Imagem: Flickr Broadbent Institute
Imagem: Flickr Broadbent Institute

Canadá: Trudeau renuncia, mas a crise continua

08 de janeiro de 2025

Depois de governar o Canadá por nove anos, o governo de Trudeau entrou em colapso. Para explicar esses eventos, estamos publicando dois artigos escritos por Joel Bergman.

O primeiro aborda a queda de Trudeau, bem como suas implicações para o capitalismo canadense e para a luta de classes. O segundo, que foi escrito em dezembro do ano passado, oferece uma análise mais aprofundada dos processos na raiz da crise do liberalismo canadense.

[Originalmente publicado em marxist.ca em 7 de janeiro de 2025]

Justin Trudeau, o atribulado primeiro-ministro do Canadá, finalmente renunciou. Além disso, ele prorrogou o parlamento até 24 de março enquanto o partido liberal encontra um novo líder. Mas a renúncia de Trudeau não resolverá nada. Este é apenas o episódio mais recente da crise do liberalismo.

A crise do liberalismo, a ideologia de escolha da burguesia, é mais profunda que a crise de um só homem. Em todo o mundo ocidental, da França à América e agora ao Canadá, liberais como Macron, Biden e Trudeau adotaram vestimentas “progressistas”. Eles se apresentaram como campeões das mulheres e das minorias, protetores do meio ambiente etc. Enquanto isso, a crise do sistema capitalista esmagava as condições de vida da classe trabalhadora.

Na melhor das hipóteses, eles nada fizeram para resolver os problemas urgentes enfrentados pelas massas. Na pior das hipóteses, eles atacaram abertamente os trabalhadores, como tirar-lhes o direito de greve como fizeram Trudeau e Biden, ou reduzir-lhes as pensões, como o fez Macron. E nenhuma de suas nomeações simbólicas ou declarações performáticas fez qualquer coisa para acabar com o racismo ou o sexismo que corre solto em nossa sociedade, encorajados pela força da extrema direita.

O fracasso dos liberais se reflete no fato de que a economia canadense está oscilando à beira da recessão, a produtividade do trabalho está diminuindo e o desemprego está no nível mais alto dos últimos oito anos! E as políticas do governo duplicaram a dívida federal, limitando o espaço de manobra para qualquer futuro primeiro-ministro. Quem quer que substitua Trudeau estará diante de uma situação completamente desesperada.

Se isso não fosse ruim o suficiente, em apenas duas semanas, o rebelde protecionista Donald Trump assume a presidência ao sul da fronteira. Mais encorajado do que nunca, Trump 2.0 já está produzindo ondas, ameaçando tarifas de 25% contra exportações canadenses para os EUA e fazendo repetidas provocações sobre a anexação do Canadá. Se Trump seguir adiante com suas tarifas, isso levaria o Canadá violentamente à recessão e centenas de milhares, se não milhões, de empregos seriam perdidos.

Esta é a situação que um futuro governo canadense enfrentará. Embora pareça que o populista de direita Pierre Poilievre vencerá facilmente a eleição, seria um erro pensar que ele conseguiria manter qualquer apoio por muito tempo. Com a economia em péssima situação, com a enorme dívida do governo e com as tarifas ameaçadoras de Trump, um governo Poilievre teria muito pouco espaço para cometer erros.

Há uma forte pressão dos capitalistas para cortar gastos sociais, diminuir impostos corporativos, cortar regulamentações e reduzir a dívida inflada. Além de falar sobre acabar com o imposto sobre o carbono e reduzir as regulamentações ambientais, Poilievre tem sido vago sobre se irá ou não implementar as principais medidas drásticas exigidas pela burguesia.

Na verdade, ele remodelou o Partido Conservador transformando-o em uma força populista de direita que, à semelhança de Trump, vem cortejando os sindicatos e falando com a classe trabalhadora. Portanto, não é nenhuma surpresa que ele lidere entre os trabalhadores sindicalizados e os jovens. Isso é algo que seria inaudito antes de Poilievre assumir as rédeas do partido.

Ele criou grandes ilusões entre setores da classe trabalhadora e da juventude ao prometer que seria uma espécie de salvador. Mas os milhões de canadenses que querem votar em Poilievre estão prestes a ter um rude despertar.

