A luta contra as contrarreformas do governo de François Hollande cresce na França. Porém, as vacilações dos dirigentes sindicais podem novamente levar os trabalhadores à derrota.
A luta contra a reforma nos direitos dos trabalhadores está numa nova fase, uma fase decisiva. O desenrolar de greves por tempo indeterminado e bloqueios consecutivos em vários setores vitais da economia mudou a dinâmica do movimento. Tudo se acelera. Após uma série de “jornadas de luta” nos últimos meses, as quais o governo respondeu com violência policial e com o artigo 49-3[1], o objetivo imediato do movimento é paralisar a economia. E esta é sua única chance de vitória.
Assim como as greves de outono de 2010, os trabalhadores dos transportes e os do setor petrolífero estão no posto de vanguarda. De maneira rápida, o governo mobilizou às CRS[2] contra os bloqueios aos depósitos de combustíveis. Em resposta, porém, os trabalhadores de várias refinarias decidiram por paralisar a produção. Diante de uma ação coletiva e determinada dos trabalhadores, a repressão policial se torna inócua aos fins governamentais. Ela radicaliza a luta. Na sequência da paralisação da refinaria da Total em Feyzin, próxima a Lyon, Eric Sellini (representante na Total da Confederação Geral do Trabalho – CGT) explicou à Agence France-Presse (AFP): “os empregados estão mais motivados do que nunca, mesmos os mais reticentes de início (destaque original). Ascendemos a outro nível de mobilização”.
As lições de outono de 2010
Nacionalmente, a intersindical (CGT, Solidaires, FO, FSU, Unef, UNL, FIDL)[3], conclama para uma nova “jornada de luta” em 26 de maio e, em seguida, outra em 14 de junho. Mas agora só há razão nas jornadas de luta se estiverem diretamente relacionadas e comprometidas com o movimento grevista em curso; elas devem apoiá-lo e, principalmente, ampliá-lo. O momento para mobilizações de 24 horas já se passou; está claro que por si mesmas, não farão o governo recuar. A estratégia de luta se deslocou para o terreno das greves por tempo indeterminado. Das duas, uma: ou a greve se amplia, ganhando novos setores; ou o movimento será derrotado.
No outono de 2010, frente a mais uma ofensiva do governo contra as aposentadorias, uma greve por tempo indeterminado envolveu vários setores vitais: refinarias, portos, transportes públicos e rodoviários, limpeza urbana, entre outros. Em seu ápice, as greves obtiveram um impacto significativo sobre a atividade econômica, mas que se demonstraram insuficientes. Os transportes públicos, por exemplo, foram paralisados parcialmente. Os dirigentes da CGT, incluindo Bernard Thibault[4], não deram importância para a extensão das greves por tempo indeterminado. Eles se contentaram em organizar novas “jornadas de luta” (foram 14 no total). Em três ocasiões (em 12, 16 e 19 de outubro), de 3 a 3,5 milhões de pessoas saíram às ruas. Mas o governo não cedeu. Isolados, os trabalhadores em greve por tempo indeterminado decidiram voltar ao trabalho. A contrarreforma da previdência foi adotada.
Desde 2010, os efeitos da crise capitalista e das políticas de austeridade criaram uma situação explosiva. Em seis anos, a temperatura social se elevou em vários graus, como demonstra claramente a mobilização da juventude e as “Noites em Claro”[5]. Assim, o potencial do atual movimento tem maior relevância do que o de 2010. Mas como em 2010, seu calcanhar de Aquiles está na atitude e estratégia dos dirigentes sindicais.
A pressão das bases sindicais
Considerando a posição da CGT no movimento operário, sua atitude é decisiva. Seu congresso, em meado de abril, foi marcado por numerosas intervenções de delegados exigindo que os dirigentes da confederação conduzissem seriamente um movimento grevista por tempo indeterminado. A estratégia das jornadas de luta “salteadas” tem sido repetidamente criticada. Em resposta a essa pressão da base, os dirigentes adotaram uma resolução apelando à “realização de assembleias gerais nas empresas de serviço público para que seus funcionários decidam, baseados em suas reivindicações e na unidade, sobre a greve e sua extensão para ganhar a retirada e a abertura de verdadeiras negociações de progresso social”. Em uma entrevista a La Provence, em 21 de abril, Philippe Martinez afirmava: “todas as formas de luta estão cogitadas, inclusive uma greve por tempo indeterminado, mas serão os empregados em assembleia geral que irão decidir e o primeiro a ser feito são as assembleias gerais”.
