Os maoístas nepaleses e a questão do poder

Prachanda oferece uma alternativa? O que representa o Partido Maoísta no poder hoje?

As recentes declarações de Prachanda, Bhattarai e outros líderes maoístas nepaleses, deixaram suficientemente claro que pretendia “tomar o poder” no Nepal colaborando aberta e diretamente com os capitalistas, não se opondo a eles. A teoria e prática aplicadas pelos líderes do maoísmo nepalês revelam incondicionalmente a essência de seu programa denominado “nova democracia”. Não é outra coisa senão um projeto nu de democracia burguesa.

Em um artigo recente de Laxman Pant, responsável de Assuntos Exteriores do Partido Comunista do Nepal (maoísta), publicado em 21 de setembro com o título: “Queda da dinastia Koirala”, representa o levantamento da outra cortina do programa maoísta no Nepal e precipita a essência do coquetel enganoso da presumida “nova democracia”. O artigo afirma, sem nenhum tipo de ambigüidade, que o atual regime político nepalês é a ditadura de duas classes, a burguesia e o proletariado:

“O novo governo maoísta de nosso país também é diferente no sentido de que se baseia na ditadura conjunta tanto da classe proletária como da burguesia. Não existe referência alguma a este tipo de ditadura conjunta em nenhuma das teses marxistas, segundo as mesmas, o princípio da ditadura conjunta de duas classes antagônicas no Estado é impossível. Entretanto, a experiência do Nepal demonstrou outra coisa. A base filosófica e teórica da experiência e experimento nepalês terá que se sintetizar no futuro. A história pôs a responsabilidade de justificar a ditadura dual do Estado sobre os ombros dos maoístas do século XXI.”

Desta forma o companheiro Laxman Pant, com poucas frases, Jogou por água abaixo a experiência de cento e cinqüenta anos de luta de classes. O que demonstra a teoria marxista e a experiência da classe operária é que não é possível reconciliar os interesses do proletariado com os da burguesia.

O Futuro da revolução nepalesa em perigo

Como explicamos em outros artigos, Prachanda uma vez no poder, os líderes maoístas nepaleses têm que escolher que interesses vão servir. Os primeiros passos do governo foram na direção de sacrificar as aspirações das massas quando estas entram em conflito com a necessidade do desenvolvimento capitalista nacional. Se os dirigentes maoístas nepaleses não renunciam ao “caminho Prachanda”, inevitavelmente colocarão em risco o futuro da revolução nepalesa.

Este programa de colaboração entre classes hostis, apresentado sob a bandeira da “nova democracia” no Nepal, é totalmente reacionário e representa uma traição aberta das aspirações da população. Com o pretexto das peculiaridades nacionais do Nepal, se preparou uma trilha de desenvolvimento capitalista desenfreado em nome do “caminho Prachanda”, que expressa seu apoio aos capitalistas locais e internacionais. Seguindo este caminho, a direção maoísta está se comportando como a agência dos interesses capitalistas, equipados com uma ordem do dia de conciliação de classes para garantir o desenvolvimento do Nepal por um caminho capitalista. Esta situação inevitavelmente abrirá divisões dentro do partido maoísta e inclusive em determinado momento suporá um conflito entre o governo e as massas.

A desgraça dos líderes maoístas é que suas idéias foram superadas pela história. A hoje chamada “burguesia nacional” não é outra coisa que a agência nacional do capitalismo mundial. A “revolução nacional” no Nepal, que se desenvolve no mundo do século XXI, não pode dar um passo mais adiante, nem sequer uma polegada, aliada com a burguesia. A consigna falsa e irrealizável de uma ditadura combinada da “burguesia e proletariado” não é outra coisa que a proclamação do domínio da burguesia, uma traição completa da revolução.

A burguesia no Nepal, entre o imperialismo por um lado e a reação local por outro, se encontra em uma situação onde não se pode admitir se mover contra nenhum dos dois setores. Nestas condições de paralisia política, que tem durado mais de meio século, a burguesia nepalesa só poderia aspirar a tomar o poder como agência do capitalismo mundial, enquanto ao mesmo tempo adapta à reação local. Depois de render a luta, a luta armada que durante mais de meio século levou a cabo a direção do Congresso Nepalês, não tinham outra alternativa senão abandonar e intensificar a integração do Nepal no capitalismo mundial, porque sua sobrevivência e existência dependem deles. Esta situação debilitou a burguesia nacional.

