O rompimento de uma barragem da Vale do Rio Doce em Brumadinho, Minas Gerais, dia 25 de janeiro, deixou ao menos 65 mortos e há ainda outras 279 pessoas desaparecidas com poucas chances de serem encontradas com vida [números atualizados até a publicação desse artigo]. A quantidade de mortos é muito superior ao crime ambiental de 2015, em Mariana, que matou 19 pessoas.
Foram despejados 13 milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro da Mina do Feijão, no rio Paraopeba. A principal área afetada foi o centro administrativo da Vale, com 300 funcionários. Outros 120 estavam em outros locais da região da mina. A lama tóxica também atingiu a comunidade rural Vila Ferteco.
A Justiça de MG acatou pedidos de bloqueio de valores da Vale. Somados até o momento, contabilizam R$ 11 bilhões. Há ainda uma multa aplicada pelo IBAMA, de R$ 250 milhões. Foi instaurado inquérito para apurar as causas do rompimento. E no primeiro dia útil de operação da Bolsa a empresa perdeu R$ 71 bilhões em valor de mercado.
A barragem que se rompeu seria desativada. Ela não recebia mais rejeitos da mineração desde 2015, mas ainda armazenava resíduos antigos. Há diferentes órgãos responsáveis pela fiscalização. No caso dos reservatórios ligados às minas, isso fica a cargo da Agência Nacional de Mineração. E quem são os responsáveis?
A imprensa burguesa chama o episódio de acidente. Mas acidentes são provocados por tsunamis, erupções vulcânicas, terremotos e outros fenômenos naturais sem interferência humana e pouca possibilidade de serem previstos. Rompimento de barragem deve ser chamado de crime ambiental, pois é resultado da ganância e negligência. E com Bolsonaro presidente tudo indica que há certeza de impunidade.
Diante da compulsão capitalista por lucros, alguns cientistas e órgãos ambientais manifestaram posições que consideramos importantes compartilhar e debater, como as notas publicadas pelas Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia (ANPEGE), Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO), entre outros pronunciamentos a alguns jornais.
A AGB em conjunto com a ANPEGE assinam que:
“Este crime ambiental de responsabilidade da Empresa Vale S.A. – e compactuado por um Estado brasileiro subserviente à lógica do capitalismo […] – é mais uma violação provocada pela destrutiva submissão dos bens naturais pertencentes a toda sociedade aos interesses empresariais”.
Esses são cientistas que não se omitem em deixar explícito que o ocorrido foi a realização de um crime e não de um acidente, dando nome aos assassinos.
A FEBRAGEO recorda a tragédia de Mariana, há 3 anos, e levanta outro elemento fundamental para a discussão:
“É importante ressaltar que ambas as barragens da empresa Vale S.A. que romperam em Mariana e Brumadinho eram consideradas, pela empresa e auditores contratados, como de baixo risco, inclusive a Samarco era tida como referência técnica nesse tipo de empreendimento. Contudo, verifica-se que essas avaliações estavam totalmente equivocadas, sendo necessário entender o que realmente está acontecendo nesse modelo de auditoria e monitoramento dessas barragens e se a questão econômica está prevalecendo sobre a segurança e a técnica”. [grifo nosso]
A exploração das riquezas naturais sob a égide da propriedade privada colocará sempre o lucro em oposição à vida de trabalhadores e trabalhadoras que estejam vendendo sua força de trabalho, assim como de maneira destrutiva e predatória para a natureza.
Em algum momento uma empresa privada escolhe entre trabalhar oferecendo segurança aos trabalhadores ou enxugar suas despesas para alcançar maior lucro em seus empreendimentos. E a escolha é insensível para todo burguês: o capital vale mais que a vida.
O Inventário de Barragens do Estado de Minas Gerais de 2017, a última atualizada pela Fundação Estadual do Meio Ambiente, obtém 685 estruturas cadastradas pelo Banco de Declarações Ambientais, restando muitas outras estruturas não cadastradas. Destas, 663 são autodeclaradas pelas empresas privadas como estabilizadas e garantidas pelo auditor, enquanto 10 estruturas não tiveram análises concluídas por falta de dados e documentos. E 12 não possuem garantia alguma. Porém, na prática, os dados apresentados pelos auditores e empresas que fiscalizam as barragens pouco mais valem quando caem sobre as cabeças dos trabalhadores como nas barragens de Mariana e Brumadinho. Pois ambas tinham suas estruturas garantidas.
