Por toda a parte, a crise do capitalismo segue fazendo vítimas às dezenas de milhares. E não é apenas a pandemia do novo coronavírus , esse agente microscópico que apenas acelerou a chegada da esperada recessão, que está ceifando vidas humanas pelo mundo afora . A destruição maciça de forças produtivas significou, por toda a parte, a perda dos meios de sobrevivência de milhões de trabalhadores. Esta é uma causa mortis ainda mais frequente do que a Covid-19, com a diferença de que não assistimos nenhum comentarista burguês chorar lágrimas de crocodilo pelos que morrem de fome, frio e da violência imposta pela sociedade burguesa decadente.
Se é verdade que a crise econômica e a pandemia são problemas internacionais, é nas regiões economicamente atrasadas, dominadas pelo capital financeiro, que seus efeitos se manifestam de forma mais latente. Sendo uma das regiões do planeta aonde o imperialismo se faz mais presente, a América Latina se mostra um verdadeiro laboratório da barbárie capitalista. Governos completamente alinhados com a defesa dos lucros imediatos, a ponto de negarem a ciência defendida pelos mais racionais agentes do capital, sistemas de saúde fracos e dilapidados por anos de austeridade e um movimento operário cooptado e inoperante contribuem para tornar essa parte do mundo no exemplo mais bem acabado do que o capitalismo tem a oferecer à humanidade, agora e no futuro.
E mesmo no triste contexto latino-americano atual, o Peru se destaca pela situação trágica em que se encontra. Os números da pandemia e seus efeitos sobre a sociedade são particularmente alarmantes. O país andino, cuja população é de 33 milhões de pessoas, registra mais de 300 mil casos da doença, e esse número deve ser ainda maior, dada a enorme subnotificação causada pela falta de testes. Esses dados colocam o Peru como a quinta nação do mundo com mais casos oficiais registrados, a frente da maioria dos países europeus e atrás apenas do Brasil na América do Sul.
E assim como ocorre no seu vizinho de proporções continentais, o vírus é apenas um dos fatores no drama que acomete os trabalhadores e os jovens peruanos. O país andino é o que menos investe em saúde por habitante em toda a América Latina. Menos de 700 dólares são gastos com médicos e hospitais por pessoa no Peru. Diante de tamanha fragilidade, o sistema de saúde peruano entrou em colapso ainda mais rapidamente do que o da maioria dos demais países. A situação chegou a ficar tão crítica que as autoridades médicas do país chegaram a anunciar que pacientes com sintomas deveriam trazer seu próprio suprimento de oxigênio aos hospitais, pois estes já não teriam mais para acudir as vítimas.
Em meio à catástrofe de saúde pública, causada pela falta de investimentos adequados em saúde e tendo o coronavírus servido apenas como estopim, o governo de Lima se dedica a proteger os lucros da burguesia local e internacional, que já não conseguem mais ficar sem extrair a mais-valia do suor dos trabalhadores. No final do mês de junho , restaurantes, bares e até boates reabriram as portas após cem dias fechados, e mesmo após poucos dias de funcionamento, o aumento do número de casos tornou-se ainda mais pronunciado.
Diante de tamanhos riscos impostos pela sanha do capital de retomar a “normalidade”, ou seja, a exploração cotidiana e implacável do proletariado, os trabalhadores peruanos se encontram absolutamente indefesos. O movimento operário local se encontra em um estado de absoluta fraqueza, não encontrando representação em quaisquer partidos políticos e nem mesmo uma organização sindical a nível nacional. Assim como em todos os outros países, o grande problema enfrentado pela classe trabalhadora é a cooptação e a consequente inércia de seus dirigentes, em particular no movimento sindical.
No Peru, este problema ganha contornos ainda mais dramáticos, que contribuem diretamente para o cenário particularmente desastroso que tomou conta do país. Para compreender as origens do problema e apontar a direção certa a seguir para resolvê-lo, a Esquerda Marxista dará início a uma série de artigos que investigarão as raízes históricas da fraqueza do movimento operário peruano, passando por um estudo da formação da sociedade peruana desde os tempos coloniais até os dias de hoje, com o objetivo de compreender a formação histórica da classe operária e o desenvolvimento de suas direções.