O poder ainda está nas mãos do aparato do Estado burguês

Como demonstrou a história, sua maior “conquista”, os frutos de suas lutas pouco entusiastas, como a introdução de uma constituição e um parlamento, não tinham nenhuma importância real, porque prontamente se encontravam sob o jugo da monarquia. Enquanto o rei ostentava o poder real e controlava o Exército Real Nepalês, a burguesia nepalesa continuava como simples oposição parlamentaria ao regime, imbuída da tarefa histórica de evitar a sublevação da população contra o regime “constitucional” da monarquia. O parlamento segue sendo um “clube de discussão” à mercê da monarquia.

Durante todo este período, mais de meio século, os partidos stalinistas, inclusive desde a época do partido comunista unificado, tentaram se constituir como a ala de esquerda democrática desta democracia burguesa. Como não conseguiam avançar por meios parlamentares, recorreram às armas em nome do caminho maoísta, só para fechar o círculo e regressar uma década mais tarde a suas posições de apoio à democracia burguesa.

A história, entretanto, e especialmente na arena mundial, continuou avançando. A economia do Nepal, durante algum tempo, se integrou bem no mercado mundial. As formas pré-capitalistas de produção, ainda que estendidas sobretudo nas zonas rurais, se subordinaram à economia capitalista.

A adaptação da monarquia ao capitalismo funcionou perfeitamente durante um período de décadas, o resultado foi o monopólio da família real de todas as empresas significativas do Nepal. Enquanto isso, o regime político ficava obsoleto, incompatível e caduco para o contexto mundial no qual existia o Nepal moderno. Não obstante, segundo a percepção dos dirigentes maoístas, o Nepal seguia sendo uma economia feudal onde a luta contra a monarquia se poderia levar a cabo em colaboração com a burguesia nacional, e a única saída para eles, o “caminho Prachanda”, era a “Nova Democracia”, é dizer, a ditadura combinada do proletariado e os capitalistas! O problema é que enquanto prestam um fraco serviço ao proletariado, para os líderes maoístas a burguesia nepalesa é a força revolucionária enquanto a classe operária não é uma entidade!

Como a burguesia não estava em situação de desalojar a monarquia, a tarefa de levar a cabo a revolução democrática recaia essencialmente sobre a classe operária, que em muito pequeno número se concentrava principalmente nos arredores de Katmandú. Mas os partidos stalinista e maoísta, derivando sua falsa legitimidade das potências “socialistas” russa e chinesa, jogaram um papel significativo para impedir que a classe operária fosse consciente da necessidade de se organizar e atuar de maneira independente como uma classe, com uma orientação socialista à revolução proletária. Isto era uma necessidade desesperada para consolidar politicamente à pequena classe operária que poderia haver dirigido a revolução democrática com o apoio do enorme campesinato pobre, dirigindo as massas tanto contra a monarquia e a burguesia, para avançar nas tarefas socialistas.

Os stalinistas, e depois os maoístas, se opuseram a esta perspectiva com o pretexto errôneo de que o proletariado no Nepal não era capaz de impor sua hegemonia sobre a revolução democrática, nem tomar o poder, porque era um número muito pequeno. Assumiram equivocadamente que o proletariado não poderia dirigir a revolução agrária como ponto central da revolta democrática no Nepal. Os “comunistas” de todos os lados e bandeiras no Nepal, stalinistas ou maoístas, nunca se orientaram à classe operária. Igual aos Narodniks (os populistas russos da década dos anos 60 e 70 do século XIX, que consideravam o campesinato pobre como a única classe revolucionária), eles seguiram se orientando aos camponeses rurais e os partidos comunistas do Nepal que, naturalmente, haviam surgido do campesinato rural e tinham uma perspectiva camponesa.

Entretanto, o decisivo fracasso da burguesia na hora de realizar uma luta revolucionária exitosa demonstrou ser uma dádiva disfarçada para os partidos stalinista e maoísta do Nepal. Dada a ausência de um partido revolucionário da classe operária, estes puderam com êxito levar o vazio político deixado pelas forças burguesas impotentes e sair como a ala de esquerda da democracia burguesa.

Estes partidos comunistas aproveitaram a oportunidade para se apresentarem com êxito como os precursores das aspirações populares, principalmente dos camponeses. Tomaram para si a tarefa de por em prática o projeto de democracia burguesa no Nepal. Em nome do “caminho Prachanda” desenvolveram um programa para levar o Nepal ao caminho capitalista, ao que denominaram “nova democracia”. Como demonstraram todos os últimos acontecimentos, este programa não é outra coisa senão um projeto de regime capitalista no Nepal, uma manifestação política da colaboração com os inimigos da classe dos trabalhadores.

