Reflexões de um operário vidreiro

Lembro-me da primeira vez que entrei em uma vidraria manual. Tanta gente em tão pouco espaço, as cânulas nas mãos, em uma das pontas o vidro derretido, em brasa, na outra o artista modelando o vidro derretido, transformando elementos químicos e minerais em utensílios domésticos, em peças de decoração. Artistas sem estúdio ou ateliê, operários artesãos, modeladores do vidro quente, criados em frente aos fornos com as labaredas dançantes que nos queimam os dedos, as pestanas e os cabelos.
 
O nosso ganho não é monetário
 
Na fábrica temos unidade e lutamos, levamos amigos conosco. Vamos e voltamos juntos, passamos semanas juntos e nos fim de semana também nos vemos para o futebol na Várzea, para um churrasco ou simples conversas nos botecos.
 
Somos artistas sem reconhecimento, sem status de celebridade. Ao contrário, somos contratados para sermos máquinas de fazer dinheiro, peças substituíveis, números que são usados para fazer números, meros coadjuvantes, sem papel central, mas com a função primordial de gerar lucros. Mas somos tudo, sem nossas mãos e nosso trabalho o que seria do patrão? Querem nos fazer crer que temos um valor secundário. Nós somos tudo e unidos tudo poderemos realizar!
 
Os patrões não nos reconhecem, pouco importa. Nós nos lembramos de onde viemos, somos vidreiros manuais, sabemos o que passamos juntos. Não nos esqueçamos disso: tudo o que é produzido sai de nossas mãos e nós nada temos!
 
Aproxima-se o dia em que teremos que nos unir contra os exploradores de nossa arte, a arte dos operários, de todos os operários. Apenas nós podemos nos dar o justo valor. 
 
Valorizar-nos não é só lutar por melhores salários, é lutar por melhores condições de vida e trabalho, por dignidade e saúde. Unir todos, as manuais, as não manuais, os vidreiros, todos os operários, libertar a classe da ambição e exploração capitalista.
 
A grande obra que podemos realizar está por ser construída. Salvar a arte milenar da modelagem do vidro sem salvar a classe operária e sua arte de saber produzir toda a riqueza é um sonho irrealizável. Com o capitalismo toda a arte perecerá e cada vez mais seremos escravos. Por isso nossa luta é contra o capital e a propriedade patronal: somos operários socialistas.
 
*Almir é da direção do Sind. Vidreiros e militante da Esquerda Marxista