A “revogação” da Lei de Segurança Nacional e a repressão aos trabalhadores

Nesta terça-feira (10/08) foi aprovada pelo Senado a revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN). Conforme analisamos no artigo abaixo, originalmente publicado em 02/06, quando da aprovação do projeto de lei na Câmara dos Deputados, ainda que seja positiva a revogação desse entulho deixado pela ditadura, o processo está marcado por contradições. O projeto de lei, aprovado agora também pelo Senado, transfere o conteúdo repressivo da LSN para o Código Penal, ou seja, na prática, apenas atualiza os mecanismos repressivos do Estado. Os reformistas têm aplaudido essa manobra das instituições do Estado, afinal são defensores da democracia burguesa. Para a Esquerda Marxista, é preciso que os trabalhadores lutem pela revogação de qualquer mecanismo que persiga ou que reprima as ações de suas organizações e mobilizações, tendo no horizonte a derrubada do capitalismo e das instituições que o sustentam.

Da Redação

No dia 4 de maio foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 6764/02, que revoga a Lei de Segunda Nacional (LSN). Embora o enterro da LSN seja um passo importante na luta dos trabalhadores, o seu conteúdo repressivo, que visa garantir a estabilidade política e social, foi transferido para o Código Penal. Nesse sentido, mesmo revogando uma das últimas peças repressivas da ditadura, ao acrescentar os “crimes contra o Estado Democrático de Direito” ao Código Penal, a democracia burguesa nada mais faz do que atualizar suas ferramentas de perseguição contra críticos e opositores da exploração capitalista.

Com base na LSN, cujo texto vigente data de 1983, foram instaurados 77 inquéritos só em em 2019 e 2020. Em 2018 foram abertos 19 inquéritos. No ano seguinte, o primeiro do governo Bolsonaro, foram abertos 26 inquéritos, e, em 2020, esse número saltou para 51. Entre 2015 e 2017 foram abertos 25 processos com base na LSN. Esses processos incluem nomes como Felipe Neto, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara.

O projeto aprovado na Câmara dos Deputados, ainda a ser discutido e aprovado no Senado, tipifica no Código Penal diversos crimes contra o “Estado Democrático de Direito”, como atentado à soberania do país, espionagem, golpe de estado, interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa, sabotagem e atentado ao direito de manifestação.

Por outro lado, o projeto também define que não se enquadram como crimes contra o Estado Democrático de Direito manifestações como protestos, passeatas, greves e nem a atividade jornalística. O projeto também estabelece que fica proibido impedir, com violência ou ameaça grave, o exercício pacífico e livre de manifestação de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, órgãos de classe ou demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos.

Contudo, não há qualquer garantia de que os movimentos sociais e a esquerda não serão perseguidos. Pelo contrário, a projeto aprovado aponta como crime, entre outras coisas, a insurreição, definindo como tentativa, “com emprego de grave ameaça ou violência, [de] impedir ou dificultar o exercício do poder legitimamente constituído, ou alterar a ordem constitucional estabelecida”. O projeto também tipifica a conspiração, apontando como associação, de “duas ou mais pessoas, para a prática de insurreição ou de golpe de estado”. No item sobre terrorismo, descreve como crime:

“apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos, aeroportos estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população”.

Esses e outros elementos passam da revogada LSN para o Código Penal, podendo ser manejado por governos e pela burguesia conforme suas necessidades, prevendo a criminalização de qualquer ação insurrecional ou revolucionária que coloque em risco a democracia burguesa.

O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados contrasta com o PL 7951/2014, que anistia os lutadores sociais criminalizados em todo o Brasil, construído pela Esquerda Marxista e apresentado por um conjunto de parlamentares do PT. Nessa proposta afirma-se:

“Enquadram-se nos critérios estabelecidos por esta Lei, todos os cidadãos e lideranças dos movimentos sociais, sindicais e estudantis que sofreram ou sofrem condenações, ações penais e inquéritos policiais cuja origem é a participação em greves, ocupações de fábricas, ocupações de terras, ocupações de escolas, manifestações e atividades públicas, assim como nas atividades daí decorrentes ou relacionadas”.

Essa proposta, que toma claramente o lado dos trabalhadores e procura garantir a defesa de suas lutas contra qualquer ação do Estado burguês, aponta sobre a LSN:

“Esta Lei revoga a Lei de Segurança Nacional – LSN (Lei nº 7.170/1983) e anula todos os processos criminais com base na LSN e seus efeitos”.

Contudo, o PL 7951/2014, que de fato expressa os interesses dos trabalhadores, segue parado no Congresso Nacional, enquanto o projeto que transfere as medidas repressivas da LSN para o Código Penal avança para a aprovação no Senado, com apoio inclusive de parlamentares pretensamente de esquerda. O deputado Leo de Brito (PT) teria afirmou, segundo matéria publicada no site nacional do partido:

“Nós não podemos ter mais esse verdadeiro entulho da época da ditadura militar vigorando e sendo utilizada para perseguir, sobretudo, inimigos políticos do atual presidente da República. Nós todos devemos considerar a defesa do Estado Democrático de Direito sagrada, e este Parlamento, que um dia já foi fechado, deve prezar por isso. Não vamos ter mais manifestações a favor de AI-5, da intervenção militar, da ditadura, porque o Brasil é uma grande democracia, e nós precisamos consolidá-la”.

Certamente foi o fortalecimento dessa “democracia” que inspirou o governo Dilma a sancionar a Lei Antiterrorismo, em 2016. Essa lei e outros mecanismos legais têm sido utilizados para perseguir e reprimir mobilizações dos trabalhadores, greves e movimentos sociais.

Embora os reformistas pretensamente de esquerda tentem colorir o projeto de lei que avança no Congresso Nacional, essa proposta é expressão da necessidade da democracia burguesa de garantir a estabilidade e o bom funcionamento do regime. Contudo, para que possa modernizar as formas de repressão, necessita substituir um dos mais criticados entulhos da ditadura, sem colocar em risco o regime burguês construído na Nova República. Essa democracia, cada vez mais instável por conta da crise econômica e política, procura formas de mudar apenas sua aparência, sem mexer, contudo, em seu conteúdo de classe e, principalmente, sem ameaçar a segurança da dominação burguesa.