O que foi conquistado pelo “caminho Prachanda” é que na prática abraçou as doutrinas equivocadas plantadas por Stálin e Mao, baseada na ditadura combinada de várias classes. Ainda que a história tenha mais que repudiado estas doutrinas e demonstrado que só uma classe pode impor a “ditadura”, seja a burguesia e o proletariado, e as classes intermediárias estão destinadas a seguir a uma ou outra. Mas os stalinistas – e mais tarde os maoístas – no Nepal utilizaram esta fórmula refutada historicamente da ditadura de várias classes como uma desculpa para se sentarem no regaço de sua burguesia nacional e seus partidos.

Os mencheviques acreditavam que a luta para conseguir as tarefas burguesas da revolução democrática, como a reforma agrária, a destruição da autarquia czarista, plenos direitos democráticos, etc., deveria ser dirigida pela burguesia liberal. Lenin, que estava de acordo com eles no ponto de que a Rússia enfrentava uma revolução onde as principais tarefas tinham um caráter democrático burguês, defendeu inflexivelmente a idéia de que a burguesia liberal era incapaz e não estava disposta a dirigir a revolução, portanto as tarefas da revolução democrática recaíam sobre o proletariado e a luta se poderia ganhar somente se o proletariado conseguisse forjar uma aliança revolucionária com o campesinato pobre. O erro da fórmula menchevique, de colaboração com a burguesia liberal na revolução democrática, os levou inexoravelmente ao campo da contra-revolução quando as condições para a revolução de outubro amadureceram.

Lições da Revolução Russa

O Outubro russo e todas as demais revoluções desde então, demonstram que a burguesia na época moderna é incapaz e não está disposta a levar a cabo as tarefas da revolução democrática. A burguesia tem muito mais em comum com outros setores da elite dominante e o imperialismo que o interesse que compartilha com os trabalhadores e as massas pobres que impulsionam a revolução adiante. Inevitavelmente as tarefas da revolução democrática tendem a recair sobre o proletariado.

Mas uma vez que a classe operária se mobilizou e conseguiu derrotar a elite governante e esmagar a velha ordem por meios revolucionários, em outras palavras, quando os trabalhadores têm a possibilidade de tomar o poder, não podem limitar a revolução a medidas puramente burguesas ao custo de fracassar miseravelmente em cumprir as necessidades das massas. Uma vez que o poder político está nas mãos dos trabalhadores, estes têm que implantar medidas sociais e neutralizar a resistência contra-revolucionária da classe capitalista, que está ao lado dos elementos mais reacionários da velha ordem. Em outras palavras, a revolução democrática transcende “permanentemente” em uma revolução socialista. O próprio Marx observou este feito quando tirou as lições da atitude da burguesia alemã em relação a revolução de 1848. A teoria da “revolução permanente” foi desenvolvida pelo co-líder da revolução russa junto a Lenin, Leon Trotsky, à luz da experiência da derrotada revolução de 1905. Os acontecimentos da revolução russa de 1917 confirmaram brilhantemente esta posição. Mas os erros da direção local do Partido Bolchevique, o partido mais revolucionário da história, demonstraram quão forte são as pressões das classes alheias sobre a direção da classe operária. Quando estalou a revolução de fevereiro, os líderes bolcheviques dentro da Rússia defenderam a postura equivocada de apoiar a burguesia liberal e o governo provisório.

Lenin repreendeu duramente aos velhos dirigentes bolcheviques, Stálin, Kamenev e outros, que em nome da “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses” apoiaram o governo provisório. Somente sua imensa autoridade sobre as fileiras bolcheviques lhes permitiram ganhar esta batalha e reorientar o partido ao caminho correto que levou ao triunfo de Outubro. Com suas Teses de Abril guiou os bolcheviques à tomada do poder. Para fazer isso tiveram que lutar para conquistar o proletariado e as massas frente ao governo burguês e criar as condições para que a classe operária tomasse o poder sob a direção do Partido Bolchevique e estabelecer a ditadura do proletariado. A orientação do partido se resumiu na famosa consigna: “Todo o poder aos sovietes!”. Nessa etapa Lenin compartilha claramente a mesma compreensão do processo revolucionário que Trotsky e abandonou a velha consigna propagandística da “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”. Esta velha formulação não se adequava às tarefas que requeriam desenvolvimento real da revolução, uma vez que a classe operária havia criado seu próprio instrumento democrático de governo, os sovietes, que incluíam os camponeses pobres e os soldados, e reunia sobre eles todas as camadas oprimidas da sociedade.