Poilievre, assim como Justin Trudeau, não tem solução para a crise do sistema capitalista e, portanto, sua marca de conservadorismo populista está destinada a seguir o mesmo caminho que Trudeau — a lata de lixo. Se ele tentar fazer o que os capitalistas estão pedindo, seu governo será imediatamente odiado. Se ele não o fizer e continuar a produzir déficits como Trudeau, ele só piorará a situação e não mais será visto como diferente.

Não se enganem, um governo Poilievre será um governo de crise. Eles não terão uma longa lua de mel como Trudeau teve, pois a situação que enfrentarão é muito pior em todos os aspectos e eles têm muito menos espaço para manobrar. Poilievre provavelmente está passando por uma quantidade imensa de estresse só de pensar em chegar ao poder nessas circunstâncias.

2025 será um ponto de virada fundamental na política canadense. O liberalismo, que tem sido o milagre salvador da burguesia, é uma ideologia destroçada. Todo o establishment liberal é odiado e deve ser varrido para o lado.

A queda dos liberais inaugura uma nova era de crise e instabilidade para o Canadá. E nenhum dos principais partidos oferece qualquer solução. Até mesmo o Novo Partido Democrático (NDP), que deveria ser um partido socialista conectado ao movimento trabalhista, capitulou repetidamente à agenda capitalista.

Com a situação se deteriorando e sem nenhum partido com capacidade para oferecer uma saída, batalhas de classe em massa e até mesmo a revolução se tornarão possibilidades reais no próximo período. A classe trabalhadora deve se organizar. Devemos nos preparar para este período turbulento no horizonte.

É por isso que estamos construindo o Partido Comunista Revolucionário – para organizar a classe trabalhadora para lutar contra este sistema capitalista podre. Então junte-se a nós – e vamos ter um 2025 revolucionário!

[Originalmente publicado em marxist.ca em 19 de dezembro de 2024]

Chrystia Freeland, a segunda no comando de Trudeau, renunciou ao gabinete. Isso aprofundou a crise governamental em um momento em que a economia oscila à beira da recessão e a ameaça de Donald Trump paira no horizonte.

Antes de sua renúncia, circularam rumores de que Freeland e Trudeau entraram em conflito sobre o feriado do GST (uma redução temporária de impostos) e o reembolso de US$ 250 do governo. Em sua carta de renúncia, Freeland criticou os “dispendiosos truques políticos” de Trudeau, argumentando que em troca precisavam manter sua “pólvora fiscal seca” diante do “nacionalismo econômico agressivo” de Trump.

A estratégia de Trudeau de tentar apaziguar Trump parece ter saído pela culatra, com Trump dobrando sua ameaça de impor uma tarifa de 25% sobre todos os produtos canadenses que entram nos EUA, enquanto adiciona insulto à injúria ao brincar sobre tornar o Canadá o “51º estado”.

Com o governo em crise e com a ameaça de Trump pairando no ar, as coisas estão caminhando para o desastre.

Após a renúncia de Freeland, os pedidos para que Trudeau renuncie se multiplicaram, com um parlamentar liberal alegando que um terço dos 153 parlamentares liberais agora querem que Trudeau vá embora. Até mesmo o firmemente liberal Toronto Star, o jornal mais lido no Canadá, está pedindo que ele renuncie.

Agora, tanto os conservadores quanto o Bloc Quebecois estão pedindo que Trudeau dissolva o parlamento e convoque uma eleição antecipada. Mas, de acordo com as pesquisas, se as eleições fossem realizadas agora, os liberais perderiam acima de 100 assentos. Prenunciando uma eleição futura, no mesmo dia em que Freeland renunciou, os liberais foram massacrados em uma eleição suplementar na Colúmbia Britânica, perdendo o assento para os conservadores, que ganharam 66% dos votos. Portanto, os liberais estão resistindo a uma eleição geral com todas as suas forças.

Sobre a cabeça dos liberais paira a ameaça iminente de um voto de desconfiança no governo, que agora quase certamente acontecerá na primeira oportunidade. A única coisa que pode ajudá-los a evitar isso é a continuidade do apoio do Novo Partido Democrático (NDP). Mas o apego desesperado do NDP aos liberais se tornou cada vez mais ridículo e está reduzindo-lhes o apoio também nas pesquisas.

No entanto, Jagmeet Singh parece imune à lógica da situação. Em resposta à renúncia de Freeland, o líder do NDP, Jagmeet Singh, recusou-se a esclarecer se apoiaria o governo ou não, repetindo como um robô: “Todas as ferramentas, todas as opções estão na mesa”.

