Foto: Mateus Pereira/GOVBA

A crise sanitária no Brasil e a importância da Fila Única de Saúde

Em nosso programa emergencial para crise no Brasil defendemos a estatização do sistema de saúde – planos, laboratórios e hospitais. O que isso tem a ver com a reivindicação por uma Fila Única no atendimento à saúde?

Hoje 1/4 da população do Brasil possui algum plano de saúde e 3/4 dependem do SUS. Porém, a proporção não é mesma no que diz respeito aos leitos: 50% são privados e 50% públicos.

Uma grande parte desses 50% públicos está dentro de hospitais filantrópicos, que se vinculam simultaneamente aos planos privados e ao SUS, e, por isso, recebem auxílio financeiro da União. No Brasil, existem cerca de 2.600 instituições filantrópicas[1].

O hospital filantrópico possui a obrigação legal de atender pacientes por meio do SUS em proporções não inferiores a 60% do total de seus atendimentos[2]. Importante ressaltar que o recebimento do auxílio financeiro independe da eventual existência de débitos ou da situação de adimplência das entidades beneficiadas em relação a tributos e contribuições na data do crédito pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Na atual crise sanitária fica mais nítida essa relação cruel: número de pessoas doentes versus número disponível de leitos. Colapsado, o SUS precisa imediatamente de mais leitos para atender a demanda de doentes que esperam em UPAs e emergências por internações em Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs).

Entre 2009 e 2017, se observou[3] uma queda de 11,2% no número de leitos de cuidado curativo disponíveis ao SUS. Também, nesse mesmo período, caiu o número de hospitais gerais e especializados inscritos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) de 6.041 para 5.819 unidades.

A Fila Única proposta nessa matéria prevê acesso igualitário aos principais elementos médico-estruturais, públicos e privados, para a sobrevivência dos pacientes, conforme a gravidade da doença e o risco de morte. No cenário atual significa o acesso igualitário àqueles que sofrem com agravamentos da doença causada pelo novo coronavírus, independente de possuírem Planos Privados de Assistência à Saúde. Isto significa que os trabalhadores poderão ser internados em hospitais renomados como o Albert Einstein, por serem pacientes graves e precisarem de mais recursos, e que os burgueses, àqueles que podem pagar por UTIs aéreas, poderão se internar em um hospital de menor porte e público, por serem pacientes estáveis e não precisarem das tecnologias de ponta.

Os referidos hospitais filantrópicos, para se enquadrarem e receberem a certificação de condição de entidade beneficente, precisam, além de apresentar atendimento na proporção mínima de 60% ao SUS, cumprir com alguns requisitos, demonstrando documentações que comprovem, por exemplo, que ações de promoção de saúde estão sendo realizadas e que estão disponibilizando cursos gratuitos de atualização à profissionais de saúde, entre outros.

Porém, a exigência de atendimento de, no mínimo, 60% para o SUS, ao longo dos anos, foi sendo contornada por meio de programas que concedem uma forma alternativa para determinados hospitais fazerem jus à certificação. Em 2008, no governo Lula, foi desenvolvido o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), que prevê, como uma forma alternativa para certificação, a transferência da expertise da instituição filantrópica pela realização de projetos de educação, pesquisa, avaliação de tecnologias, gestão e assistência especializada voltados ao fortalecimento e à qualificação do SUS em todo o Brasil.  Ou seja, o direito constitucional por um leito[4] é substituído por palestras, oficinas e cursos gratuitos de curta duração. Essas medidas dão menos gastos aos hospitais filantrópicos do que a manutenção de um leito SUS. Por exemplo, em um procedimento de Tomografia Computadorizada de Crânio o hospital recebe via SUS R$ 97,44[5], via plano privado de saúde em torno de R$ 270,00[6] e via particular de R$ 650,00 até R$ 850,00 (pesquisa feita em Florianópolis/SC).

O desmonte do SUS o acompanha desde seu nascimento, em 1988, proveniente de um acordo com um bloco parlamentar conservador e hegemônico, “centrão”, que, na Assembleia Nacional Constituinte, resolveu ceder na criação do SUS para ganhar em outro lugar. Não era interessante que os governos o ampliassem qualitativa e quantitativamente, pois tornar melhor esse serviço prejudicaria os lucros dos planos de saúde e da indústria farmacêutica, assim como dos hospitais privados e filantrópicos. Nas eleições de 2010[7], as empresas de planos de saúde destinaram R$ 11,8 milhões em doações oficiais para as campanhas de 153 candidatos a cargos eletivos, contribuindo na eleição de 38 deputados federais, 26 deputados estaduais, 5 senadores, 5 governadores, além da Presidente da República, Dilma Rousseff.

Também faz parte da assolação do SUS o desvio de seus recursos públicos para as Organizações Sociais de Saúde (OSS). Essas organizações não passam de empresas privadas terceirizando serviços para o Estado, camuflados em uma suposta melhoria da eficiência do sistema de saúde. Essa privatização, disfarçada de parceria, pode ser questionada constitucionalmente, já que a Lei Orgânica da Saúde prevê que o SUS contrate organizações sem fins lucrativos apenas em caráter complementar, a fim de ampliar a oferta de serviços quando esgotadas as instalações públicas de administração direta. Mas as OSS não complementam a gestão estatal, a substituem! São empresas privadas e, portanto, possuem fins lucrativos.

