“Rafah está queimando”: civis massacrados pelos bombardeios das FDI ao campo de refugiados

Milhões de pessoas em todo o mundo ficaram horrorizadas na segunda-feira (27/05), depois que um ataque aéreo das FDI destruiu um acampamento para civis deslocados em Rafah, matando pelo menos 45 pessoas. As redes sociais estão repletas de imagens de homens, mulheres e crianças carbonizados e desmembrados, assassinados enquanto dormiam. Lênin escreveu certa vez que o capitalismo é um horror sem fim: em Gaza, essas palavras estão sendo pronunciadas nas linguagens do fogo e do sangue para todo o mundo ver.

Como informamos nas semanas anteriores, a cidade de Rafah, no sul, deveria ser um refúgio para os palestinos deslocados pela guerra implacável de Israel na Faixa de Gaza, que já reduziu a cidade de Gaza a escombros, além de matar e mutilar pelo menos 100 mil pessoas. Mas o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, há muito que ameaça uma invasão da cidade de Rafah, alegando que isso é necessário para se alcançar o objetivo de guerra de Israel de destruição do Hamas.

Apesar de ter prevaricado durante semanas e ter sido pressionado pelos aliados de Israel no Ocidente para não prosseguir com a operação (devemos acrescentar, não por preocupação com os palestinos, mas por receio de que a situação ficasse fora de controle), esta começou há três semanas, com Israel tomando o ponto de passagem para o Egito. Desde então, a cidade tem sido alvo de pesados bombardeios aéreos e agora já chegaram tanques ao seu centro.

Um milhão de palestinos fugiram de Rafah nas últimas três semanas, depois de expulsos de um lugar para outro várias vezes nos últimos sete meses. E para onde essas pessoas desesperadas poderiam ir agora? Tudo o que as espera mais ao norte são destroços bombardeados, munições não detonadas e nenhuma infraestrutura básica como saneamento, água e instalações médicas. A ajuda foi reduzida a quase nada e a fome galopa.

Aqueles que permanecem em Rafah não podem fugir para o Egito, uma vez que Israel controla a travessia. E como vimos nos trágicos acontecimentos de segunda-feira, mesmo nas zonas “seguras” da cidade, eles podem ser despedaçados ou queimados vivos por bombas de 900 kg lançadas sobre as suas cabeças na calada da noite. Em outras palavras: as opções são permanecer onde estão correndo risco de morrer; ou fugir correndo risco de morrer.

As FDI divulgaram um comunicado sobre o bombardeio na segunda-feira, alegando que conduziram um “ataque baseado em inteligência” contra dois comandantes do Hamas. Segundo o porta-voz do governo israelense, Avi Hyman, “de alguma forma ocorreu um incêndio” entre as tendas para pessoas deslocadas perto de uma instalação da ONU no bairro de Tal al-Sultan.

Apesar dos relatos de testemunhas oculares em contrário, Israel nega que o ataque tenha ocorrido na área humanitária de al-Mawasi, para onde os civis foram encorajados a evacuar. A declaração das FDI afirma que foram tomadas “medidas” para evitar danos colaterais e “foi avaliado que não haveria danos esperados a civis inocentes”, acrescentando que “lamenta qualquer dano a civis inocentes durante o combate”.

Estas mentiras repugnantes vão contra a conduta de Israel durante a guerra. Quantas vezes campos de refugiados, hospitais, blocos de apartamentos civis, mesquitas e instalações da ONU foram bombardeados em Gaza para matar este ou aquele comandante individual do Hamas? Os eventos de segunda-feira são a norma. Como disse à BBC um representante da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) em Rafah: “Nenhum lugar é seguro em Gaza. Ninguém está seguro, incluindo os trabalhadores humanitários.”

