Em todo o país, trabalhadores se arriscam no transporte coletivo para trabalhar Foto: Marcello Casal Jr., Agência Brasil

Covid-19 em Joinville: Isolamento social para os de cima. Contágio geral para os de baixo!

Introdução

O documento a seguir é um breve relato sobre as experiências que tive e uma análise da cidade de Joinville, Santa Catarina, durante o período de três semanas de “isolamento social”, levando em consideração os aspectos econômicos, sociais e políticos.

O objetivo dessa elaboração é contribuir com o debate sobre a nossa realidade e como impulsionar a organização da classe trabalhadora, não apenas dentro de um cenário de pandemia global, mas, também, depois dele.

O Isolamento

Com o aumento no número de casos de contágio da Covid-19, as primeiras mortes surgindo em todo o Brasil e a falta de medidas a favor da classe trabalhadora, começou a surgir um sentimento de inquietação e preocupação nas massas. Não demorou para as primeiras rupturas aparecerem dentro do governo. No Nordeste, os governos se negaram a seguir as orientações dadas pelo próprio Bolsonaro. No Sudeste, formou-se uma espécie de “governo provisório” em uma aliança entre os governadores e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Em Santa Catarina, o governo do estado aprovou um decreto de isolamento social e fechamento de estabelecimentos comerciais, que entrou em vigor no dia 17 de março.

A decisão, depois de várias “voltas atrás” por parte do governador Moisés (PSL), foi na contramão dos pronunciamentos feitos pelo presidente, Jair Bolsonaro, que limitava seus discursos a definir o que está acontecendo com uma simples “gripezinha” e usava argumentos econômicos fracos e genocidas, como de “se a economia parar, o Brasil quebra” ou “alguns vão morrer, lamento, é a vida“.

Durante o primeiro período de quarentena não podemos deixar de notar a grande desorganização das massas. Pessoas correndo desesperadas para os supermercados, alguns utilizando os últimos recursos financeiros para conseguir mantimentos. De um lado a elite, vendo tudo isso como uma férias bônus, preparava-se para viajar, aproveitava o cenário para descansar e comemorar no conforto e segurança de suas casas, fazendo seus churrascos e bebendo suas cervejas. Enquanto isso, nas redes sociais, mostrava outra face, concordava e impulsionava o discurso de “volta ao trabalho para salvar a economia“.

Do outro lado, nós, o proletariado, preocupado com nossos empregos e salários, em como iríamos pagar nossas contas e garantir o básico para a nossa sobrevivência. Para alguns setores da classe, principalmente os mais baixos e despolitizados, a melhor saída era capitular o discurso do patrão, pela falta de resposta do governo para atender as necessidades mínimas do trabalhador.

No meio de tudo isso, a pequena-burguesia, pega de surpresa, precisou se adaptar para enfrentar o cenário que estamos vivendo, para assim não ter grandes perdas, mas tendo em mente que vivemos em um sistema onde o peixe maior engole o menor para sobreviver e que a qualquer momento, se nada disso mudar, o pior poderá acontecer.

Em Joinville, a primeira semana foi marcada por uma sensação de “o que vamos fazer?“. Com a desativação do transporte público, várias empresas tiveram que providenciar transporte para seus funcionários. No o início da manhã, era possível ver aglomerados de trabalhadores em filas esperando vans e ônibus terceirizados para levá-los ao trabalho. Alguns trabalhadores relatam que as medidas de segurança eram totalmente desrespeitadas, os veículos circulavam quase que lotados e era autorizada a entrada de pessoas sem o uso de qualquer tipo de proteção. Outros, contam que as empresas dobraram o número de suas frotas, mas mesmo assim de nada adiantava, por conta da proximidade entre os trabalhadores dentro de um espaço totalmente fechado.

Diversas empresas da cidade utilizaram a situação para dar férias coletivas ou reduzir o quadro de funcionários com demissões em massa, como foi o caso da Whirlpool.

Enquanto a indústria funcionava sob capacidade reduzida, o comércio encontrava formas de se adaptar ao período de quarentena. Joinville, mesmo sendo uma cidade de raiz industrial, economicamente, tem um setor de serviços que representa cerca de 45% da atividade econômica. Segundo o censo de 2017, o setor somou mais de R$ 11 bilhões, seguido da indústria, com mais de R$ 7 bilhões.

Quando foi anunciado a prorrogação da quarentena para sua segunda semana, não demorou para que diversas empresas mudassem seus métodos de atuação, fossem elas através do “home office“, atendimento online ou de outras formas alternativas, sempre respeitando as normas de segurança estipuladas para o período.

Os setores mais precarizados, serviços por aplicativos, por exemplo, estavam cada vez mais ativos.

Outra categoria que se recusou a parar, foi a construção cívil, ao passar pelas obras era possível ver que em nenhum momento os operários deixaram de bater os seus martelos. Caravanas de bicicletas ocupavam as principais ruas, do Sul ao Norte da cidade. Na segunda semana, os materiais de construção e fornecedores de matéria-prima se disponibilizavam para fazer entregas, a alimentação abria suas portas e se prontificaram a atender e fazer entregas. Aos poucos, voltávamos à rotina.

