Chile: fim da greve do cobre e mobilização massiva contra os planos privados de previdência

Depois de 43 dias de greve na maior mina de cobre do mundo, Minera Escondida no Chile, os trabalhadores decidiram pela volta ao trabalho com uma prorrogação da atual convenção, mantendo, assim, todas as condições e benefícios que a empresa queria destruir.

Com uma atitude patronal intransigente, depois de 43 dias, terminou a importante greve mantida pelo primeiro Sindicato dos Trabalhadores da Minera Escondida. A empresa concentrava o conteúdo de sua oferta em volta dos salários e o abono de término de conflito, mas continuava em sua intenção de tirar benefícios (como plano de saúde) para trabalhadores novos. Esta questão foi majoritariamente rejeitada pelos mineiros, os quais, mostraram uma unidade exemplar e clara consciência de classe, declaram:

“Confirmando que o objetivo empresarial desta negociação foi, desde o começo, a precarização das condições dos trabalhadores, é que, diante desta posição patronal intransigente e que se quer introduzir como um precedente nefasto – não somente para os trabalhadores de Escondida, mas para todos os trabalhadores do Chile – o diretório sindical comunicou à empresa que as conversações não tinham nenhuma possibilidade de alcançar um acordo, já que nunca estará disponível a renunciar a conquistas históricas dos trabalhadores, seja qual for o montante dos denominados abonos de término de negociação, pondo o Sindicato um fim às conversações”.

Na segunda-feira, 21 de março, mediante uma decisão discutida e ratificada unanimente em assembleias, dispuseram em usar de uma faculdade legal do Código do Trabalho. Invocando o artigo 369, prorrogou-se a vigência da convenção coletiva anterior por 18 meses. Desta maneira, contando desde 1º de fevereiro, fica fechada uma nova negociação para 1º de junho de 2018.

Com esta decisão, os trabalhadores perdem o abono de término de conflito e o pagamento dos dias de greve, além de não haver aumento salarial nestes 18 meses, mas em troca mantém todas as condições de trabalho e benefícios para os trabalhadores atuais e os que forem incorporados, além da nova negociação coletiva daqui a 18 meses iniciar-se tendo como piso mínimo 100% das atuais condições.

O poderoso sindicato da mina de cobre mais importante do mundo conquista uma vitória parcial que constitui um significativo precedente para a luta de classes no Chile e no setor de mineração internacional. Produziu-se um montante histórico de perdas para a empresa BHP Billiton[1], de mais de 1 bilhão de dólares, como já se advertia desde o começo. Os efeitos da redução na oferta foram notórios, somando à greve mantida pelos trabalhadores da mina de Cerro Verde no Peru, outro gigante produtor de cobre, e problemas com outra gigante em Grasberg, devido a restrições impostas pelo governo indonésio às exportações (Ambas nas mãos da mineradora Freeport-McMoran), o conflito produziu um momentâneo incremento do preço do cobre no mercado de minérios.

Como assinalávamos numa nota anterior[2], a situação central do cobre dentro da economia chilena lhe dá um caráter político que atravessa vários pontos conflitivos do clima social do país. Qualquer reivindicação social de importância se vê defronte da pergunta: de onde vão sair os recursos? E a resposta é clara na mente de todos: do cobre. A reivindicação histórica da nacionalização do cobre se vincula de maneira quase automática à demanda por educação gratuita e um sistema público de previdência.

Neste sentido, as mobilizações massivas de centenas de milhares seguem fazendo notícia. No domingo 26 de março, realizou-se uma jornada de mobilização nacional contra o sistema privado de previdência (AFP), convocada pela Coordenação Nacional de Trabalhadores NO+AFP (“Não Mais AFP” – N.T.). Segundo os organizadores, 800 mil pessoas marcharam somente em Santiago e, ao longo do país, manifestaram-se um total de 2 milhões de pessoas em 71 marchas diferentes[3]. Com antecedência já avisavam que seria “a maior marcha da história”, comparável somente com as marchas contra o ditador nos anos 1980.