Isso forçou um repórter a informar ao Sr. Singh sobre a realidade da situação: “Senhor, a sala atrás de você é um parlamento. O governo continua a governar enquanto os parlamentares continuarem a ter confiança no governo. Você não tem voz para dizer quem é o líder do partido Liberal. Você apoiará o governo ou está retirando seu apoio ao governo?”

Sem se abalar, Singh repetiu o mesmo ponto: “Com relação a isso, eu disse que todas as opções estão na mesa.”

Quando Trudeau chegou ao poder em 2015, ele prometeu “caminhos ensolarados”. Mas nove anos depois, o sol foi encoberto por nuvens escuras. A eleição de Donald Trump acelera enormemente os desenvolvimentos que estão virando de cabeça para baixo toda a dinâmica política que governou o país nos últimos nove anos.

O que está claro é que Trudeau acabou e este governo cairá, de uma forma ou de outra. O NDP não pode sustentar o governo para sempre e quanto mais tempo o fizer, mais desacreditado ficará. Assim como eles foram forçados a cancelar o acordo de apoio e confiança, mais cedo ou mais tarde eles serão forçados a derrubar o governo.

Parece quase inevitável que os conservadores ganhem facilmente um governo majoritário em qualquer eleição futura. No entanto, seria incorreto pensar que este seria um governo estável. Pelo contrário. Pierre Poilievre se veria imediatamente confrontado com uma crise massiva em todos os níveis: uma economia na sarjeta, uma crise da dívida pública e uma guerra comercial com os EUA.

Para piorar, a classe trabalhadora está furiosa por anos de traição e de queda nos padrões de vida sob os liberais com Trudeau. Milhões de pessoas têm ilusões de que Poilievre vai melhorar suas vidas. E Poilievre prometeu a lua, mas ele não conseguirá cumprir a promessa.

Falando sobre como combater Trump, Poilievre prometeu “combater fogo com fogo”. No entanto, essas parecem ser palavras vãs, pois ele se deteve antes de propor quaisquer tarifas de combate. O capitalismo canadense é um peixe pequeno em um lago enorme e não pode esperar enfrentar o gigantesco tubarão dos EUA. Isso explica a abordagem moderada de Trudeau a Trump desta vez e porque todos os líderes políticos, da chamada esquerda ou direita, estão se esforçando para atender às demandas de Trump de aumento do policiamento na fronteira.

Embora Trump não tenha criado a crise atual, ele certamente acelerou enormemente os desenvolvimentos e está empurrando a situação para a frente. Os políticos canadenses não podem mais evitar que terão de lidar com a crise.

Freeland, em sua carta de demissão, sugeriu que eles precisavam “lutar por capital e investimento”. Como a economia canadense vem perdendo terreno para os Estados Unidos, as pressões por medidas sérias para quebrar barreiras ao investimento de capital só ficaram mais elevadas. Poilievre propõe “cortar impostos e liberar a livre iniciativa”. Mas, dada a inflada dívida federal, a única maneira de fazer isso seria embarcar em um programa brutal de cortes nos gastos sociais, demissões no setor público e mais ataques aos sindicatos.

O que isso significa é que, no longo prazo, o modelo social-democrata canadense não é mais sustentável e que os futuros governos estarão sob pressão crescente para atacar todos os ganhos que a classe trabalhadora obteve no período pós-guerra.

No entanto, é mais fácil falar do que fazer. Poilievre não está fazendo campanha para atacar os sindicatos, cortar programas sociais e demitir trabalhadores do setor público. Se ele embarcasse nessa direção, milhões de pessoas se sentiriam imediatamente traídas. Longe de se apresentar como antissindical, Poilievre prometeu que não aprovará nenhuma lei antissindical se for eleito. Os sindicatos já estão furiosos depois de terem o direito de greve consistentemente violado pelo governo Trudeau e se Poilievre tentar atacar os sindicatos, qualquer apoio que ele tenha entre os trabalhadores sindicalizados será substituído pelo rancor.

Aconteça o que acontecer, o Canadá está caminhando para a crise, instabilidade e guerra de classes. Não há como evitar isso – a única coisa que podemos fazer é nos preparar. É exatamente isso que o recém-fundado Partido Comunista Revolucionário está fazendo.

TRADUÇÃO: FABIANO LEITE.