Em uma reportagem, o empresário e prefeito Udo Döhler (MDB), dizia estar sofrendo uma certa “pressão” da burguesia local para reabrir o comércio. Em nota, propôs reabrir os bancos e lotéricas para medir o termômetro e colocar os órgãos de segurança para fiscalizar, a partir da semana que viria.

A terceira semana teve o reflexo de uma volta parcial ao cotidiano “normal”. Vários postos de trabalho operavam com as portas fechadas, já era possível ver as filas de veículos nas principais avenidas e semáforos durante os horários de ida e volta do trabalho, claro, nada comparado aos dias comuns da cidade, mas com a exceção do tráfego de ônibus, as coisas pareciam se encaminhar para a agitação caótica do dia a dia.

Dentro desse período, algumas categorias nem souberam o que era o “isolamento”, as transportadoras, serviços de logísticas e manutenção industrial mantiveram-se firme do primeiro ao último dia. A educação, já sucateada, foi obrigada a aderir a um plano de ensino a distância, com o governo ignorando a falta de acesso à tecnologia e internet, as diferenças sociais entre os estudantes, a falta de treinamento para os professores… Não houve nenhum investimento a mais nem garantia de reais condições para a manutenção da educação em tempos de pandemia.

A saúde, cada vez mais sufocada e prejudicada pela falta de recursos, sofreu ainda mais com o aumento dos casos de Covid-19, com a falta de equipamentos de proteção, de profissionais e de exames. Além disso, o código adotado pela própria direção administrativa das unidades de saúde, sobre o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e os critérios de quarentena e liberação do pacientes com suspeita de contágio pela Covid-19, coloca a vida dos profissionais e seus familiares em ainda maior risco.

Para termos uma breve noção, em dados divulgados pelo própria prefeitura de Joinville e pelo Ministério da Saúde, no dia 1º de abril, foram confirmados 18 casos na cidade. Em 15 de abril esse número saltou para 70. Em 4 de maio, 215 casos confirmados e seis mortos.

Em meio a toda essa crise, pouco se viu dos sindicatos, que mal se pronunciaram e quando o faziam, procuravam poupar suas palavras para não entrar em confronto com as patronais.
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej), por exemplo, esconde-se em ofícios e judicializações, alimentando a ilusão de que o judiciário e o legislativo são bons intermediadores dos interesses da classe trabalhadora. O mesmo se vê no Sindicato dos Metalúrgicos de Joinville, em que a direção defende a “boa disposição” patronal em reduzir jornadas e salários para supostamente não demitir. De sindicatos cujas direções há tempos são descaradamente patronais, como comerciários, texteis e “frescos” (Whirlpool, Embraco) já não esperávamos nenhuma ação de defesa dos trabalhadores.

Esta política das direções sindicais locais são ecos, também, da política de colaboração adotada nos últimos anos por suas respectivas centrais. Recentemente, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em comemoração ao Dia do Trabalhador, nos convidou para sentar à mesa com inimigos históricos da classe trabalhadora em uma live. Fernando Henrique Cardoso, Maia e companhia estavam convidados para o banquete. Em Campinas e no ABC, os representantes das centrais Intersindical e CUT, assinaram acordos de suspensão de contratos com redução de salários, abandonando mais uma vez os interesses históricos da classe trabalhadora, deixando claro sua disposição em negociar com os patrões para garantir seus lucros.

Esta crise das direções deixa claro não somente a burocracia e a adaptação sindicais, mas a instrumentalização das massas sem uma orientação política clara que as levem a questionar o sistema e suas relações laborais.

Conclusão

A crise econômica, social e política que o novo coronavírus trouxe consigo nada mais é do que o reflexo da crise mundial do sistema capitalista. Várias décadas de exploração desenfreada dos recursos naturais e do homem pelo homem nos colocou, mais do que nunca, à frente de um dilema que nós marxistas conhecemos muito bem: Socialismo ou Barbárie!

Os rachas dentro do governo e a crise da pequena-burguesia caracterizam a falta de resposta dos de cima para se manterem no poder dentro de um sistema em colapso. O cenário atual usado para aprovar novos ataques contra a classe, como a MP da carteira verde e amarela, e a crise das direções do movimento de massas abrem espaço para a discussão de novas formas de organização da classe trabalhadora, que cada vez mais se mostra polarizada e consciente de que o que está lá fora não serve mais para nós, trabalhadores explorados, para a juventude pobre, para as mulheres, negros e LGBTs, que além de explorados, são oprimidos e mortos todos os dias pelo Capitalismo.

Nossa tarefa nesse período deve ser de analisar cada vez mais a realidade de forma concreta, respeitando os métodos e ensinamentos deixados por nossos mestres. Por isso, convido os companheiros para contribuir com esse debate, para que nós, revolucionários, consigamos ganhar as massas para um projeto de mudança radical do sistema e, juntos, possamos evoluir nossa consciência para um movimento de luta permanente. Através dessa luta, realizada nas ruas e no cotidiano, chegaremos à construção de um partido verdadeiramente revolucionário de massas e socialista, e à tomada do poder pelo proletariado a nível mundial.

  • Viva a revolução socialista!
  • Operários no poder!

Ângelo é trabalhador da construção civil e integrante do Comitê de Ação Fora Bolsonaro – Joinville, Itajaí e Rio Negrinho (SC)