Nas últimas semanas, dois acontecimentos chamaram a atenção para a crise na extrema direita da Europa. Uma delas foi o julgamento de membros do Aurora Dourada, da Grécia, que funcionava como uma organização criminosa. O outro acontecimento foi a derrota eleitoral do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) nas eleições regionais de Viena.
Na eleição em Viena, o Partido Socialdemocrata da Áustria (SPÖ) melhorou ligeiramente a sua votação, obtendo 41,6% dos votos, que lhe garantiram 46 lugares no parlamento, contra 39,6% e 44 em 2015. O Partido Popular Austríaco (ÖVP), de direita, conseguiu 20,4% dos votos e 22 eleitos, quando, há cinco anos, havia obtido 9,2% e 7 deputados. Os Verdes (GRÜNE) também registraram um aumento, tendo obtido 14,8% dos votos e 16 mandatos, quando, em 2015, conseguiram 11,8% e 10 parlamentares.
Em grande medida essas forças políticas se beneficiaram da queda da extrema-direita, que se apresentou dividida na eleição. O FPÖ caiu de segunda para quinta força política, obtendo 7,1% dos votos e 8 mandatos, quando, em 2015, chegaram aos 30,8% e 34 lugares. O Aliança pela Áustria (Team HC Strache – Allianz für Österreich), dissidência do FPÖ, não foi além de 3,3% dos votos, abaixo dos 5% exigidos para obter a representação parlamentar.
O FPÖ foi fundado em 1956 como um agrupamento que mantinha estreitas relações com os nazistas. Seus dois primeiros presidentes, Anton Reinthaller (1956-58) e Friedrich Peter (1958-78), foram oficiais da milícia paramilitar nazista Schutzstaffel (SS). O partido cresceu nos anos recentes em grande medida mantendo um discurso anti-imigração.
Nas eleições de 2015, o FPÖ encontrava-se em alta em toda a Áustria, tendo conseguido tornar-se a segunda força política, enquanto os socialdemocratas obtinham um dos piores resultados de sua história. Nesse processo foi formada, em Viena, uma coligação entre o SPÖ e os Verdes (em eleições anteriores os socialdemocratas obtinham maioria no parlamento sem precisar recorrer a alianças). Em âmbito nacional, na época o governo era formado pela coligação entre o conservador ÖVP e o FPÖ.
Em 2019, pouco antes das eleições para o Parlamento Europeu, estourou o escândalo conhecido como “Ibizagate”. Um vídeo mostra Heinz-Christian Strache, então líder do FPÖ, e Johann Gudenus, também membro do partido, em Ibiza, prometendo acesso aos contratos públicos na Áustria para uma mulher que dizia ser sobrinha de um oligarca russo, Igor Makarov. O fato aconteceu em 2017. O escândalo levou à ruptura da coligação governamental nacional e a eleições antecipadas. Nesse processo, o FPÖ perdeu grande parte do seu espaço eleitoral e Strache fundou seu próprio partido.
Na Grécia, depois de cinco anos de julgamento, foram condenados vários dos membros do Aurora Dourada por liderarem ou participarem de uma organização agora considerada criminosa. Os 68 réus incluíam 18 ex-deputados do partido, fundado na década de 1980 como uma organização neonazista.
O Aurora Dourada chegou a se tornar a terceira maior força política da Grécia. Nikos Michaloliakos, fundador do partido, é um admirador do nazismo e negacionista do Holocausto, chegando a saudar Adolf Hitler em comícios do partido. O Aurora Dourada nega ser um movimento neonazista, mas o seu emblema lembra uma suástica.
Enquanto ocorria o julgamento dos líderes do Aurora Dourada, cerca de 15 mil pessoas aguardavam a decisão em frente ao tribunal, com faixas onde se liam frases como “Eles não são inocentes” ou “O fascismo não é uma opinião, é um crime”. Cerca de dois mil policiais estavam no local e usaram gás lacrimogêneo contra a multidão.