O sistema privado de previdência implantado na ditadura e desenhado pelo então ministro do Trabalho, José Piñera, irmão do ex-presidente e empresário Sebastián Piñera (e, novamente, candidato presidencial), provoca a mais ampla rejeição da sociedade chilena. AS Administradoras de Fundos de Pensão investem o dinheiro que lhes “fornecem” os trabalhadores para depois privatizar os lucros, socializar as perdas e outorgar aposentadorias de fome. A aposentadoria média é de 208.000 pesos chilenos, que equivale a 320 dólares (o salário mínimo é de 264.000 pesos chilenos), existindo, por sua vez, uma importante diferença, igual ao mercado de trabalho, no trato discriminatório para as mulheres neste sistema.

Por outro lado, os oficiais das Forças Armadas recebem pensões acima de 1,5 milhão de pesos chilenos (2.255 dólares) e os suboficiais acima dos 550.000 pesos chilenos (827 dólares). Os militares foram o único setor que se manteve no antigo sistema fiscal de pensões vigente até 1980. Além disso, mediante a Lei do Cobre, modificada durante a ditadura, as Forças Armadas recebem 10% das vendas de cobre para o armamento e sua contabilidade era secreta até dezembro do ano passado. É este o prêmio que recebe por parte do Estado a instituição que a sague e fogo aplainou o caminho para a transformação neoliberal do país, para que as AFP suguem a vida dos trabalhadores e trabalhadoras do Chile.

A proposta elaborada pelo “Não Mais AFP” concebe um sistema de previdência de repartição solidário, tripartido, e administrado pelo Estado. Luis Mesina, dirigente sindical bancário e porta-voz da Coordenação “Não Mais AFP”, anunciou que exigiram a renúncia do Ministro da Fazenda, acusando seu papel em defesa das empresas. As marchas que já convocavam um massivo apoio há vários meses, dão uma mensagem clara para acabar com o sistema privado de previdência. Esta luta é vista, justamente, como uma luta para terminar de vez, não somente como o injusto sistema de previdência privado, mas também com os restos da ditadura de Pinochet. Como os mesmos capitalistas reconheceram, são os mesmos pilares do modelo de acumulação capitalista, herdado com a Constituição de 1980, os que estão postos em questão.

O ano começou com os imediatos anúncios de candidaturas presidenciais para as eleições que ocorrerão no fim do ano. Os trabalhadores da Minera Escondida deram um exemplo de unidade e luta. O povo falou forte e claramente no último domingo de março na marcha contra as AFP. Por outro lado, a CONFECH (Confederação de Estudantes do Chile), que aderiu à convocação da citada manifestação, já anunciou a primeira marcha do movimento estudantil deste ano, para o próximo dia 11 de abril. Juntamente com movimentos como Ni Una Menos (“Nem Uma a Menos” – N.T.) e “Não Mais AFP”, impulsionam a Coordenação de Movimentos Sociais com o objetivo de “enfrentar unidos e influenciar no ano eleitoral”.

Definitivamente o Chile vive, já há alguns anos, em um clima de convulsão social e descontentamento, que está começando a questionar todo o edifício da democracia burguesa limitada que sucedeu ao regime de Pinochet e às enormes desigualdades sociais e econômicas sobre as quais se assenta.

[1] Grande mineradora de capital anglo-australiano sócia da Vale na Samarco, mineradora responsável pelo desastre socioambiental sem precedentes na história em Mariana e em toda a bacia do Rio Doce em 2015, decorrente do rompimento de uma de suas barragens de rejeitos minerados, causando danos ambientais da ordem de R$ 20 milhões, matando vários moradores no Município de Mariana e deixando milhões de habitantes ao longo da bacia do Rio Doce sem água potável, além de causar sérios danos ambientais (Nota do Tradutor – N.T.).

[2] Vide o artigo Chile: Continua a greve por tempo indeterminado na maior mina de cobre do mundo! (<https://www.marxismo.org.br/content/chile-continua-a-greve-por-tempo-indeterminado-na-maior-mina-de-cobre-do-mundo/>), publicado em 21 de março de 2016 (N.T.).

[3] Segundo dados disponíveis no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Chile possui 8.855.069 habitantes; ou seja, cerca de um quarto da população participou da manifestação (N.T.).

Artigo publicado em Lucha de Clases, site da seção espanhola da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Chile: fin de la huelga del cobre y movilización masiva contra los planes privados de pensiones (AFPs)” (<>), em 30 de março de 2017.

Tradução de Nathan Belcavello