Foto: Jorge Araujo

Cuba e a revolução de 1959

Artigo publicado no jornal Foice&Martelo Especial nº 21, de 10 de dezembro de 2020. CONFIRA A EDIÇÃO COMPLETA.

A Revolução Cubana foi um dos mais importantes processos políticos protagonizados pelos trabalhadores na América Latina. Por décadas, vem enfrentando o imperialismo a poucos quilômetros da fronteira com os Estados Unidos, sofrendo, ainda hoje, com diversos ataques. Além disso, mostrou que os trabalhadores devem lutar para a superação do capitalismo e pela construção de uma nova sociedade. Contudo, esse processo revolucionário foi marcado por contradições das mais diversas, tanto internas como externas, cujas consequências ainda hoje permanecem.

A Revolução Cubana foi a confirmação prática da teoria da revolução permanente, elaborada por Leon Trotsky. A burguesia cubana era incapaz de realizar o seu programa democrático, deixando de cumprir um papel progressista. Coube aos trabalhadores de Cuba realizar as tarefas da revolução burguesa, mas sem a burguesia, sendo obrigados a ultrapassá-la, defendendo um programa socialista para manter a aliança do proletariado urbano com o campesinato. Embora muito se fale sobre a centralidade da guerrilha que assumiu a direção do processo, a Revolução Cubana teve o protagonismo da classe trabalhadora e dos pobres urbanos, de estudantes e de trabalhadores rurais.

Na década de 1940 o Partido Socialista Popular (PSP), como era chamado o antigo partido comunista, chegou a ter cerca de 80.000 militantes, em uma população de seis milhões de pessoas. Nesse momento o partido adotava a política de conciliação de classe orientada pela Internacional Comunista (IC), completamente tomada pelo stalinismo. Em 1940 o PSP apoiou a candidatura de Fulgêncio Batista, chegando a indicar membros para o seu governo.

Depois do golpe de 1952, que levou Batista ao posto de ditador, o PSP foi colocado na ilegalidade. Em 26 de julho de 1953 aconteceu o assalto ao Quartel Moncada. Embora a ação tenha fracassado, revelou a brutalidade da ditadura, mobilizando estudantes e trabalhadores. Esse processo também colocou em relevo a figura de Fidel Castro, que foi anistiado. Em maio de 1955, Fidel foi exilado no México, onde passou a preparar o retorno à ilha, formando o Movimento 26 de Julho. O grupo desembarcou em Cuba no começo de dezembro de 1955.

Nesse período, a guerrilha se fortaleceu a ponto de estar em condições de tomar o poder em dezembro de 1958. Diante da iminente vitória da guerrilha, a burguesia tentou estabelecer um novo governo sem Batista. Fidel Castro respondeu com um chamado à greve geral, que durou quatro dias, no começo de janeiro de 1959. Che Guevara e Camilo Cienfuegos entraram em Havana no dia 2 de janeiro e Fidel chegou à capital pouco depois, no dia 8.

Inicialmente a revolução tinha um programa democrático, de libertação nacional e de reforma agrária. Enquanto a revolução não teve um caráter socialista, contava com o apoio de capitalistas pretensamente progressistas. Nesse primeiro ano buscou-se, inclusive, manter uma boa relação com os Estados Unidos. Fidel Castro dizia, durante uma viagem a Nova York, em abril de 1959: “se algum homem de negócio quiser vir a nosso país, terá as portas abertas”. Nesse mesmo discurso afirmou: “Não sou comunista, nem estou de acordo com o comunismo”.

Contudo, com o avanço do processo revolucionário, ficou evidente que não seria possível atender as demandas da população sem atacar a propriedade privada. Os capitalistas passaram a sabotar a revolução, inclusive incitando uma guerra civil. Esse processo obrigou a revolução a se radicalizar, confirmando uma hipótese apontada por Trotsky no Programa de Transição:

“É, entretanto, impossível negar categórica e antecipadamente a possibilidade teórica de que, sob a influência de uma combinação de circunstâncias excepcionais (guerra, derrota, quebra financeira, ofensiva revolucionária das massas etc.), os partidos pequeno-burgueses, incluídos aí os stalinistas, possam ir mais longe do que queriam no caminho da ruptura com a burguesia”.

