 que retirou a maioria dos direitos previdenciários dos servidores!
Assim, não é à toa que o PT e PSOL saíram-se tão mal nas eleições, com o PSOL perdendo a única prefeitura de capital que dispunha (Belém/PA), a coligação PSOL/PT perdendo a prefeitura de São Paulo. Realmente, muito aquém do que se esperaria do partido governante. Não é à toa que em um país onde o voto é obrigatório, a soma de ausentes, votos nulos e abstenções chegam a quase 40% do eleitorado (comparável às ausências nos EUA, onde o voto não é obrigatório!). Sim, a política de Lula e do seu governo de “união nacional” foi duramente castigada nas urnas este ano. E o novo pacote, aumentando os ataques à classe trabalhadora que nada ganhou nestes quase dois anos de governo Lula, tende a votar, na falta de alternativas, em aventureiros como Pablo Marçal!
Nesta situação dramática, nós nos juntamos a todos os que querem lutar contra o pacote e propomos que seja submetida a assembleias e reuniões de diretorias de sindicatos e associações estudantis e proletárias (como associações de bairro e outras) a seguinte moção:
Nós, da (nome da entidade), reunidos em (assembleia, plenária, congresso, diretoria etc.) nos posicionamos contra o pacote de medidas de cortes de benefícios sociais e trabalhistas (na saúde, na educação e na assistência social) em discussão no governo, nos jornais e no Congresso e nos dirigimos aos partidos que reivindicam representar a classe trabalhadora, à CUT, à UNE, às federações e confederações de trabalhadores a organizarem uma campanha contra este pacote, com atos, greves, manifestações, assembleias e plenárias que mobilizem os trabalhadores e o povo para barrar mais este ataque.