por Mateus de Sá Barreto Barros
Quando se propõe a realizar um diálogo entre o Brasil e qualquer país latino americano, surge de pronto um impasse: “em que medida outro país da América Latina, pode acrescentar algo ao Brasil?”. Esse questionamento, ou melhor, posicionamento, representante dos valores hegemônicos da sociedade brasileira – que propagandeia, de maneira incisiva, a soberania, de certo modo, imperialista, que esse país possui em relação aos outros países do mesmo continente – afasta, de imediato, qualquer forma de diálogo.
Sabia-se, dentro da estrutura de poder que está fundado o estado de Pernambuco e sob a estrutura meritocrática que está fundamentado o estado brasileiro, poderia haver uma insensibilidade simbólica – no sentido de que seria impossível imaginar – qualquer formato universitário, público e de qualidade, que fosse diferente do sistema brasileiro.
É certo que muitas dessas questões conseguia-se apreender no cotidiano, nas divulgações que estava sendo realizada nos corredores da universidade. A pergunta que era feita para incitar às pessoas irem ao debate era: “Se na Venezuela pode, por que o Brasil não?”. A resposta se dava de maneira automática, quase antevendo a própria pergunta: “Porque Chaves estar no Poder! Na verdade, o que não é público na Venezuela hoje?”.
A questão da Venezuela, aparentava, nessa perspectiva, ser muito simples. Tinha Hugo Chaves como líder e era o nome principal da Revolução Bolivariana. Bom, se a questão da Venezuela se reduzisse a tais aspectos, eram muitos os especialistas que tinham na universidade que dominavam com propriedade e perfeição as questões políticas, econômicas, sociais, culturais, etc. que estruturam aquele país. Nesse sentido, não seria necessário vir um venezuelano para falar sobre universidade pública, haja vista a quantidade de especialistas que tinham em Pernambuco, que poderiam palestrar, com qualidade até melhor que um sujeito, natural da Venezuela, que se dispõe a vir para esse país, para falar do processo histórico recente do seu próprio país.
Contudo, crer-se-ia que a matemática não é tão simples assim e foi possível constatar isso nas intervenções que Euler Calzadilla fez em sua estada em Pernambuco, tanto em Recife quanto em Condado. Dentre as questões colocadas por Euler, quatro nos chamaram atenção: a) o processo histórico do capitalismo; b) a questão política na atual Venezuela; c) o papel da mídia; d) Missão Sucre.
A análise que Euler fez sobre o processo histórico do capitalismo foi muito contundente, tanto do ponto de vista político quanto científico, marxiano. Quando o mesmo faz menção a bíblia, mais precisamente a passagem de Jó, que ao perder tudo se viu obrigado a trabalhar, recebendo o que lhe pagassem. Esse era o exemplo do capitalismo na história, pois esse existiu no passado, existe e permanecerá no futuro.
Essa reflexão, faz nos lembrar dos historiadores marxistas, como Stuart Schwartz (Escravos, roceiros e rebeldes), quando afirma que o processo de produção escravista, era capitalista em sua essência, uma vez que os escravos não possuíam participação direta em todo processo produtivo sendo alienado desse processo. São as relações de trabalho, já dizia Marx, que configuram o capitalismo. A máquina representa esse sistema, de vez em quando, quando está em funcionamento. Aquela é a condição fetichizante para a continuidade do capitalismo.
A permanência desse sistema impossibilita o forjar de novos símbolos, falando de maneira hegemônica, promovendo a naturalização do status quo. De certo modo, garante a estabilidade material do sistema no imaginário coletivo, fazendo com que haja a menor possibilidade de mudança real, tendo como principal argumento, a tentativa de assassinar a democracia do país.
Esse impulso contrário ao que se é determinado enquanto democracia, foi a escolha tomada por Hugo Chaves, na Venezuela. Procurou-se, desde do início, do que se denomina com “Revolução Bolivariana”, construir uma conotação popular da democracia, não ficando à mercê da compreensão que a burguesia possuía. À medida que a Revolução empreende sob novos campos, a democracia toma dimensões ainda maiores.
O avanço democrático, de acordo com Euler Calzadilla, não seria possível se não fosse a organização popular, sobretudo, após o golpe sofrido por Chaves, em 2002. Após o acontecido, houve uma preocupação, no mínimo interessante, por parte de organizações políticas, inclusive a Corrente Marxista Internacional (CMI). A questão é que se Chaves caísse naquele momento, havia possibilidade real da direita tomar o poder uma vez mais.
Dessa maneira, começou-se a organizar um movimento popular que, em caso extremo, poderia assegurar a permanência de um sistema democrático que a população pudesse escolher um novo presidente. Além de consolidar as bases para impulsionar o governo Chaves. Nesse contexto, fica claro que as iniciativas empreendidas pelo governo Chaves, não depende única e exclusivamente dele, mas principalmente, das demandas que a população possui.
Contudo, a mídia adota uma política oposicionista, em relação ao governo, tendo como elemento central de seus posicionamentos, a acusação de um governo antidemocrático, ditatorial. A mídia de massa torna-se instrumento principal de oposição dos partidos de direita, fazendo com que esses tenham avanços significativos, a exemplo das eleições recentes na Venezuela.
A questão é que a organização popular não se desmobiliza com essas questões, uma vez que conseguia encaminhamentos importantes. A missão Sucre foi um deles. A missão Sucre tinha como principal objetivo, acabar, ou ao menos diminuir, a defasagem do contingente universitário. Havia algo entorno de 470.000 (quatrocentos e setenta mil) pessoas fora das universidades. Em um curto espaço de tempo, conseguiu-se atingir 418.000 (quatrocentos e dezoito mil) pessoas, possibilitando que fizessem os cursos que quisessem, sem passar por qualquer prova. Fazendo com que, certos cursos, tidos como elitistas, passassem a ser efetivamente populares, como foi o caso do curso de medicina.
Os custos da Universidade de Sucre possui por aluno em um ano, equivale a 355 do valor gasto pela Universidad Central de Venezuela. Essa universidade chega a gastar U$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos dólares) por ano, por cada aluno. 35% desse valor é equivalente a U$ 1.820,00 (mil oitocentos e vinte).
Percebe-se que com vontade política e organização popular, se pode ampliar as fronteiras do conhecimento e formar pensamentos críticos. Foi dessa forma que a Venezuela tornou-se um país livre de analfabetismo, o segundo país latino americano com maior nível universitário, ficando atrás apenas de Cuba e o quinto do mundo.
Para os especialistas universitários que pensavam em compreender a dimensão do processo revolucionário na Venezuela, crer-se que estão prontamente enganados, sobretudo, por ter se ausentado do debate. Mas, não tem importância. O debate foi enriquecedor e a Esquerda Marxista em Pernambuco foi quem saiu fortalecida.