Da carta de felicitação a Angela Merkel até a visita de embaixadores europeus ao jornal matutino Página 7, passando pelo bate-papo com o diplomata estadunidense Brennan e a condecoração ao ditador da Guiné Equatorial, Obiang. Toda a mais recente política exterior do governo de Evo Morales está marcada não somente pela ingerência imperialista a que nos opomos ativamente e denunciamos, mas também por um sempre torpe oportunismo que favorece essa mesma ingerência.
Talvez um dos casos mais emblemáticos disto seja o das relações do governo do MAS[1] com a Alemanha. No início deste ano, Evo Morales, pessoalmente, agradeceu o interesse alemão no financiamento da ferrovia bioceânica, comprometendo-se a revisar as normas bolivianas sobre investimento estrangeiro, observadas pelos empresários alemãs que chegaram à Bolívia com o vice-ministro de transporte do governo europeu para expressar sua vontade de ser parte da execução deste projeto milionário.
Sucessivamente, de maneira gratuita e com vistas ao debate interno sobre sua eventual reeleição, Evo Morales parabenizou publicamente a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, por seu enésimo triunfo eleitoral, desejando-a “seguir construindo uma república mais próspera, justa e solidária”. Palavras que são um soco no estômago dos milhões de trabalhadores europeus, migrantes e refugiados, todos vítimas da Europa do capital financeiro, nem justa, nem solidária e sempre menos próspera, que tem em Merkel sua mais firme defensora.
Apesar disso, o embaixador alemão na Bolívia, juntamente aos da Suécia, Reino Unido e União Europeia, protagonizaram, há algumas semanas, uma singular visita ao jornal matutino Página 7, mostrando o país ao mundo inteiro como um dos que violam a liberdade de expressão. É um ato deliberadamente hostil que transpira hipocrisia imperialista por todos os poros e como tal o denunciamos. Entretanto, a reação do governo boliviano não foi além de umas tuitadas de protesto de Evo Morales. Nem se quer convocaram a estes embaixadores para que expliquem seu ato, que era o mínimo a se esperar de qualquer governo.
A tolerância para com a iniciativa destes embaixadores europeus reduz a credibilidade à já débil polêmica contra o ex-encarregado de negócios dos Estados Unidos, Peter Brennan, ameaçado de expulsão, apesar de já haver terminado suas funções, por ter se reunido com Carlos Mesa e outros líderes políticos da oposição.
Por último, a repugnante condecoração a Obiang, um dos piores e mais corruptos ditadores da África. As piadas de Evo, pedindo a esta tétrica figura da política africana o segredo para permanecer no poder por mais de 30 anos, são outro duro golpe ao movimento revolucionário mundial e da África, onde Obiang usou a condecoração recebida para se apresentar como “progressista”.
Obiang se mantem no poder com fraudes, repressão e tortura, enquanto acumula uma fortuna pessoal estimada em mais de US$600 milhões, potencialmente entre os mais ricos da África, em um país, Guiné Equatorial, onde 60% da população vivem em condição de pobreza.
Pior que a adulação de Evo a esse ditador é o escândalo da oposição. Obiang soma outra condecoração que lhe outorgou a coroa espanhola, tradicional aliada de seu regime. Mas isto não impede lideranças opositoras como o governador de Santa Cruz de la Sierra, Rubén Costas, de considerar o governo espanhol democrático e de se colocar contra o direito à autodeterminação dos catalãs. De maneira lamentável e quase paradoxal, o próprio MAS está com o governo de Madri contra o direito de decisão dos catalãs, chegando a se inventar uma polêmica com Rubén Costas sobre este assunto.
Nas celebrações do centenário da Revolução Russa, organizadas pela Vice-Presidência, que nos comprometemos a analisar mais detalhadamente numa outra oportunidade, García Linera levantava o problema de como estender um processo revolucionário a outros países para garantir seu triunfo final. O oportunismo de seu governo na política exterior é a listagem de tudo o que não se deve fazer para tal fim.
Evo Morales e o MAS padecem do mesmo mal que historicamente condenou o nacionalismo pequeno-burguês ao fracasso: acreditar que a soberania nacional é o meio para chegar a condições mais justas de desenvolvimento quando, na realidade, trata-se de um fim que pode ser conseguido somente rompendo com o capitalismo. Só nacionalizando as principais alavancas da economia sob a administração democrática dos trabalhadores e camponeses pode-se entusiasmar o povo pobre e trabalhador e conduzir sua luta à luta dos explorados do mundo.
A falta de escrúpulos na política internacional cobra sempre sua fatura como no caso citado das relações com a Alemanha. O anti-imperialismo que defendemos é uma mudança ao de Mariátegui e da classe trabalhadora internacional. Como disse o marxista peruano:
Somos anti-imperialistas porque somos marxistas, porque somos revolucionários, porque opomos ao capitalismo o socialismo como sistema antagônico, chamado a sucedê-lo, porque na luta contra os imperialismos estrangeiros cumprimos nossos deveres de solidariedade com as massas revolucionárias da Europa.
Artigo do Lucha de Clases, seção boliviana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “¡No injerencias imperialistas! ¡Basta de oportunismo!”, publicado em 26 de novembro de 2017.
Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira
[1] Movimiento al Socialismo – Instrumento Político por la Soberanía de los Pueblos (Movimento ao Socialismo – Instrumento Político pela Soberania dos Povos), partido de Evo Morales, fundado em 1998 (Nota do Tradutor – N.T.).