Material em que a CUT defende os fundos de pensão privados, já em 1995

A Reforma da Previdência e a segurança jurídica

Uma notícia interessante ficou guardada nos cantos dos jornais[i]: a MP 795, aprovada pela Câmara dos Deputados e esperando votação no Senado, perdoa 54 bilhões de débitos tributários existentes (11 bilhões foram pagos, o restante está sendo cobrado e as petroleiras não pagaram), levando a que o governo deva devolver 11 bilhões para as petroleiras, deixe de receber mais 43 bilhões e, finalmente, as empreiteiras ganharão uma isenção fiscal que pode chegar a um trilhão de reais em 10 ou 20 anos.

Mas a parte mais interessante da notícia é o motivo pelo qual as petroleiras defendem tal medida: “A assessoria do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) diz que a mudança é importante por dar ‘segurança jurídica’ às empresas petrolíferas….”

Esta justificativa é interessante. O governo fala num déficit que atingirá centenas de bilhões de dólares em 2060 para justificar a Reforma da Previdência. Com isso joga na “insegurança jurídica” milhões de brasileiros. Mas para as poucas petroleiras, a maioria estrangeiras (fora a Petrobras), é preciso dar uma “segurança” de mais de 1 trilhão de reais.

O presidente Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale declara para O Globo[ii]:

Passa credibilidade. Se por um acaso não for aprovada, fica comprometido novos investimentos no país. É importante que o Congresso e a sociedade tenham consciência disso. A reforma da Previdência irá dar resultados no longo prazo, pois, dará condições das pessoas que entrarem no mercado de trabalho agora se aposentarem no futuro. A confiança dos investidores estava melhorando com a aprovação do teto dos gastos públicos e da reforma Trabalhista e tem que ser mantido.

Credibilidade, segurança. Credibilidade que o atual presidente e o atual Congresso não tem. Que a imprensa burguesa, por mais que repita as mentiras mil vezes ao dia, não tem. Afinal, quer algo mais concreto que a “segurança” e a “credibilidade” que mais de mil professores, alguns com mais de 20 anos de casa tiveram, quando foram demitidos às vésperas do Natal e dentro de suas salas de aula pela Estácio de Sá?

Esse tema (credibilidade e segurança) aparece também nas entrevistas do Sr. Meirelles, ex-presidente do Bank of Boston, ex-presidente do Banco Central no governo Lula, ex-presidente do Conselho de Administração da JB&F (justamente no período em que esta cresceu com todas as práticas de compra de votos e parlamentares, expostas na sua delação premiada), atual Ministro da Fazenda. Meirelles declarou[iii]:

Meirelles destacou ainda que o problema da Previdência também está no seu efeito sobre as expectativas: se as pessoas começam a pensar que o Brasil não tem condições de pagar suas contas, há aumento de juros, da inflação e isso tem impacto na economia. “Temos que trabalhar para garantir que as pessoas, que todos os brasileiros acreditem que, de fato, o governo tem contas sustentáveis no futuro”.

Mas, afinal, qual a credibilidade e a segurança que estão sendo destacadas? Qual a sustentabilidade que estes senhores querem?

Para entender isso, para entender porque o governo vem clamando que a atual previdência tira dos pobres para dar aos ricos, é preciso entender o Brasil que eles querem que enxerguemos e o Brasil real que eles querem que esqueçamos.

No Brasil de Temer, a Previdência serve para os 10% mais “ricos”. E quais são estes 10% mais ricos? E como será o fim desta “injustiça”? Um estudo do Santander explica isso[iv]:

O crescimento econômico adicional potencialmente induzido pelo prolongamento do período ativo da população permitiria um efeito redistributivo indireto da reforma da Previdência. O Santander estima que esse prolongamento do período ativo dos brasileiros contribui para aumentar em 0,2 ponto percentual o potencial de expansão da economia, em relação à dinâmica esperada sem a reforma, ajudando a mitigar o efeito negativo que se esperaria da reversão do bônus demográfico.