Desta maneira, os bolcheviques dirigidos por Lenin e Trotsky conseguiram derrotar o frágil regime burguês e os trabalhadores tomaram o poder na insurreição de outubro de 1917, através dos sovietes e seu partido revolucionário, os bolcheviques. O que se podia considerar um debate doutrinário tinha implicações muito sérias para as massas russas. Era uma questão literalmente de vida ou morte. De não haver conseguido tomar o poder, a alternativa à qual se enfrentavam os trabalhadores e as massas não era Kerenski, senão a reação czarista mais obscura de Kornilov, que havia destruído cada uma das conquistas da revolução e esmagado as massas revolucionárias sob o calcanhar de ferro da autocracia.

Como todos sabemos, a Revolução de Outubro na Rússia, um país predominantemente camponês, triunfou, mas só como a ditadura do proletariado. Os camponeses pobres majoritariamente deram as boas vindas, lutaram e apoiaram a revolução precisamente porque os sovietes, depois de quebrar a resistência da burguesia, puderam fazer o que Kerenski não podia nem queria fazer: deter a implicação russa na guerra imperialista, ocupar e distribuir a terra dos latifundiários aos camponeses pobres e iniciar uma verdadeira reforma agrária.

A suposta burguesia nacional “progressista”

De novo foi Stálin quem, depois do falecimento de Lenin, recuperou a idéia de forjar uma aliança com a suposta burguesia nacional “progressista”. Tirou esta idéia do cubo do lixo da história e aplicou à China, Espanha e outras partes. A derrota da revolução proletária de 1925-1927 na China e, mais tarde, a vitória de Franco na Espanha, foram os frutos desta idéia falaz.

Mao uma vez diluiu esta aliança e tentou enrolar a burguesia chinesa como sócia no “bloco das quatro classes”, mas a burguesia foi derrotada e fugiu do país junto a Chang Kai Shek, enquanto colapsava o Estado. O poder real estava nas mãos de Mao e os dirigentes comunistas através do exército guerrilheiro camponês. Ainda que tivessem a perspectiva de uma etapa prolongada de desenvolvimento capitalista para a China antes que o socialismo fosse possível, para consolidar seu poder, obrigados pelas circunstâncias, empreenderam a expropriação da burguesia e criaram uma economia planificada, um passo progressista, mas não era produto da ação consciente da classe operária na revolução. O exército camponês tomou o poder, sob uma direção stalinista, enquanto que a classe operária se mantinha passiva e se fosse necessário, inclusive, era reprimida. Devido a isso, o novo regime que surgiu da revolução chinesa esteve distorcido desde o princípio e assumiu um caráter burocrático, seguindo o modelo da União Soviética stalinista.

A burocracia maoísta que tomou o poder em 1949 sob a bandeira vermelha, prontamente se consolidou como uma casta privilegiada que se beneficiava de seu controle sobre a economia planificada. O crescimento sem precedentes das forças produtivas, graças à eliminação da propriedade privada e a planificação econômica, garantiu aos líderes da China “socialista” uma enorme autoridade ante as massas de todo o Sudeste Asiático e mais além. Mais tarde, o enfrentamento com a URSS gerou a ilusão de que o maoísmo era uma verdadeira força revolucionária, mas a burocracia chinesa demonstrou não ser diferente de sua homóloga russa, convertendo-se, cada vez mais, em um freio para a revolução. Uma vez mais a teoria das “duas etapas” se colocou para defender os interesses da burocracia que, sob Deng Xiao Ping, foi introduzindo “reformas” capitalistas na China e não queria que as revoluções operárias interferissem com sua petição de ajuda estrangeira e outros acordos com as potências imperialistas.

Os partidos estalinista-maoísta depois passaram da guerra de guerrilhas, baseada nas massas camponesas, à colaboração aberta com a burguesia.

No Nepal, Prachanda e companhia chegaram ao poder em colaboração com a burguesia através de meios pacíficos às costas da insurreição de abril de 2006. Os líderes maoístas, os portadores ilegítimos da bandeira vermelha da classe operária, assim que evitaram com que os camponeses chegassem para ajudar o proletariado e lhe ajudassem a tomar o poder na insurreição de abril de 2006. A insurreição de abril deixou a monarquia totalmente inútil e o rei, perplexo, restaurou o parlamento e a ordem burguesa.

