O governo estadual sofreu uma momentânea mas importante derrota. Essa foi resultado de uma série de ações, entre reuniões, assembleias e atos. Esse movimento começou a partir dos polos do projeto Guri e posteriormente concentrados em SP, com grande participação dos estudantes da EMESP e trabalhadores de diversos segmentos e setores da cultura em São Paulo. Toda vitória, mesmo que parcial, deve ser comemorada. Mas essa vitória momentânea não garante nada. É preciso aprofundar o debate e combater as raízes do problema. Este artigo convida a aprofundar o debate!
O decreto de contingenciamento e a resistência
O governador do Estado de São Paulo, João Doria, na ânsia de mostrar eficiência quando o assunto é salvaguardar o lucro dos grandes banqueiros e empresários, credores da dívida pública, decretou o contingenciamento de 23% da verba destinada à Cultura. Essa seria a maior supressão de verba da história da pasta e teria como consequência imediata fechamento de equipamentos culturais, corpos estáveis e escolas de arte, bem como a demissão de professores, equipes técnicas e administrativas. Doria só não esperava a imensa mobilização assim que a notícia do corte viralizou na imprensa e nas redes sociais, por parte de estudantes, trabalhadores da cultura e de trabalhadores das mais diversas áreas que consideram o acesso à cultura como um direito. Pressionado pelas manifestações, primeiro voltou atrás no contingenciamento destinado ao Projeto Guri (litoral e interior), cuja direção já havia anunciado fechamento de polos por todo o estado e havia posto professores em aviso prévio. Depois de uma semana inteira de mobilizações, assembleias e grande agitação nas redes sociais, Doria se viu obrigado a recuar totalmente, anunciando que “nenhum serviço seria interrompido” e que o contingenciamento proposto teria sido “mal compreendido”.
Na verdade o que afastou o perigo imediato foi a pressão das mobilizações sobre a cúpula do governo paulista e as polêmicas respingando sobre Doria. Em reuniões com os representantes das OSs, as Organizações Sociais para quem é terceirizada a gestão dos serviços e equipamentos públicos, e diante dos próprios manifestantes, o secretário da Cultura e Economia Criativa, Sérgio Sá Leitão garantiu que irá descongelar a verba e que a existência dos equipamentos seria preservada. O perigo está realmente afastado? Não dá para acreditar. Em mais de vinte anos de governos do PSDB no estado de São Paulo, cortes, precarização e privatização da Cultura têm sido um projeto. Basta lembrarmos também da Reorganização Escolar de Alckmin que enfrentou o levante dos secundaristas e as ocupações de escola. Após ter sido obrigado a recuar, o ex-governador arremeteu na surdina, promovendo o fechamento de escolas e o inchaço em salas de aula em um momento mais propício e com menos comoção popular. O recuo de Doria é uma vitória importante dessas mobilizações que têm se aperfeiçoado a cada ameaça real nos últimos anos; quanto maior o ataque, mais acirrados os confrontos ficam.
Atos, assembleias e mobilizações na EMESP
Uma das OSs que seria mais atingida pelo contingenciamento seria a Santa Marcelina Cultura, responsável pela gestão da Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP-Tom Jobim) e grupos de difusão, Theatro São Pedro e Orquestra, além do Guri que atende a Grande São Paulo. Demissões em massa, fechamento de vagas de ensino, o desastroso fechamento do Theatro São Pedro e a extinção de sua orquestra de ópera seriam as consequências imediatas. No caso da EMESP, o número de vagas para aluno sofreu uma importante diminuição nestes últimos anos. Considerado um dos melhores conservatórios de música, popular e erudita, do Brasil e da América Latina, com um corpo docente e coordenação pedagógica renomado pela sua notória excelência, têm um processo seletivo muito concorrido. As poucas vagas são disputadas por concorrentes de todo Brasil e de outros países também. O fato é que há dez anos a EMESP vêm sofrendo com o corte e congelamento de verbas, com um orçamento real que corresponde a metade do valor do primeiro contrato de concessão. As várias crises destes anos todos também impulsionaram um movimento majoritariamente dos estudantes, com a participação de seus professores, em defesa da escola. A cada crise a combatividade têm crescido cada vez mais, no sentido de que esse recuo de Doria é uma importante vitória desses jovens que estão aprendendo a lidar com os ataques do governo e, principalmente, a revidá-los.
Desde que o anúncio do congelamento foi publicizado nos diversos meios de comunicação, foram realizados assembleias e atos de professores, pais e estudantes. Uma das assembleias, ocorrida no saguão da escola no último dia 4, aprovou sair em ato até a Secretaria da Cultura e Economia Criativa. O governo que já havia acusado o golpe, recuando na destruição do Guri estadual, recebeu uma comissão de estudantes e professores que deixou claro aos altos funcionários da Cultura que não arredariam pé da luta, senão com a revogação total dos ataques. A mobilização teve sequência no domingo com uma grande passeata que saiu do vão livre do MASP em direção ao Museu Afro Brasil no Ibirapuera que também teve grande repercussão na mídia. Na última quarta-feira (10/04), depois de reuniões com Sá Leitão, Doria anunciou em um de seus famosos vídeos, que iria voltar atrás e que o decreto de contingenciamento de verba havia sido um erro de avaliação da equipe técnica da Secretaria de Estado da Fazenda. Mesmo assim, um ato que teve concentração na sede da Companhia de Teatro do Container, na Luz, se juntou aos estudantes e professores da EMESP e marchou até a secretaria para cobrar uma posição definitiva do governo, obrigando Sérgio Sá Leitão a dar as caras e reafirmar o recuo no carro de som que acompanhava o ato, diante dos manifestantes.