Em outras palavras, em português e não em “economês”, o que o banco espanhol espera é que os brasileiros trabalhem mais para produzir mais para a burguesia. O banco sabe o que fala. Afinal, o mesmo teve um lucro em 2016 de 7,4 bilhões de reais, no momento em que o PIB caiu, o lucro dele aumentou.

Quem são os ricos?

Um estudo publicado na Folha de São Paulo mostra alguns dados interessantes dos que são realmente ricos no Brasil, o que ganham mais de 1 milhão de reais por ano (mais de 300 mil dólares por ano)[v]. Este estudo mostra que a renda média do 1% mais rico no Brasil chega 541 mil dólares por ano (algo entre 1,8 milhões e 2 milhões de reais por ano, dependendo da cotação do dólar). Além disso, a maioria absoluta dessa camada tem ganhos decorrentes de rendimentos de capital, de ganhos de bônus ou ações, e não de rendimentos do trabalho. Essa camada deve chegar a aproximadamente 1,5 milhões de brasileiros.

Se colocamos simplesmente os 0,1% mais ricos, esses tem uma renda média de 800 mil dólares ao ano (é o valor da aposentadoria anual do Sr. Meireles, pelo Bank of Boston), algo em torno de 2,7 milhões de reais por ano. Se quiserem, 250 mil reais por mês, mais ou menos, livre de impostos. Não é a toa que Moacir Franco, demitido de uma rede de TV por causa de um programa humorístico, aonde fazia um “mendigo”, declara que o que ganhava por mês, 40 mil reais, era uma “ninharia”. Esse é o universo dos “ricos”, dos milionários.

O que o governo tenta fazer é outra coisa. Ele tenta mostrar que um trabalhador ganhando 10 mil reais por mês é um “privilegiado”. O que ele tenta esconder são os ganhos dos fazendeiros, dos banqueiros, dos seus capachos como Meirelles e Temer que ganham um “lugar ao sol” para dar a cara a tapa e defender a burguesia.

Para lembrar, os seis mais ricos do Brasil têm um patrimônio equivalente aos 100 milhões dos mais pobres[vi]! Esta é a desigualdade real que Temer e Meirelles, que os deputados querem esconder. Por isso, enquanto derramam dinheiro a rodo para burguesia, com isenções para fazendeiros, petroleiras, banqueiros e outros, eles querem que os trabalhadores paguem a conta da aposentadoria.

Só que os trabalhadores pagam muito mais que isso. A diferença na expectativa de vida entre a população do bairro mais pobre de São Paulo e o mais rico, entre Jardim Angela e Jardins, é de 23,7 anos! Enquanto que no Jardins espera-se morrer ao 79 anos, no Jardim Angela chegar aos 56 anos é lucro[vii]! Em outras palavras, a reforma da previdência de Temer/Meirelles procura simplesmente jogar fora da previdência toda a população mais pobre, cuja expectativa de vida não chega aos 60 anos. Esse é o nó da questão, que eles querem esconder com o seu suposto “ataque aos privilégios”.

Saídas para a Previdência Social

A previdência social sustenta-se numa equação simples – os que trabalham hoje sustentam os aposentados. Eles querem nos convencer que isso não será possível de ser feito em 2060, portanto é necessário mudar a previdência, colocar os velhinhos para trabalhar. Por qual motivo fazem isso? Simplesmente para aumentar os seus lucros e permitir a sua “sustentabilidade” a custo da “sustentabilidade” da burguesia. Esse é o grande nó da questão. Para dar “segurança” à burguesia, é preciso retirar a “segurança” dos velhinhos e da viúvas, é preciso atacar os fracos, chama-los de privilegiados. Ou quem esqueceu do Sr. Fernando Henrique Cardoso que chamou os aposentados de vagabundos? Esse mesmo senhor que não explicou até hoje o seu apartamento de Paris, chama os aposentados que já trabalharam, alguns mais do que o limite de suas forças, de vagabundos. Temer os chama de privilegiados. E os verdadeiros privilegiados, que tem tudo e nada querem perder, esses eles querem esconder, com medo da raiva da maioria.