A traição da insurreição de abril de 2006

A traição da insurreição de abril de 2006 e às costas das massas: os líderes maoístas em 16 de junho firmaram um acordo separado com o governo de Koirala e entraram no governo interino. Desta maneira não conseguiram derrubar a monarquia nem a burguesia. Isto também foi porque a classe operária não tinha um partido próprio e não podia atrair a força dos camponeses. Isto permaneceu sob o controle dos maoístas que deliberadamente impediram o assalto revolucionário das cidades, só para chegar ao poder mais tarde por métodos parlamentares com a colaboração da burguesia.

A vitória eleitoral de Prachanda em abril de 2008, que Laxman Pant qualifica como histórica, na realidade revelava as aspirações das massas de uma transformação revolucionária. Forçadas a voltar atrás desde o umbral da vitória, devido ao fato de que os dirigentes maoístas traíram a insurreição de abril de 2006, as massas, desde um nível mais débil, viram as eleições de 2008 como uma forma de dar seguimento às suas aspirações. Mas de nenhuma maneira deve ser entendido como um cheque em branco nas mãos de Prachanda.

O artigo de Laxman Pant não é um desvio dos objetivos dos dirigentes maoístas, senão uma confirmação de sua adaptação à burguesia nacional em nome do Caminho Prachanda. As peculiaridades do Nepal, distintas a outros países, são, para eles, a justificativa desta colaboração, fazendo-se eco do argumento universal dos stalinistas/maoístas utilizados para justificar seu desvio à revolução e opor-se à consignia da ditadura do proletariado. Os maoístas dizem que o Nepal não está maduro para a ditadura do proletariado, portanto, devemos unir nossas mãos com a burguesia! Esta foi a retórica dos mencheviques, os quais diziam que a Rússia não estava madura para a ditadura do proletariado e, desta maneira, a burguesia deveria tomar o poder. Igual aos mencheviques russos, os maoístas nepaleses acabaram tomando o poder (na realidade, o “cargo”, não o poder) em colaboração com a burguesia. Isto é exatamente o que quer dizer Laxman Pant com “ditadura conjunta da burguesia e o proletariado”.

Como agora sabemos, através de uma experiência histórica clara, não pode haver ditadura que não esteja baseada em uma única e definida classe. Não pode haver poder político, que não é uma ditadura de classe em essência, ainda que poderia assumir distintas e variadas formas. Sendo assim, qual é a essência real do poder no Nepal? Este poder, que pretende ser um poder revolucionário baseado na colaboração de classes hostis, na realidade é um poder burguês em preto e branco, consolidando-se dentro da casca de uma “ditadura conjunta” enganosa. O atraso do Nepal e a impotência da burguesia evitaram que esta tomasse o poder por si só. O partido maoísta avançou como seu aliado fiel para controlar o poder por ela, sob a bandeira vermelha.

Os maoístas no Nepal agora apresentam abertamente uma república democrática, ou seja, uma democracia burguesa e desde as alturas proclamam um paraíso capitalista no Nepal, baseado na coexistência de todas as classes sociais vivendo em harmonia. Esta é a essência do Caminho Prachanda e desta “nova democracia”. Toda a retórica contra o imperialismo intangível se converte em uma verdadeira ficção, no contexto de sua apreciada aliança com sua agência local, a burguesia nacional no Nepal. E quanto à reação local, o novo mantra é manter suas mãos fora. Depois de tudo, não é suficiente com a proclamação legal do fim da monarquia? Enviaram a coroa aos sótãos, Narathanhiti está desocupado e o Nepal é proclamado uma república! O que mais se pode pedir?

A eleição que os líderes maoístas têm diante de si

O problema a que se enfrentam os líderes maoístas é como vender seu novo projeto às massas, aos trabalhadores e camponeses. Como evitar que avancem pelo caminho da revolução e se apropriem dos direitos burgueses? Para fazer isso, os dirigentes maoístas terão que se balancear entre os trabalhadores e a propriedade burguesa, para salvaguardar a esta última do avanço da classe operária. Em resposta a uma pergunta que se fez em uma reunião organizada pela Câmara de Comércio e Indústria na China, Prachanda deixou às claras suas intenções. Quando lhe perguntaram como garantiria a segurança dos investimentos no Nepal frente a uma possível reação das massas rebeldes, Prachanda respondeu, sem vacilar, que seu governo garantiria a segurança dos investimentos capitalistas estrangeiros no Nepal. Há que ver como os guerrilheiros rebeldes de ontem deram um salto mortal e se converteram no “partido da ordem”! A normalidade deve ser restaurada a todo custo, a “nova democracia” deve se consolidar e, para isso, a revolução deve desaparecer da ordem do dia. Este é o caminho Prachanda.

