A crise na cúpula do governo Bolsonaro se aprofunda, mesmo agora no início com o empuxo da vitória eleitoral, com dois ministros trocados nos primeiros 100 dias de governo e com muita dificuldade para fazer andar a Reforma da Previdência.
Se os primeiros 100 dias de governo Bolsonaro estão sendo um pesadelo para Jair Messias e seus filhos, tudo indica que deve piorar e muito à medida em que seus eleitores vão se dando conta de que “está tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Ao completar os 100 dias, a desaprovação do governo já cresceu, atingindo 30% (a pior avaliação da história entre presidentes de 1º mandato). E a missão prioritária dada pelo sistema financeiro ao governo, que é impor uma contrarreforma da Previdência ao povo brasileiro, está num impasse: mesmo depois de pelo menos R$ 183 milhões investidos em propaganda pelo governo Temer e mais R$ 12 milhões pelo governo Bolsonaro para tentar convencer a população de que a reforma proposta é boa, uma pesquisa do Datafolha do início de abril aponta que 51% da população é contra essa reforma.
Mas, entre as trapalhadas e twitadas de Bolsonaro, há trabalho sendo feito. O governo precisa mostrar serviço a seus amos. Neste sentido, a viagem de Jair Messias e sua trupe aos EUA foi produtiva e deixou Trump muito satisfeito. Nunca um presidente brasileiro foi tão vende-pátria em tão pouco tempo como Bolsonaro. Ele que paga de patriota e vive dizendo que o Brasil está acima de tudo, precisa adendar: “acima de tudo, menos dos EUA”.
Mas, muito serviço mesmo está mostrando o superministro Paulo “Chicago Boy” Guedes. Em um fórum empresarial em Campos do Jordão (SP), no dia 5 de abril, Guedes afirmou que o lema interno dele na equipe é “sem recuo e sem rendição”. “Se abrir a porta um pouco, avançamos. Avança e para, mas sem recuo”, falando sobre a tramitação da Reforma da Previdência. Mas não é apenas a reforma da previdência o foco de Guedes. Ele está empenhado em concretizar as privatizações. No mesmo fórum, declarou aos empresários: “Se vendermos 20% ou 30% das estatais, está ótimo! Eu estou absolutamente seguro e confortável que vamos fazer isso!”.
De fato, apesar da aparência de paralisia do governo Bolsonaro, se tem algo que tem funcionado nesses 100 primeiros dias são as privatizações. Em janeiro, uma liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, liberou a Petrobras para vender sem licitação mais de 250 campos de petróleo e gás. Agora, no início de abril, foi anunciada a venda da TAG (Transportadora Associada de Gás) para a franco-belga Engie por apenas US$ 8,6 bilhões.
Isso fará com que a Petrobras tenha que pagar para usar gasodutos que lhe pertenciam. Foi o que aconteceu com a venda da NTS (Nova Transportadora do Sudeste), em abril de 2017, para o fundo canadense Brookfield por apenas US$ 4,23 bilhões. Ao deixar nas mãos de grupos privados estrangeiros o controle sobre os gasodutos, a Petrobras tem que se submeter aos preços e condições impostos pelas multinacionais. Assim, em menos de 4 anos a Petrobras já terá pago à Brookfield todo o valor que recebeu com a venda da NTS. Algo similar ocorrerá em relação à TAG.
Soma-se a isso o leilão de 12 aeroportos em março, arrematados por R$ 2,37 bilhões (uma média de menos de R$ 200 milhões por aeroporto) para concessões de 30 anos. O governo estima que dessas concessões ainda arrecadará R$ 4,2 bilhões durante os 30 anos. Mas, só o que foi gasto pelo governo nestes mesmos aeroportos em reformas nos últimos anos, ultrapassa os R$ 6 bilhões. O aeroporto de Vitória (ES), por exemplo, levou 16 anos para ficar pronto com investimento do governo federal de R$ 560 milhões, via Infraero. Inaugurado em março de 2018, foi privatizado em março de 2019, junto com o aeroporto de Macaé (RJ), por apenas R$ 487 milhões.
Mas, dentro do próprio governo há resistência à sanha privatista de Guedes. Além da desistência de privatizar a EBC (comunicação) e a EBL (estatal do trem-bala), Guedes diz que gostaria de colocar à venda a Petrobras, os Correios, o Bando do Brasil e a CEF, mas não tem aval do presidente. Acontece que não podem privatizar tudo sem enfrentar resistência nas ruas. Com o aumento do desemprego e os cortes nos orçamentos das áreas sociais, sabem que a revolta é uma questão de tempo. É por isso também que a venda da Eletrobras já foi adiada para 2020. Até a Condor, fabricante de armas que domina o mercado nacional de armas não letais, aposta na subida das vendas de balas de borracha, calculando que muitos protestos devem eclodir principalmente contra a Reforma da Previdência.
Isso demonstra que, longe de “onda conservadora”, o que há no Brasil é uma crescente polarização social, que, a depender dos desenvolvimentos, pode inclusive explodir em revolta popular. É a luta de classes, muitas vezes incompreensível para analistas burgueses e reformistas de esquerda, que impede Bolsonaro de avançar em seus objetivos.
Mas Bolsonaro pode obter importantes êxitos com a ajuda das direções da classe trabalhadora que não convocam nem organizam uma greve geral. As centrais sindicais farão um 1º de Maio unificado sem sequer agitar a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. São as burocracias nos sindicatos e organizações operárias hoje que sustentam esse governo que é motivo de piada na boca do povo, em cada bar, em cada roda de conversa.
Mas isso não pode perdurar. As contradições estão se acumulando e os trabalhadores não aguentarão calados por muito mais tempo. A próxima vez que dispararem 80 tiros contra uma família que ia a um chá de bebê pode ser a gota d’água. E se um novo junho de 2013 explodir, todas as direções serão colocadas à prova. Muitas poderão ser superadas por suas bases enfurecidas.
Hoje, como há cem anos quando nascia a Internacional Comunista, a crise da humanidade se reduz à crise de direção do proletariado. E no centro desta crise, como há cem anos, está a questão da tática da frente única. Que valor imensurável tem os ensinamentos de Lênin! “Estudar para organizar e lutar”, este deve ser o lema dos revolucionários hoje.
Editorial do jornal Foice&Martelo 133, de 17 de abril de 2019.