Um palco no 1º de maio para encenações de Lula e de FHC

Nas aventuras de Robson Crusoé, o personagem toma uma série de péssimas decisões – que lamenta a cada momento, mas considera inevitáveis – que o levam a uma sequência de desastres, culminando em encontrar-se em uma ilha deserta. A metáfora literária guarda paralelos com a realidade para quem acompanha o movimento operário brasileiro. Com uma surpresa digna do escritor Daniel Defoe, assistimos o surreal ato do Dia Internacional dos Trabalhadores organizado pelas centrais sindicais.

Lula e Fernando Henrique Cardoso compartilhando o mesmo palanque. Virtual em tempos de pandemia. Vamos nos ater em um primeiro momento a isso, porque concentra a trama. Para a nova geração pode ser difícil dimensionar seu significado. FHC foi apenas o presidente da República contra quem a CUT chegou a organizar uma greve geral. Seu partido, o PSDB, e figuras públicas, foram os inimigos mortais do PT e da CUT durante 20 anos. Porém, então, uma reviravolta incrível coloca juntas essas duas figuras icônicas da política brasileira.

Certas atitudes revelam um programa inteiro. E esse 1º de maio explicitou isso em vários ângulos. Quem viu o discurso de Lula, ou não entendeu o que se passava, ou ficou encantado pelo caráter socialista de suas palavras. Impossível ser diferente para quem não conhece bem sua trajetória. Lula parafraseou o Manifesto Comunista e outras obras de Marx e Engels – sem creditá-los. Ao mesmo tempo, arquitetou a celebração reunindo figuras como FHC, Wilson Witzel, Ciro Gomes e Marina Silva. Também estavam previstos para o abominável encontro Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli e João Doria. 

O ex-presidente mais se parece com um fariseu, com sua política de demagogia e hipocrisia. A origem dessa palavra está no grego hypokrisía, que no início estava associada ao desempenho de um papel no teatro. Só mais tarde adquiriu sentido negativo, quando hipócrita se tornou sinônimo dos fariseus. De acordo com o Antigo Testamento, essas figuras afirmavam pregar as leis sagradas, mas introduziam preceitos que corrompiam a doutrina divina.

Lula e os dirigentes do PT, do PCdoB, da CUT e das demais centrais sindicais buscam desenvolver com sua orientação uma linha política de unidade nacional. Contra um inimigo comum, ou agora dois (o coronavírus e Bolsonaro), querem promover uma política de conciliação de classes em uma escala superior ao que praticaram em seus 13 anos à frente do Governo Federal. Agora até mesmo os mais asquerosos inimigos dos trabalhadores são integrados ao chamado arco de alianças. Isso apenas escancara o que são esses senhores: agentes da burguesia atuando dentro do movimento operário, em prol dos interesses da burguesia. São fariseus que dirigem as grandes e pequenas organizações dos trabalhadores.

Observemos que esse traço, essa guinada à direita dos dirigentes tradicionais das organizações de massa, trata-se de um fenômeno internacional de nossa época. Conforme a pressão da burguesia se amplia, mais os burocratas e líderes reformistas de todo o mundo se convertem em quinta roda do capitalismo. Passam a agir como sócios dos capitalistas, definindo como devem gerir as empresas, como os órgãos do Estado burguês devem funcionar, mediam e assinam todos os ataques que a burguesia patrocina contra o proletariado. Corrompem-se e aparelham os sindicatos com todo tipo de truque para embolsar o dinheiro que vem do Estado burguês e dos patrões. Embora falem em nome dos trabalhadores, o fazem como em um espetáculo, para por trás das cortinas aplicarem outra coisa.

Uma decisão desastrosa atrás da outra dos dirigentes dos aparatos que as massas construíram vai determinando a sorte dos trabalhadores na sua luta contra a burguesia. 

Aceitam de bom grado o imposto sindical fascista destinado às centrais sindicais e sindicatos, ou fazem negociações direto com os patrões para sequestrar parte do salário dos trabalhadores de forma impositiva para financiar seus aparatos sindicais. Fazem uma “frente única” em reuniões infindáveis e estruturas burocráticas montadas pelos reformistas. Esse é o caráter que adquiriu a Frente Povo Sem Medo, e que já nasceu tendo a Frente Brasil Popular. 

Se por um lado assistimos neste 1º de maio a um grotesco avanço à direita dos dirigentes dos grandes aparatos, presenciamos um oportunismo medíocre dos reformistas de pequena envergadura, das seitas e dos esquerdistas. De péssimas decisões em péssimas decisões, ambos rumam para a ilha deserta de Robinson Crusoé. Um descolamento e um estranhamento cada vez mais profundos dos reais e cada vez mais indignados sentimentos em desenvolvimento entre as massas brasileiras. Essas senhoras e senhores estão em contradição com as necessidades históricas de nossa classe. A dialética nos ensina que nada pode permanecer estático na natureza ou na sociedade. Para que os trabalhadores avancem seus próprios interesses, terão que em primeiro lugar alçar novos líderes, munidos de ideias e perspectivas corretas, na luta contra os atuais, já velhos e que merecem desaparecer.