Obviamente que é impossível, em qualquer caso, o lançamento de uma greve por tempo indeterminado contra a vontade da maioria dos trabalhadores. A necessidade de organização de assembleias gerais é outra obviedade. À base sindical, sobejam tais conselhos. Eles precisam é de uma atitude clara, ofensiva e determinada dos dirigentes da confederação. Quando eles convocarem uma assembleia geral de trabalhadores, em seu caso, precisam demonstrar aos trabalhadores que não os deixarão sozinhos, que toda a CGT – começando pelos dirigentes da confederação, o que os cumpre por função fazer – realizará uma campanha sistemática, enérgica, massiva para mobilizar o maior número de setores ao movimento. Perante o Direito dos Trabalhadores, a greve por tempo indeterminado não é apenas mais uma “forma de luta”, entre outras, como diz Martinez; ela é agora a única forma de luta que pode levar à vitória. Esta deve ser a mensagem a ser martelada na cúpula da CGT. Sem ela, os trabalhadores convocados para a assembleia geral olharão por cima dos ombros para seus colegas sindicalizados, em direção à cúpula da CGT e, percebendo uma posição hesitante, vacilante, vão dizer: “Se começarmos, corremos o risco de ficarmos sozinhos”.
No rastro do congresso da CGT, a pressão da base continuou a crescer, particularmente desde o início das greves por tempo indeterminado, em meados de maio. No sábado, dia 21 de maio, Martinez foi em apoio aos grevistas próximos a Valenciennes. Envolvido por trabalhadores que gritavam “greve geral!”, Martinez declarou: “A greve se amplia. Os empregados de quatro refinarias estão em greve. […] a CGT propõe ampliar as greves. […] Deve se ampliar para a metalurgia e também para o comércio”. Aí está exatamente o que os dirigentes da CGT devem dizer! E devem dizer não somente numa concentração de grevistas, como no sábado, mas sistematicamente, por quaisquer meios de comunicação, por todos os meios disponíveis à CGT, em apoio a uma grande campanha nacional de agitação e a um plano bem elaborado.
Os tempos urgem!
Por sua própria natureza, a ampliação de uma greve por tempo indeterminado deve ser rápida. Cada dia conta: não podemos solicitar aos trabalhadores dos transportes e das refinarias que aguardem indefinidamente o apoio dos trabalhadores dos demais setores. A jornada de luta do dia 26 de maio, anunciada pela intersindical, pode desempenhar a função de suporte e de ampliação da greve por tempo indeterminado. Mas o que considerar da jornada de luta do dia 14 de junho? Será três semanas depois. Até lá, ou a greve se amplia para outros setores, ou o movimento declina. Pelo menos esta é a perspectiva mais provável e em conformidade com a experiência de 2010.
Em 20 de maio, em um comunicado de anúncio da mobilização de 14 de junho, a intersindical explicou: “As organizações decidiram reforçar a luta por uma paralisação interprofissional com manifestação nacional em Paris em 14 de junho, com o início dos debates no Senado. Conclamam à multiplicação até lá, em todo o território nacional, das mobilizações de formas diversificadas”. Eis a perigosa ideia de “mobilizações diversificadas”, enquanto que e única arma eficaz agora é a greve por tempo indeterminado e sua ampliação. A intersindical deve concentrar todos os esforços – e de seus militantes – nesse objetivo. Devemos, sem demora, ampliar o movimento “à metalurgia e ao comércio”, como disse Martinez sábado. Temos que começar com os setores mais militantes, mais combativos, para angariar os demais.