Como sempre, as FDI combinaram a sua demonstração de “arrependimento” à promessa de conduzir uma “investigação”. Já ouvimos esta canção antes: cada vez que um crime de guerra é cometido, as FDI trazem para a mesa o prometido inquérito, antes de concluir que não houve irregularidade. Foi o que aconteceu depois do assassinato da popular jornalista palestina Shireen Abu Akleh por um atirador das FDI, por exemplo; e o ataque a 15 civis que se dirigiam para um posto de controle no norte de Gaza, em abril. Existem muitos exemplos dessa rotina e não há razão para se imaginar algo diferente agora.

Em um movimento inusitado, Netanyahu emitiu uma declaração pessoal ao parlamento de Israel, na qual classificou o bombardeio como um “erro trágico”, ecoando a promessa do Exército de investigar o incidente. Esta posição de Netanyahu, que normalmente não se arrepende das mortes palestinas, reflete a pressão da opinião pública. É uma prova da fúria total que esta última atrocidade produziu, em uma altura em que os crimes de Israel estão aumentando a pressão a nível interno e externo.

Netanyahu emitiu uma declaração pessoal ao parlamento de Israel, na qual classificou o bombardeio como um “erro trágico”

Tal como escrevemos no início das operações das FDI em Rafah, as considerações de Netanyahu são motivadas principalmente pela política interna. Ele enfrenta uma frustração crescente com o progresso da guerra que, claramente, não conseguiu destruir o Hamas; e com a falta de qualquer progresso no sentido do retorno dos reféns israelenses detidos pela organização. Considerando a sua posição nas sondagens e com o principal bloco de oposição em torno de Benny Gantz ameaçando avançar com eleições antecipadas assim que a guerra terminar,  Netanyahu sabe que o seu futuro depende do prolongamento do conflito.

Ao mesmo tempo, o seu governo de coligação depende do apoio de bandidos ultra-sionistas de extrema-direita, como Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que deixaram bem claras as suas intenções. Querem uma nova Nakba, com a liquidação e/ou expulsão total dos palestinos de Gaza e dos territórios ocupados. Estes reacionários extremistas ameaçaram derrubar a administração de Netanyahu e forçar novas eleições caso fosse dado algum passo no sentido de um cessar-fogo duradouro.

Além disso, Netanyahu está no centro de vários processos judiciais por corrupção, dos quais pode se esquivar enquanto permanecer no cargo. Portanto, ele está inflexível em realizar uma invasão total de Rafah e em manter a guerra durante o maior tempo possível, com toda a morte e destruição que isso implicará. Em outras palavras, Netanyahu está comprando a salvação para a sua carreira política e sua liberdade pessoal com o sangue de milhares de palestinos inocentes.

As consequências desta intransigência vão muito além das fronteiras de Israel. As massas árabes em todo o Oriente Médio sentem profundamente a simpatia e solidariedade para com os palestinos. Cada novo horror desencadeado pelas FDI em Gaza aumenta a ira que borbulha sob os pés dos regimes despóticos da Jordânia, Egito, Kuwait, Arábia Saudita e assim por diante.

Os ditadores capitalistas que lideram estes países foram todos expostos pela Guerra de Gaza. Embora falem da boca para fora sobre a situação dos seus “irmãos muçulmanos”, todos eles estavam passando por um processo de “normalização” das relações com Israel antes do conflito. Posteriormente, na melhor das hipóteses, nada fizeram para ajudar os palestinos e, na pior das hipóteses, ajudaram diretamente o regime sionista. No caso da junta militar no Egito, servindo como guardas de fronteira para cercar os palestinos; ou, no caso da monarquia jordaniana, ajudando a proteger Israel dos foguetes disparados pelas forças do Hezbollah em retaliação ao massacre dos palestinos.

Aos locais onde eclodiram protestos nestes países exigindo medidas para proteger os palestinos, foram enviadas forças estatais para os esmagar, contribuindo para o ressentimento crescente. Se Netanyahu continuar aumentando a aposta, a pressão dentro da sociedade se tornará cada vez mais difícil de ser contida por estes regimes. Existe o perigo de uma erupção, que poderá fazer com que a guerra se espalhe para fora de Gaza, ou provocar uma nova onda revolucionária como a que varreu o Oriente Médio depois de 2011, mas a um nível ainda mais elevado.

