Toda solidariedade às famílias da Ocupação João Mulungu!

Na madrugada do dia 23 de maio, a Tropa de Choque do estado de Sergipe cumpriu uma decisão judicial de reintegração de posse na capital Aracaju do prédio ocupado pela Ocupação João Mulungu. A ação resultou em 71 pessoas despejadas, além de 8 pessoas presas, liberadas no dia seguinte.

A coordenação da ocupação alega que o imóvel está abandonado há mais de seis anos, com R$ 12 milhões de dívida ao cofre público sem cumprir qualquer função social, mesmo no conceito das próprias leis burguesas. No entanto, o Estado burguês, através de seus aparatos de repressão, demonstra agilidade apenas quando o assunto é salvaguardar o direito à propriedade privada, ainda que signifique negar, ou, mais do que isso, despejar famílias inteiras em plena pandemia.

Esta não é uma ação isolada. Ao contrário, é mais um exemplo das ações truculentas que o poder público em diferentes esferas tem feito há anos. Porém, a pandemia agrava consideravelmente a situação e imprime uma condição especialmente sádica da burguesia e seus agentes públicos.

Recentemente, algumas medidas legais a respeito das reintegrações podem ser mencionadas: na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo tramita o Projeto de Lei n.º 146/2020 que determina a suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e similares, judiciais ou extrajudiciais, enquanto vigorar medida de prevenção ao contágio e de enfrentamento da propagação decorrente do novo coronavírus. No mesmo sentido está o PL n.º 827/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, em âmbito federal. Ambos os projetos ainda estão pendentes de aprovação final, portanto, taxativamente, ainda não estão em vigência.

No entanto, considerando a urgência do assunto, há orientação do Conselho Nacional de Justiça, que “recomenda” aos órgãos do Poder Judiciário que “enquanto perdurar a situação de pandemia de Covid-19, avaliem com especial cautela o deferimento de tutela de urgência que tenha por objeto desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, sobretudo nas hipóteses que envolverem pessoas em estado de vulnerabilidade social e econômica.” Acrescenta ainda que os critérios para avaliar a vulnerabilidade devem incluir “o grau de acesso da população afetada às vacinas ou a tratamentos disponíveis para o enfrentamento da Covid-19.”

“Art. 2o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário que, antes de decidir pela expedição de mandado de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais, verifiquem se estão atendidas as diretrizes estabelecidas na Resolução no 10, de 17 de outubro de 2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos”.

Na prática, não é assim que as reintegrações funcionam. Várias ilegalidades foram observadas desde a decisão em si, quanto no método, na falta de notificação, no horário, na ausência de plano de realocação, na inconsistência da justificativa, justamente porque a lei, mesmo as que compõem o ordenamento burguês, não são o verdadeiro parâmetro para as ações da classe dominante e os órgãos de repressão que utilizam.

Esta ação está em plena concordância com o Governo Federal, por exemplo. Já em 2020, houve corte de 95% do orçamento de habitação referente ao ano anterior, quando rebatizou o Minha Casa, Minha Vida (que já apresentava graves problemas como relatamos anteriormente) para o Programa Casa Verde e Amarela. De um jeito ou de outro, direitos como à habitação caem na vala comum do direito à saúde, à pesquisa e à educação que o governo Bolsonaro tem cortado cada vez mais, mesmo em pandemia, para salvar “gastos obrigatórios” (aí incluída a cancerígena Dívida Pública federal).

Nos ataques abertos da burguesia aos recursos que deveriam ser investidos nesses direitos, pouco difere se a assinatura final é do governo Bolsonaro, Doria, dos Tribunais de Justiça de Sergipe, e nem mesmo se diferem da omissão do governo Belivaldo Chagas (PSD-SE) quanto ao atendimento às famílias da Ocupação João Mulungu antes de uma medida atroz como a de domingo.

Da mesma forma, nada justifica o despejo das famílias desta e em muitas outras ocupações em que o imóvel ou terreno passa anos, às vezes décadas, sem qualquer função social, enquanto os governos viram as costas às famílias em situação de vulnerabilidade.

O Direito à Moradia foi ratificado pela Declaração Internacional de Direitos Humanos e incorporado ao ordenamento brasileiro através da Emenda Constitucional n.º 26/00, como direito fundamental e cláusula pétrea da CF/88:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Isso deveria significar alguma coisa na prática. Mas as mais enfeitadas e douradas letras da lei de muito pouco valem se apenas compõem a vitrine de uma máquina que serve essencialmente para proteger a burguesia enquanto classe dominante. Reintegrações desse tipo não são exceções, mas regra, ainda que passando por cima de suas próprias leis. E não há contradição prática nisso. A dualidade se explica perfeitamente pela maior delas, que é o antagonismo entre classes, o que configura e determina toda a atuação dos órgãos de repressão a que somos submetidos na condição de classe trabalhadora. Por óbvio, não apenas no Brasil.

A crise que atravessa o modo de produção capitalista impõe à classe trabalhadora duras condições em todo o mundo, ressalvadas suas especificidades. Temos acompanhado as atrocidades da polícia na Colômbia contra os protestos ao governo Duque. Vimos a face assassina e racista da polícia norte-americana nas execuções e na repressão aos protestos do Vidas Negras Importam. Não diferente agem as forças de repressão de Israel em relação às áreas ocupadas na Palestina, ou das forças para estatais do Paquistão que sequestram, torturam e matam manifestantes. As forças de repressão do Sudão, Argélia, França, Nicarágua seguem o mesmo modus operandi de morticínio de trabalhadores organizados.

A luta dos irmãos de classe de Sergipe é a mesma das milhares de famílias que sofrem ações ilegais de despejo no Brasil, onde crianças e idosos veem seus lares incendiados, suas escolas e centros culturais que ajudaram a construir demolidos por tratores da prefeitura, ações que geram traumas e covardemente expõem ainda mais essas famílias a um vírus que, a depender do governo federal, ainda vai demorar muito para conseguirem vacina, se sobreviverem até lá.

É a mesma luta dos trabalhadores que têm tomado as ruas em vários países por se verem encurralados entre a ameaça do vírus, da fome e da bala da polícia.

Neste sentido, convocamos todos os movimentos de moradia para que unam forças pela derrubada do governo Bolsonaro, abrindo uma perspectiva de luta e revolucionária para esta situação irremediável nos limites do sistema em que vivemos.

O governo Bolsonaro, esse sistema apodrecido e todos os agentes que atuam pelo lado da repressão aos trabalhadores precisam ser varridos para que alguma perspectiva de futuro digno seja cogitada para a humanidade.

  • Toda solidariedade às famílias da Ocupação João Mulungu!
  • Nenhuma represália aos manifestantes detidos e ao movimento!
  • Fora Bolsonaro, já! Por um governo dos trabalhadores sem patrões nem generais!