No final de 1959, Che Guevara foi nomeado presidente do Instituto Nacional da Reforma Agrária e do Banco Nacional. Em março de 1960 foram demitidos os últimos conservadores que estavam no governo. Nesse mesmo ano foram progressivamente decretadas as nacionalizações de empresas e de bancos estrangeiros e de todo o setor açucareiro. Em abril de 1961, a invasão imperialista da Praia de Girón, no governo Kennedy, aprofundou o processo de avanço da revolução, levando Fidel Castro a proclamar seu caráter socialista. Em discurso em dezembro de 1961, afirmava:

Tínhamos de optar entre permanecer sob o domínio, a exploração e a insolência imperialista, continuar suportando aqui os embaixadores ianques dando ordens, continuar mantendo nosso país no estado de miséria em que estava, ou fazer uma revolução anti-imperialista, e fazer uma revolução socialista.

A nacionalização e a planificação econômica permitiram importantes avanços sociais e consolidaram o apoio à revolução. Contudo, Fidel Castro continuava a semear ilusões na conciliação de classes, como num famoso documento:

“Na luta anti-imperialista e antifeudal é possível estruturar a imensa maioria do povo sob objetivos de libertação que unam o esforço da classe trabalhadora, dos camponeses, dos trabalhadores intelectuais, da pequena burguesia e das camadas mais progressistas da burguesia nacional. Estes setores compreendem a imensa maioria da população e reúnem grandes forças sociais capazes de varrer o domínio imperialista e a reação feudal. Nesse amplo movimento, eles podem e devem lutar juntos pelo bem das suas nações, pelo bem dos seus povos e pelo bem da América, do velho militante marxista ao católico sincero que nada tem a ver com os monopólios ianques e os senhores feudais da terra” (Segunda declaração de Havana, 4 de fevereiro de 1962).

Nesse processo há uma aproximação com a União Soviética. O comércio entre os dois países foi feito em condições favoráveis para Cuba, permitindo o desenvolvimento econômico e social da ilha. Contudo, a política de “coexistência pacífica” que orientava a política externa de Moscou restringiu a luta pelo socialismo à ilha. Essa política se mostrou um obstáculo para os revolucionários internacionalistas de Cuba, como Che Guevara, que deixou o governo e passou a lutar em outros países.

Com a crise da União Soviética, no final da década de 1980, Cuba passou por um momento delicado, pois cerca de 80% de seu comércio exterior se dava com Moscou. No período entre 1989 e 1993 o PIB cubano caiu 35%. Enquanto na URSS a casta burocrática governante permitia a restauração capitalista e se tornava ela própria capitalista, mediante o roubo da propriedade estatal, em Cuba a revolução vem resistindo à restauração capitalista. Contudo, Cuba segue submetida a um bloqueio econômico imposto pelo imperialismo.

O processo histórico e político de Cuba mostra a necessidade da expansão da revolução para todo o mundo, inclusive nos países centrais do imperialismo. Essa perspectiva é diferente do apoio diplomático e econômico que recebeu Cuba por parte da União Soviética, que visava, principalmente, fortalecer uma casta burocrática dentro da ilha e o regime político, e não ser um fomentador do socialismo em outros países. Cuba ficou limitada a um governo burocrático que, apesar de ter dirigido a expropriação da burguesia, não encabeçou a luta pelo socialismo. O regime político ficou estagnado em um Estado burocratizado que cada vez mais se fortalece e vem abrindo as portas para a restauração capitalista.

Cabe lembrar a lição de Trotsky sobre a necessidade de uma revolução política, que derrube a burocracia governante e garanta o poder efetivo para os trabalhadores. Foram os trabalhadores que até o momento impediram tanto a restauração capitalista como o avanço da ofensiva imperialista sobre Cuba. Por outro lado, é preciso destacar que o destino de Cuba depende fundamentalmente da luta dos trabalhadores em âmbito internacional, tanto para derrotar a burocracia e impedir a restauração capitalista, como para avançar na construção do socialismo.