Outra explicação crucial de cientistas foi manifestada pelo biólogo e dirigente estadual do Movimento da Soberania Popular na Mineração (MAM) Luiz Paulo de Siqueira, em entrevista ao Jornal GGN. Segundo Siqueira, o rompimento da barragem de Brumadinho tem relação com a acelerada obtenção de licenças para a ampliação das atividades de mineração, impulsionadas pela alta do preço do produto em 2018. Isso expõe, mais uma vez, a incessante compulsão capitalista pelo lucro acima de tudo e de todos. Com o surto econômico da mineração, as empresas pressionam o governo estadual para conseguirem as autorizações. O movimento dos trabalhadores das minerações e os cientistas envolvidos, como é o caso de Siqueira, denunciam que esses processos de licenças tramitam sem os critérios devidos. Na reportagem ao GGN, o biólogo explicita a relação:
“Sobe o preço do minério, a empresa quer licença para ampliar a operação da mineradora e lucrar mais, e o processo de liberação da licença fica prejudicado”.
É importante relembrar também a aprovação da Lei 21.972 de 2016, que diminuiu a participação da comunidade e dos movimentos dos trabalhadores interessados, além do próprio Ministério Público, para as obtenções das licenças para as ampliações das atividades de mineração.
A questão fica clara: não faltaram alertas nem recomendações de ambientalistas, cientistas, associações de moradores e movimentos de trabalhadores. Mas eles foram ignorados. Em busca do capital e da saída da crise, as empresas privadas ignoram tudo e impõem o julgo da exploração, da miséria, da morte e desastres de enormes proporções para a natureza.
E a Vale do Rio Doce não é qualquer empresa. Getúlio Vargas, com a necessidade da burguesia de industrializar o Brasil, criou a Vale do Rio Doce atuando inicialmente em Itabira, MG.
Fernando Henrique, com a política de pilhar a economia brasileira para as multinacionais, leiloou a Vale do Rio Doce a preço de banana. Ela era uma das maiores mineradoras do mundo, a maior produtora de minério de ferro e níquel. E produzia também manganês, ferroliga, cobre, bauxita, potássio, alumínio etc. Seu patrimônio incluía também ferrovias, portos e navios.
Lula teve apoio dos trabalhadores e seus sindicatos numa ampla campanha política para anular o leilão da Vale, mas se recusou devido a covarde política de conciliação de classes do PT.
Dilma, diante dos 19 mortos, 200 desalojados e todo o impacto do crime ambiental de Mariana, nada fez, ninguém foi preso e indenizações não foram pagas até hoje. A sensação, na época, era de que o proprietário da Vale era presidente do Brasil, e não o PT.
Bolsonaro, não satisfeito, na campanha prometeu desmontar os órgãos de controle e fiscalização ambientais, porque os empresários “sofriam”. E agora, diante do crime de Brumadinho, não quer culpar ninguém e disse que a questão da Vale não tem nada a ver com o Governo Federal.
Por isso, a primeira conclusão é a necessidade de se relançar a campanha pela reestatização da Vale do Rio Doce e de punição dos responsáveis por mais esse crime. Isso precisar estar acompanhado de medidas concretas que a coloquem sob controle dos trabalhadores e estabeleçam o monopólio estatal da mineração. As imagens e depoimentos que circulam nas redes sociais estão aumentando a indignação com esse crime monstruoso. As organizações políticas de esquerda, democráticas, de juventude e sindicatos devem ter iniciativas de realizarem uma ampla campanha nesse sentido para reivindicar e pressionar Bolsonaro e o Congresso Nacional.
O que Brumadinho nos ensina mais uma vez é a insustentabilidade do capitalismo e a necessidade de nos organizarmos e lutarmos por um Governo dos Trabalhadores, o socialismo. Só a planificação da economia pode conter a irracionalidade ecológica socialmente criminosa da produção de mercadorias sob a propriedade privada.
Solidarizamo-nos com a população que está sofrendo as consequências e exige a punição dos responsáveis.