A data de 14 de junho foi escolhida por ser a abertura dos “debates no Senado”. Mas por que calcar o ritmo das mobilizações ao calendário parlamentar? Se uma poderosa greve por tempo indeterminado se desenvolve rapidamente, o Senado não discutirá qualquer coisa, pois o governo capitulará. A ideia de “fazer pressão” sobre os parlamentares é especialmente desconcertante diante do fato do governo recorrer ao artigo 49-3! Aliás, este episódio demonstrou que os chamados “rebeldes” socialistas querem ser “oposição” às mudanças nos direitos dos trabalhadores, mas não ao ponto de derrubar o governo: eles não votaram pela moção de censura. O governo somente voltaria a recorrer ao Legislativo novamente se a dinâmica da luta lhe obrigue e isso com o propósito de salvar a contrarreforma na lei, sacrificando este ou aquele de seus artigos. Ele buscaria então inserir dirigentes sindicais na manobra. Sábado Martinez reiterou: “Lutamos pela retirada” pura e simples da contrarreforma na lei. Esta linha deve ser mantida até o fim.
O mesmo comunicou a intersindical: “Uma grande votação nas empresas, nas administrações e nos locais de estudo desenrolará nas próximas semanas em paralelo ao debate parlamentar, a fim de continuar o debate com os trabalhadores e os jovens sobre os direitos dos trabalhadores, obter a retirada do texto da contrarreforma, pelo ganho de novos direitos, permitindo a geração de empregos estáveis e de qualidade”. Mais uma vez, esta é uma estratégia deslocada da real dinâmica da luta. Não há mais a necessidade de uma “grande votação” para demonstrar que a esmagadora maioria dos trabalhadores se opõe à contrarreforma em seus direitos: todas as pesquisas já mostram isso. A maior parte dos trabalhadores já não necessita ser convencida do caráter reacionário desta contrarreforma; precisa ser convencida de que sua mobilização pode levar à vitória; necessita de uma estratégia e de uma perspectiva clara, ofensiva.
O objetivo desta “grande votação” é convencer ao governo? Isso seria absurdo. O governo bem sabe que a maioria dos trabalhadores se opõe à contrarreforma de seus direitos. Mas está a mando do Medef[6], não dos resultados das “grandes votações” sindicais. E não recuará se não frente a um poderoso movimento de greve por tempo indeterminado. Todas as forças do movimento dos trabalhadores devem, portanto, concentrar-se nesse objetivo. E não há tempo a perder: os próximos dias serão decisivos.
Enfim, “a geração de empregos estáveis e de qualidade”, como mencionado pela declaração da intersindical, é um objetivo louvável, mas inatingível em um quadro de capitalismo em crise, que supõe o contrário, a regressão social permanente. Temos que explicar essa verdade aos trabalhadores. Se quiserem realmente lutar por “empregos estáveis e de qualidade”, as organizações sindicais devem integrar à sua plataforma de reivindicações, passos decisivos contra o poder dos capitalistas, ou seja, seu controle sobre a economia. Temos que transformar a luta defensiva contra a contrarreforma dos direitos dos trabalhadores numa luta ofensiva contra o poder e os privilégios das “200 famílias” de grandes capitalistas que controlam tudo e decidem tudo na França.
[1] Artigo da Constituição Francesa que permite ao governo decretar leis sem a apreciação do Legislativo (Nota do Tradutor – N.T.).
[2] Compagnies Républicaines de Sécurité (Companhias Republicanas de Segurança), força especial de repressão do Estado burguês francês (N.T.).
[3] FO: Force Ouvrière – Força Operária; FSU: Fédération Syndicale Unique – Federação Sindical Única, da área de Educação; Unef: Union Nationale des Etudiants de France – União Nacional dos Estudantes da França; UNL: Union Nationale Lycéenne – União Nacional dos Estudantes Colegiais ou Secundaristas; FIDL: Fédération Indépendante et Démocratique Lycéenne – Federação Independente e Democrática de Estudantes Colegiais ou Secundaristas (N.T.).
[4] Secretário-Geral da CGT (N.T.).
[5] Nuits debout. Acerca disso, ler o artigo As Noites em Claro, o pesadelo dos 1% na França, disponível em: <https://www.marxismo.org.br/content/noites-em-pe-o-pesadelo-dos-1>.
[6] Mouvement des Entreprises de France (Movimento das Empresas da França), organização patronal francesa (N.T.).
Artigo publicado originalmente em 23 de maio de 2016, no site Révolution, da seção da Corrente Marxista Internacional (CMI) na França, sob o título “Loi Travail : la bataille décisive est engagée“.
Tradução de Nathan Belcavello.