Para sustentar a previdência – hoje e amanhã – é necessário modificar um pouco seus pressupostos e cortar, como Alexandre um dia cortou o Nó Górdio, os preconceitos que a cercam.

Muitos, por exemplo, criticam a posição da CUT de hoje sobre a Previdência. O problema é que a CUT, em 1995, discutiu uma proposta de Reforma da Previdência que, na prática, defendia os fundos de pensão.

No Informa CUT 252, de abril de 1995, a CUT propunha:

A CUT posiciona-se pela manutenção do atual Teto de Concessão de Benefícios (situado em 10 salários mínimos)…
Acima deste teto, a CUT admite a existência de entidades de Previdência complementar, públicas e privadas.
A CUT entende que o custeio da Previdência deve ser baseado fundamentalmente na folha de salários e na receita das empresas e bancos, de tal sorte que, a medida que um determinado empregador possua maior número de empregados, lhe seja reduzido o percentual incidente sobre a folha e aumentado o percentual sobre a receita.
Deste modo, contribuiriam mais para a Previdência as instituições de capital intensivo e alta tecnologia, e com produtos de maior valor agregado.

Ou seja, desde 1995 (e a CUT incluía neste momento todos os setores que saíram e formaram outras centrais depois, como a CTB, o CONLUTAS, as duas Intersindicais, etc) que a CUT propunha e defendia os fundos privados de previdência, que são o essencial da reforma da previdência que atingiu os servidores e que compõe um núcleo não declarado da reforma de Temer. Assim, o problema da CUT não é simplesmente de “encaminhamento” ou de “desmarcar” uma greve, trata-se de um posicionamento político que não quer enxergar além dos limites que lhe impõe o capitalismo.

Da mesma forma, outras entidades que são contra a reforma atual (o que também é positivo) continuam a explicar que os servidores têm “outra previdência”. Sim, eles têm, mas é isso que queremos?

Em última análise, a posição da CUT sobre custeio tenta esconder uma velha lei descoberta por Marx: o lucro é devido ao trabalho não pago. Ao propor outra forma de tributação, a CUT envereda pelo mesmo caminho que faz com que hoje a maioria dos sindicatos operários caia no canto de sereia da burguesia – que os lucros podem ser divididos, esquecidos que o lucro é sempre decorrente do trabalho não pago, e não existe uma “divisão de lucro”, o que existe é um pagamento de salário por produtividade, não tributável para fins de previdência social!

Como resolver isso? A meu ver seriam necessárias três questões simples que permitiriam que a previdência e a seguridade social pudessem se desenvolver no país. Lembrando que o estado de calamidade que se encontra a saúde pública (que é parte da seguridade social) é resultado da mesma política do governo.

  1. Separar as contas e a administração da seguridade social do orçamento do governo, com uma administração separada, gerida pelos trabalhadores e pelo governo. Assim, as contribuições sociais, PIS-PASEP, rendas do Pré-Sal, Contribuições da Previdência, seriam destinadas diretamente para esse fundo, junto com um valor percentual do orçamento do governo, definido em lei para custeio da saúde. O fundo poderia custear investimentos em saúde, definir planos de carreira para a saúde (em termos nacionais) etc.
  2. Acabar com o teto de contribuição e de benefícios. Tudo que entra na conta é tributável, inclusive diárias, ajudas de custo, distribuição de lucros, auxílio moradia, indenizações, etc. E a contribuição patronal é o dobro que é descontado do empregado ou servidor. Além disto, contribuições extras para setores que não registram mão de obra (como o setor rural) podem e devem ser impostas. Caso exista déficit, a contribuição patronal será aumentada para cobrir este déficit.
  3. O fim do teto de benefícios valerá para os já empregados desde que tenham a contribuição por 15 anos nos novos valores. Ao invés de obrigar o trabalhador a ficar mais tempo no trabalho (que penaliza os que tem trabalho mais duro), incentivamos os que tem um trabalho mais “leve”, mais especializado, a ficar mais tempo no trabalho.

