Conhecida como “Passeata dos 100 mil”, protesto reuniu muito mais manifestantes e ameaçou a queda do regime 20 anos antes de seu fim. Foto: Arquivo EBC

Um ano que abalou o mundo: 1968 no continente americano

Ao longo da história, certos acontecimentos abalam as estruturas das ordens vigentes de forma mais violenta que outros, a ponto de tornarem-se verdadeiros epicentros de terremotos políticos e sociais que se estendem por todo o mundo. Esta poderia ser uma definição breve e precisa do que foi o ano de 1968 e o seu significado para o mundo atual.

Naquele ano, a aparente calmaria nas relações sociais que se via desde o final da Segunda Guerra Mundial foi rompida em muitos países do mundo. As revoltas e mesmo situações revolucionárias ocorridas em 1968 surpreenderam a burguesia, seus agentes e os reformistas de plantão, contentes que estavam em divagar sobre ideias confusas no conforto de suas salas de aula e escritórios.

Quando se ouve falar de 1968, imediatamente somos levados a pensar nos acontecimentos na França em maio daquele ano. Os estudantes e trabalhadores dessa rica nação europeia tomaram as ruas, as universidades e as fábricas naquele que foi, sem dúvida, o maior de todos os movimentos de massa que ocorreram no ano. Mas as ondas de choque desse ano inesquecível para a luta de classes foram muito além das fronteiras francesas, tendo atingido o mundo todo e alcançado o continente americano.

Foi em 1968 que o movimento pelos direitos civis nos EUA, em particular a luta contra as leis raciais em vigência no sul do país desde o fim da guerra civil, expandiu-se para os grandes centros urbanos no nordeste e oeste do país. Uma vez nas metrópoles, a luta dos negros norte-americanos pela igualdade perante a lei entrou em contato com ideias radicais de luta contra o capitalismo. Foi desse contato que nasceu o movimento que ficaria conhecido como “Panteras Negras”, organização radical que abordava a luta contra o racismo sob uma perspectiva de classe e se opunha ao racialismo de caráter pequeno-burguês.

Nesse mesmo ano, se iniciaria a Ofensiva do Tet, uma estratégia dos vietcongues e do exército do Vietnã do Norte para derrotar as tropas americanas e o regime fantoche no sul do país que era sustentado por elas. Lançada em janeiro de 1968, os combates se estenderiam até setembro, ocasionando uma série de protestos, nos EUA e no resto do mundo, que exigiam o fim da guerra e a saída dos americanos do Vietnã.

Enquanto isso, um outro governo títere de Washington enfrentava a oposição ferrenha da juventude e dos trabalhadores: a ditadura militar brasileira. Desde a deposição do presidente João Goulart e a instauração do regime autoritário, os militares ainda não haviam sido confrontados com um movimento de oposição tão forte como aquele que se viu em 1968.

A intensa repressão política, desencadeada pelo regime militar desde 1964, chocou o país após a invasão do restaurante universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual um estudante secundarista, Edson Luis de Lima Souto, de apenas 18 anos, foi assassinado com um tiro a queima roupa. A revolta da juventude, já bastante latente desde o primeiro dia da ditadura, tomou corpo em uma gigantesca passeata no centro do Rio de Janeiro, que ficaria marcada na história como “a passeata dos cem mil”, uma referência ao número estimado de pessoas que tomaram parte do ato. O ato contou com a presença de lideranças estudantis e intelectuais ilustres.

Mas não foi somente dos estudantes que partiu a oposição à ditadura militar brasileira. Nesse mesmo ano, a classe operária também se fez presente nas mobilizações, lançando greves de magnitude considerável, principalmente em Osasco, na fábrica da Cobrasma, e na cidade de Contagem, em Minas Gerais. A crescente oposição operária, somada às já massivas manifestações estudantis, foi o que levou os militares a lançarem o infame AI-5, medida que inaugurou os anos de chumbo da repressão política no Brasil.

Protesto de 1968 em Tlatelolco, no México, uma demonstração de toda a agitação que marcou o país naquele ano. Foto: Archivo Procesofoto

Na outra ponta da América Latina, os estudantes mexicanos também protagonizariam um gigantesco levante contra o sistema. Aproveitando o fato de que dali a alguns dias seriam realizados os jogos olímpicos na Cidade do México, os jovens intensificaram os protestos que já vinham acontecendo desde o começo do ano, inspirados nos que se viam ao redor do mundo. O governo mexicano, desesperado diante da possibilidade de ver as olímpiadas no país marcadas pelos protestos e ansioso para por um fim ao movimento, parte para o ataque com uma brutalidade poucas vezes vista mesmo na violenta história do país. As estimativas mais baixas giram entre 200 a 300 vítimas dos disparos de policiais e militares contra estudantes desarmados.

Embora não tenham sido vitoriosas, as explosões sociais vistas em 1968 são exemplos de coragem da juventude e dos trabalhadores na luta contra seus opressores. A necessidade de aprender com as lições e os erros cometidos nessa época tornam o estudo dos muitos acontecimentos que marcaram este ano uma tarefa obrigatória para os que pretendem manter vivos os sonhos daquela geração: destruir o capitalismo e construir uma nova sociedade, na qual todos possamos ser realmente livres de toda a opressão e exploração.