Em 2016, a Emenda Constitucional nº 95, aprovada no governo Temer, congelou por 20 anos os gastos em saúde, entre outros gastos sociais, impedindo que aumentos na arrecadação e ganhos reais vindo de um possível crescimento econômico fossem destinados para as despesas nos serviços e ações de saúde. Em contrapartida não limitou os gastos com o pagamento da dívida pública! Desta forma, esse sistema podre utiliza os cortes nos gastos sociais como um mecanismo financeiro de reprodução do capital.

O sucateamento do SUS e a incapacidade do Estado na contraprestação de serviços estão presentes há anos na vida dos trabalhadores, fazendo quem tem condições de bancar um plano privado ser cobrado duas vezes pelo acesso à saúde: primeiro nos impostos presentes nos valores dos bens e serviços, e mais uma vez na mensalidade do convênio.

Ainda sobre o déficit na saúde, as operadoras de Plano Privado de Assistência à Saúde têm obrigação legal[8] de restituir as despesas do SUS num eventual atendimento de seus beneficiários que estejam cobertos pelos planos. Porém, as operadoras dos planos privados esperam o governo entrar com uma ação judicial de cobrança, e isso demora. São muitas fases até chegar à execução da dívida. De 2001 a 2019, o SUS cobrou R$ 5,7 bilhões dos planos, e até agora, R$ 1,7 bilhão ainda não foi pago[9]. O pagamento é efetuado para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e repassado ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), sendo aplicado em ações e programas estratégicos do Ministério da Saúde.

No que diz respeito ao beneficiário do plano privado de assistência à saúde, é garantido a ele o que estiver no contrato com a operadora. O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS aponta quais procedimentos são de cobertura mínima obrigatória: engloba exames, consultas, cirurgias, acomodações… Mas não o leito! Desse modo, a Fila Única, que visa utilizar todos os recursos disponíveis no país para tratar seus cidadãos, inclusive leitos, é uma reivindicação transitória para lutarmos pela estatização do sistema de saúde!

É permitido ao Estado solicitar a posse dos bens e serviços particulares com a finalidade de enfrentamento do perigo público iminente, direito que é assegurado pela Constituição Federal, assim como por outras leis[10]. Na atual crise sanitária, agudizada pela pandemia do novo coronavírus, alguns países como Espanha e Irlanda se organizaram desta forma (Fila Única) e conseguiram baixar a curva de mortes por COVID-19.

O governo Bolsonaro apenas intensifica a destruição do SUS. Mesmo em meio a uma pandemia garante o crescimento e fortalecimento das OSS, aumenta o repasse de milhões de reais e entrega o gerenciamento dos Hospitais de Campanha, mesmo custando mais barato reativar hospitais do SUS. Bolsonaro não está preocupado com a precarização generalizada. Em 22 de março deste ano assinou Medida Provisória que, dentre várias atrocidades, altera as escalas de plantão e diminui o descanso dos trabalhadores da saúde, autorizando o banco de horas, e, consequentemente, o adoecimento desses profissionais.

Enquanto países que possuem sistemas universais de saúde dedicam em média 8% do PIB para gastos públicos em saúde, no Brasil, esse valor não chega a 4% do PIB, condenado ao pagamento da dívida pública.

Por fim, é essencial frisar que o benefício de uma Fila Única aqui reivindicado, precisa ser estendido para além da pandemia e não pode cair em negociação com as operadoras de planos de saúde, nem com as administrações hospitalares. Não admitiremos que trabalhadores morram por falta de leitos! A estatização de todo o sistema de saúde, do fundo de reserva dos planos privados e dos lucros de hospitais, casas de saúde particulares e laboratórios de exame é o começo da garantia ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde previstos na Constituição Federal. Entretanto, precisamos deixar claro que nosso horizonte é o acesso universal de todos os bens e serviços produzidos pela humanidade, no qual a saúde seja efetivamente pública, gratuita e para todos. O capitalismo só pode nos oferecer morte e destruição! A luta pela saúde pública, gratuita e para todos é a luta por outra sociedade que não se baseie na exploração do homem pelo homem, a sociedade socialista.

A Fila Única de Saúde no país é uma medida que por si só não dá conta de derrubar esse sistema podre. Portanto, nossa tarefa primordial é destruir a ordem burguesa por meio da ditadura revolucionária do proletariado!

Pela Fila Única de Saúde, com a utilização de toda tecnologia disponível e acesso igualitário aos principais elementos médico-estruturais!

Não aos cortes! Contra o desmonte do SUS!

Saúde pública, gratuita e para todos!

Fora Bolsonaro! Por um governo dos trabalhadores, sem patrões, nem generais!

[1] http://www.femipa.org.br/faq/

[2] Art. 4o  Para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deverá, nos termos do regulamento: (…) II – ofertar a prestação de seus serviços ao SUS no percentual mínimo de 60% (sessenta por cento); (Lei n 12.101 de 27/11/2009).

[3] https://portal.fiocruz.br/noticia/relatorio-aponta-reducao-no-numero-de-leitos-no-brasil

[4] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição Federal/88).

[5] http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/procedimento/exibir/0206010079/08/2020

[6] Consulta nas tabelas dos Planos Privados de Assistência à Saúde: SC Saúde e Unimed.

[7] http://www.cee.fiocruz.br/?q=SUS-30-anos-de-resistencia-e-contra-hegemonia&qt-conteudosrelacionados=1

[8] Artigo 32 da Lei nº 9.656/1998.

[9] https://piaui.folha.uol.com.br/planos-de-saude-em-divida-com-o-sus/

[10] Lei Orgânica da Saúde; o Código Civil; além da Lei nº 13.979 de 06/02/2020.