Observe que essa proposta parte do princípio que a previdência social e que a seguridade social são “salários indiretos”, ou seja, compõe a massa salarial que é paga pela burguesia, retirada dos seus lucros. Nesse sentido, essa proposta garante a “sustentabilidade” e a “segurança” para os trabalhadores, dá “confiabilidade” a esses e cobra a crise dos seus verdadeiros responsáveis – a burguesia.

A guisa de conclusão

A burguesia quer muito mais que “segurança” e “confiabilidade”. Ela quer aumentar o grau de exploração dos trabalhadores no mundo inteiro. Decorrem daí as propostas de reforma da previdência no mundo inteiro. Esse movimento se nota quando na “retomada” do crescimento se observa a retomada dos “lucros” mas não do salário médio e nem da “massa salarial”, apesar do aumento do número de empregados. O desemprego cai nos EUA às custas dos baixos salários e apesar do aumento da tecnologia em todos os setores.

E isso também acontece no Brasil. Com crise e tudo, o Brasil possui 1.900 pessoas com patrimônio maior que 50 milhões de dólares. E esse número aumentou de 2015 para 2016 em 200 pessoas[viii]!

Quando se fala em “comunismo” ou “socialismo” muitos ainda olham com desconfiança. Mas esses números que a burguesia e o governo propõe para a previdência falam por si sobre o que é o capitalismo: aumentar os lucros às custas de todos, desde os trabalhadores mais desvalidos aos que ainda têm algum direito. Será que precisamos lembrar que todos os “empregos” gerados neste ano foram “sem carteira assinada”? E que quando aprovaram a reforma trabalhista disseram que isso serviria para “formalizar” os empregados? Ao que parece quanto mais se desregulamenta, quanto mais se cortam direitos, mais a burguesia quer. Assim, nada de novos empregos com direitos, só demissões.

Hoje, no Brasil, morrem mais de 60 mil pessoas por ano, decorrentes de balas. Essas mortes concentram-se nos bairros mais pobres, nas periferias, nos rincões das cidades, nos estratos que a burguesia considera “perdidos”. A sua proposta de reforma da previdência, de “igualar” todos, é de transformar a maioria dos bairros de trabalhadores, de operários, em bairros perdidos. Uma coisa puxa a outra e o que vemos é a barbárie avançando, em ritmo cada vez mais acelerado.

Socialismo ou barbárie. Esse é o dilema ao qual estamos confrontados. E é no combate concreto a Reforma da Previdência, fazendo a crítica aos limites que a CUT e outras entidades estão colocando neste combate, é que poderemos construir uma direção capaz de romper o atual nó górdio, derrubar a burguesia e avançar na construção de um novo mundo.

[i] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/12/08/camara-perdoa-r-54-bilhoes-de-petroleiras-diz-lider-de-fiscais-da-receita.htm

[ii] https://oglobo.globo.com/economia/sem-reforma-da-previdencia-novos-investimentos-ficam-comprometidos-diz-anfavea-22044705

[iii] http://www.valor.com.br/politica/5193331/cortaremos-despesas-para-cumprir-meta-fiscal-sustenta-meirelles

[iv] http://www.valor.com.br/valor-investe/casa-das-caldeiras/5205123/reforma-da-previdencia-combate-desigualdade-diz-santander

[v] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/10/1931198-renda-media-dos-brasileiros-ricos-e-maior-que-a-dos-franceses.shtml

[vi] http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/09/25/internas_economia,628769/seis-mais-ricos-do-brasil-tem-o-mesmo-patrimonio-que-os-100-mi-mais-po.shtml

[vii] https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/em-sp-morador-dos-jardins-vive-23-anos-a-mais-do-que-o-do-jardim-angela-aponta-mapa-da-desigualdade.ghtml

[viii] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/01/150119_mais_ricos_lk