O Nepal agora se encontra em uma situação política peculiar, uma espécie de limbo poítico. Por um lado, os maoístas abandonaram a luta armada e dissolveram seu exército rebelde, na tentativa de integrá-lo no aparato do Estado burguês. Por outro lado, é o maior partido da Assembléia Constituinte, mas sem a maioria suficiente para atuar por conta própria. Enquanto isso, o poder real continua dentro dos velhos centros de poder, selecionados entre o antigo Exército Real. Esta é a essência do que Laxman Pant nos apresenta no Nepal como uma vitória histórica sem precedentes do Caminho Prachanda!

Avanços revolucionários de um lado, inclusive as pequenas reformas permitidas dentro deste contexto, estão desaparecendo dos planos dos maoístas. O crescimento econômico pacífico, ou seja, o avanço capitalista da economia se converte no único objetivo. Lutam para atrair os investimentos do capital mundial para o Nepal e estão garantindo aos imperialistas que já não são os marxistas de velho estilo pelos quais devem preocupar-se, agora são “marxistas do século XXI”, pragmáticos. Os dirigentes maoístas na realidade estão lançando advertências cínicas para frustrar este progresso nacional que, segundo eles, é o projeto comum de todas as classes no Nepal.

O que mais a burguesia poderia querer? A burguesia está interessada no poder político para avançar seus próprios interesses de classe, sufocar a classe operária, evitar que a classe operária chegue ao poder e, em última instância, como um instrumento para proteger e reafirmar seu poder econômico. Se tudo isto se pode conseguir explorando a autoridade política dos líderes maoístas, ganha mediante a luta das massas sob a bandeira vermelha, contra a monarquia, especificamente no período no qual a burguesia se viu incapaz de cortejar as massas ou é muito débil para subjulgá-las, que mais necessita? Na realidade é muito adequado, se as massas se desiludem com os partidos burgueses, aí estão os stalinistas/maoístas com as bandeiras vermelhas em suas mãos!

Se Prachanda e os dirigentes maoístas podem prestar este serviço político, então a burguesia não pede nada mais! Mas a desgraça destes líderes maoístas é que estão se baseando na burguesia nacional do Nepal e em todos os países. Sua aliança com a burguesia chega muito tarde na história do Nepal, no sentido de ser capaz de empreender o caminho de desenvolvimento capitalista pacífico. Os interesses dos exploradores capitalistas e as massas nepalesas já estão em conflito. Que postura deveriam adotar os líderes maoístas diante deste conflito?

O governo encabeçado pelos maoístas no Nepal não tem intenção de fazer nada contra os interesses da burguesia e se mantém como a seguradora dos investimentos e propriedade burguesa no Nepal. Mas garantem contra quem? Contra o proletariado! Por sua mesma lógica, o poder maoísta está entre as pobres massas exploradas e a propriedade burguesa. De fato, supõe a classe operária em marcha-ré na revolução, utilizando o engano da bandeira vermelha tanto quanto seja possível. E, uma vez a população se desiludindo desta “ditadura conjunta”, sempre estará o aparato do Estado burguês preparado com suas armas.

Por isso lutaram as massas e o exército rebelde? Esta política prepara o caminho ao desastre ou à vitória? Apesar de tudo isto, o fermento revolucionário na sociedade ainda é poderoso. As massas só deram seu apoio a Prachanda porque acreditavam que prontamente chegariam a uma mudança decisiva. Se Prachanda se mover contra os interesses da burguesia e os imperialistas, então receberá o apoio varredor das massas. Se, pelo contrário, como desafortunadamente parece sua intenção, os dirigentes maoístas seguem o “Caminho Prachanda”, inevitavelmente chocarão com as aspirações das massas e aparecerão divisões inclusive dentro do próprio movimento maoísta. Nosso conselho aos revolucionários nepaleses que buscam uma saída a este dilema é que se orientem em direção a classe operária e sobre a tradição da insurreição de 2006 construam uma oposição àqueles que querem capitular ante a burguesia.

Segunda-feira, 17 Novembro 2008

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