Esta possibilidade não escapou à atenção dos imperialistas no Ocidente, que estão cada vez mais alarmados com o impacto da conduta implacável de Israel nesta guerra. A última coisa que desejam é uma guerra mais ampla ou uma explosão revolucionária que possa ameaçar os seus interesses na região ou empurrar a frágil economia mundial para uma crise total.

Eles também estão preocupados com suas situações locais. De um país a outro, têm ocorrido protestos e marchas contínuas em solidariedade a Gaza durante um período de sete meses. Este movimento foi impulsionado ainda mais por uma poderosa onda de acampamentos estudantis, estabelecidos em mais de 100 campi universitários em todo o mundo. Esta luta tem sofrido repressão policial cruel, calúnia da imprensa e processos infundados, enquanto Israel zomba de todos os princípios do direito internacional.

Tudo isto apenas aprofundou a fúria indignada dos trabalhadores e da juventude em todo o mundo e expôs a farsa da chamada democracia capitalista, sob a qual a liberdade de expressão e de protesto é permitida “até o limite em que os interesses dos imperialistas e dos seus aliados sejam ameaçados.”

As cenas infernais em Rafah na segunda-feira correm o risco de jogar gasolina na fogueira. Colocaram as classes dominantes no Ocidente em pânico, com os políticos que até agora apoiaram Israel ao máximo (incluindo o Presidente francês Emmanuel Macron e o Secretário das Relações Exteriores  britânico, David Cameron) emitindo declarações apressadas criticando as FDI e apelando a um cessar-fogo. Tudo isto surge na sequência do Tribunal Penal  Internacional (TPI) ter permitido que os procuradores solicitassem mandados de prisão contra Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra, e ordenado que Israel cessasse as suas operações em Rafah.

Os líderes israelenses responderam com o típico desdém, acusando o mais alto tribunal do mundo de ser movido pelo “anti-semitismo”. As decisões dos governos da Irlanda e da Espanha de reconhecer o Estado palestino foram igualmente recebidas com o repúdio de Tel Aviv de que isso equivalia a “recompensar o terrorismo”.

Embora o Presidente dos EUA, Joe Biden, tenha se mobilizado em defesa de Israel, condenando o TPI e fazendo eco às queixas sobre a Espanha e a Irlanda, o fato é que o imperialismo dos EUA está ficando cada vez mais exasperado com o seu principal aliado no Oriente Médio. Não são poucas as palavras severas que tentam afastar Netanyahu do seu rumo atual. O problema é que palavras severas são tudo o que os americanos têm para usar contra Israel. Na verdade, apesar das lágrimas de crocodilo que agora são derramadas sobre os corpos carbonizados em Rafah, todos os governos ocidentais – incluindo a Irlanda e a Espanha – continuam a armar e a financiar a guerra de Israel em Gaza. Eles aderiram ao regime sionista assassino de Netanyahu e ninguém está preparado para tomar quaisquer medidas sérias para proteger os palestinos.

As notas de pesar que temos ouvido nos últimos dias são um consolo para conter as revoltas locais. Gaza é um fator em várias eleições, incluindo na Grã-Bretanha e nos EUA, onde os principais partidos estão sendo forçados a defender, pelo menos da boca para fora, a ideia de que as vidas palestinas têm valor.

Biden está considerando perder estados importantes decisivos à medida que o voto dos jovens e dos muçulmanos se voltam contra ele. Na Grã-Bretanha, tanto os Conservadores quanto os Trabalhistas (que têm permanecido totalmente ao lado de Israel desde o início da guerra) expressaram a sua “preocupação” com a situação em Gaza. Vários deputados do Partido Trabalhista, que, exceto por um milagre, deverá vencer as eleições gerais de 4 de julho por uma vitória esmagadora, emitiram declarações idênticas nas redes sociais, expressando pesar pelas mortes em Rafah; apelando a um cessar-fogo, a uma solução de dois Estados e a um “Israel seguro”.