O papel do SATED-SP
Apesar da combatividade dos estudantes da EMESP, bem como da maioria dos trabalhadores e jovens presentes, o ato foi dirigido principalmente pelo SATED, que estava ao microfone e dava um tom absolutamente despolitizado à atividade. Isso teve como ápice a “permissão” para que o Secretário de Cultura, mesmo após fazer uso da fala num longo discurso de exaltação, respondesse à perguntas(!) dos manifestantes. Sim, ao invés de falas políticas que expressassem claramente o combate, diversos “representantes” fizeram falas com perguntas! A cada curta pergunta era dado um longo tempo para que o Secretário falasse ao público. De um ato de combate, o presidente do SATED-SP, Dorberto Carvalho, conseguiu converter em um palanque para o governo. Em vez de uma verdadeira assembleia de balanço, análise da situação, com a deliberação de novos passos, o ato foi dissolvido após virar palanque para Sá Leitão. O programa contido nas falas destes representantes, de forma geral, com raras exceções, era absolutamente estranho ao próprio movimento. Foram feitas diversas reivindicações como a criação de um conselho estadual de cultura (reivindicação atendida, à sua maneira, é claro, por Doria), à vaga exigência de políticas estruturantes, ao aumento da dotação orçamentária para 1% ou 2%. Pouco falou-se do que realmente é central e realmente importante. Não se trata de buscar dinheiro arrancando 1 ou 2% de outras pastas (como saúde, educação, esporte, etc, onde também falta dinheiro) mas de lutar pelo dinheiro que o governo gasta enchendo os bolsos dos banqueiros, além de reverter o processo de privatização do setor. Sobre isso, o SATED não pronuncia uma palavra.
O que fazer para derrotar Doria e, de fato, defender a Cultura
Mesmo com essa vitória os estudantes e trabalhadores da EMESP começam a compreender que para evitar novas ameaças é preciso uma mobilização permanente. No caso da EMESP, a preparação para o enfrentamento aos futuros ataques passa pelo fortalecimento do grêmio estudantil sob bases democráticas, uma maior conexão com os movimentos em defesa da Cultura já existentes e com todo conjunto dos trabalhadores em luta, já que a precarização da Cultura expressa também a retirada de um direito de toda a classe trabalhadora.
Importante também é apartar o movimento da participação das direções das OS(s), que são entidades patronais. Durante seguidas gestões da Secretaria de Cultura, houve grande sucateamento na estrutura e serviços, como forma de abrir caminho à privatização da prestação do serviço, com a entrega da gestão à O.S. Santa Marcelina. Como ocorreu em diversos setores da economia e serviços públicos brasileiros, o sucateamento foi utilizado para justificar perante a opinião pública a venda, a preço de banana, de muitas empresas ou a concessão de diversos serviços. As custas do atendimento das necessidades básicas da classe trabalhadora, governo atrás de governo, concederam à iniciativa privada grande parte de nosso patrimônio público, entregando junto direitos valiosíssimos e conquistados à custa de muita luta.
É necessário compreender que esse modelo de gestão público/privada representa claramente a privatização do setor da Cultura, onde o governo entrega o dinheiro público diretamente nas mãos de entidades privadas, que embora se apresentem como entidades sem fins lucrativos e de interesse social, funcionam tal qual quaisquer entidades privadas, cujos dirigentes não são eleitos e não têm mandato da classe trabalhadora. O direcionamento dos recursos atende a interesses privados e permite que muitos encham seus bolsos, enquanto os serviços seguem sendo precarizados.
Para defender o conjunto dos projetos e equipamentos culturais ameaçados, bem como para avançar na luta pelo direito do conjunto da classe trabalhadora acessar o patrimônio cultural construído durante a história da humanidade, é preciso reverter o processo de terceirização e privatização. É preciso lutar para que os recursos, tanto na União quanto nos estados, que são repassados diretamente para especuladores através da sangria da impagável e absolutamente injusta dívida pública (quase metade de tudo que se arrecada) seja revertido para os serviços públicos, o que inclui a cultura.
O mesmo argumento do rombo nas contas públicas, alegado por Doria para cortar na cultura, é o argumento de Bolsonaro para acabar com a aposentadoria com sua nefasta proposta de reforma. Mas nunca falta dinheiro para os banqueiros e especuladores.
É preciso que movimentos como este em SP sirvam como um degrau, um passo para a construção de uma grande mobilização em nível nacional para derrotar estes ataques, em especial a Reforma da Previdência, e para varrer estes lacaios do poder. Cada vez mais a classe trabalhadora e a juventude entende que é chegada a hora de combater, antes que acabem com tudo!
Fora Doria! Fora Bolsonaro!