A decisão judicial baseia-se em alguns casos, como o do assassinato do rapper e ativista de esquerda Pavlos Fyssas, esfaqueado até a morte na noite de 18 de setembro de 2013, aos 34 anos. O assassino, um dos líderes do Aurora Dourada, Yorgos Roupakias, admitiu o crime durante o julgamento.
Os réus do julgamento também foram condenados por ataques violentos contra migrantes e oponentes políticos de esquerda. Cinco membros do Aurora Dourada foram condenados por tentativa de assassinato de pescadores egípcios e quatro por tentativa de assassinato de ativistas comunistas.
Além de Mijaloliakos, outros seis membros do partido foram considerados culpados de liderar uma organização criminosa. A investigação preliminar indicou que o partido operava como um grupo paramilitar, com ordens transmitidas pela liderança do partido a organizações de bairro e a gangues que realizaram ataques violentos a migrantes.
Diante desses fatos ocorridos na Áustria e na Grécia é possível perceber que há uma perda de espaço por parte dessas organizações de extrema direita dentro das instituições do Estado. O crescimento de ambas as legendas se deu em contextos de polarização e intensas lutas dos trabalhadores, em que a burguesia precisava fazer uso de todos os meios possíveis, fosse a cooptação da esquerda reformista ou a ação de organizações fascistas.
Na Grécia o Aurora Dourada teve seu crescimento diante da crise do governo do PASOK, em 2012. O PASOK, que durante décadas foi o principal partido de esquerda do país, aplicou, com o apoio ou mesmo em aliança com o partido de direita Nova Democracia, o pacote de austeridade exigido pela União Europeia. Os ataques do governo levaram a um processo de lutas, no qual cresceu o peso político, tanto do Syriza e do Partido Comunista Grego, à esquerda, como do Aurora Dourada, à direita.
O último recurso da burguesia foi o governo do Syriza que, apesar de se apresentar como um partido mais à esquerda, aplicou o programa de interesse da União Europeia. Nesse governo, o processo de estabilização política fez com que a burguesia voltasse a optar nas eleições por seus representantes diretos, expresso na Nova Democracia. Na eleição de 2019, esse partido teve uma votação esmagadora, passando de 75 para 158 parlamentares, crescendo principalmente sobre o eleitorado do Aurora Dourada. Este partido que até então tinha 18 parlamentes, não conseguiu eleger nenhum nas eleições de 2019.
Em toda a sua história, o Aurora Dourada cumpriu o papel de coibir as ações dos trabalhadores por meio da coerção e da violência. Quando seus serviços não foram mais necessários, a própria burguesia passou à ofensiva para impedir suas ações. O mesmo ocorre na Áustria, em menor grau, com os partidos tradicionais da burguesia crescendo eleitoralmente, justamente no espaço antes ocupado pela extrema direita.
Certamente, a perda de espaço dessas organizações é motivo a ser comemorado pelos trabalhadores. Qualquer ação que enfraqueça manifestações do fascismo deve ser levada a cabo, ainda que as mais importantes sejam aquelas que têm o protagonismo da classe trabalhadora em luta. Nesse sentido, o processo em curso na Áustria e na Grécia mostra também as ações conscientes da burguesia no sentido de buscar encontrar formas de manter a estabilidade do regime e a manutenção do capitalismo sem precisar fazer uso dessas forças da extrema direita.
Os trabalhadores precisam ter claro que a perda de espaço eleitoral ou a criminalização de lideranças são apenas movimentações conjunturais, que não eliminam o inimigo, que pode voltar a ser uma ferramenta da burguesia. Seja na eleição de Viena ou no julgamento em Atenas, a principal lição passa pela necessidade de que os trabalhadores construam suas próprias organizações, no sentido de garantir, tanto sua autodefesa diante dos bandos fascistas, como alternativas políticas que se coloquem para além da ordem burguesa.