Ninguém leva isto a sério depois de o líder trabalhista Keir Starmer ter afirmado que Israel tinha o “direito” de sitiar Gaza e de a todo momento ter afirmado o direito de Israel “se defender” quando na verdade conduz um genocídio.

A imprensa burguesa também começou a mudar de tom, com comentaristas reacionários, como Piers Morgan, descobrindo subitamente que “massacrar tantas pessoas inocentes enquanto se encolhem dentro de um campo de refugiados é indefensável”. Perguntamo-nos por que razão faltou tanta clareza moral a Morgan quando Israel bombardeou o Campo de Refugiados de Nuseirat, ou o campo de refugiados de al-Maghazi, ou em qualquer outro episódio contra alvos civis.

A imprensa burguesa também começou a mudar de tom, com especialistas reacionários como Piers Morgan de repente descobrindo que “matar tantas pessoas inocentes enquanto se acovardam em um campo de refugiados é indefensável” / Imagem: Casa Branca, Twitter

Por trás de toda esta repugnante hipocrisia está o fato de que a questão da Palestina se tornou um fator na luta de classes em todos os países do mundo. Em meio a uma crise geral do capitalismo, tornou-se um para-raios para toda a raiva e descontentamento face à guerra sem fim, à pobreza, à instabilidade e à injustiça.

Além disso, milhões de pessoas veem diante dos seus olhos a hipocrisia de um sistema que afirma defender a democracia e a ordem baseada em regras, mas rejeita ambos quando contrários aos seus interesses. Se o bombardeio em Rafah tivesse acontecido em um campo de refugiados, ou em uma escola, ou em um hospital na Ucrânia, não haveria qualquer dúvida na imprensa ocidental e no establishment político em condenar outro crime de guerra russo e rapidamente exigir sanções. No entanto, tudo o que Israel precisa fazer é apresentar um pedido de desculpas tímido e continuar a fazer o mesmo: recompensado por um fluxo ininterrupto de dinheiro e munições.

Os acontecimentos de 7 de outubro, em que centenas de civis foram mortos (em Israel), foram amplamente divulgados pela imprensa ocidental, que depois ainda aumentou os fatos, provocando histeria com detalhes sinistros sobre as atrocidades do Hamas, algumas das quais nunca foram provadas e algumas das quais já foram, na verdade, refutadas. O objetivo disto era justificar preventivamente a retaliação e punição coletiva de Israel ao povo palestino que estava por vir, retratando toda a população de Gaza como bárbaros “animais humanos”. Uma das alegações forjadas, espalhadas por dezenas de jornais, foi que o Hamas havia decapitado bebês no dia 7 de outubro. Agora, imagens inegáveis de bebês palestinos decapitados pelas bombas das FDI são evidentes para todos verem.

E embora tenha se ouvido alguns lamentos na imprensa, não vimos nada na escala da torrente de propaganda depois de 7 de outubro. Nem haverá quaisquer consequências significativas, uma vez que Israel procura discretamente varrer este infeliz “incidente” para debaixo do tapete. Uma coisa que os acontecimentos dos últimos sete meses devem nos ensinar é que nenhuma quantidade de sangue palestino inocente derramado irá estimular as classes dominantes a tomarem medidas sérias. Não há um “fundo do poço” de moralidade do regime sionista que obrigue os imperialistas a romperem os laços com o seu principal aliado no Oriente Médio.

Isto significa que a única forma de ajudar os palestinos é os trabalhadores e os jovens direcionarem a luta às suas classes dominantes imperialistas em todos os países do mundo. Uma campanha coordenada de ação grevista visando setores estratégicos, que conduza a uma greve política geral contra os fomentadores da guerra, poderia isolar a máquina de guerra israelense. É necessária uma luta revolucionária, no Oriente Médio e em todo o mundo, para libertar os palestinos do seu pesadelo e pôr fim ao sistema capitalista que é a principal causa de sua miséria. Não há tempo a perder.