Eleições na Argentina: nem rir nem chorar, compreender!

Os resultados eleitorais das Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO) 2023 na Argentina colocaram às claras a complexa e contraditória situação política, social e econômica na qual vivem as massas no país.

Os resultados

A Libertad Avanza foi a coalizão política mais votada: impôs-se em 16 das 24 províncias, chegando a 30% dos votos. Enquanto isso, na coalizão Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich se impôs sobre Horacio Rodríguez Larreta, alcançando, em conjunto, um total de 28,3%. Seja como for, se tomarmos os resultados de Javier Milei (30%) em relação a Patricia Bullrich (17%), o primeiro a superou amplamente retirando-lhe uma grande quantidade de eleitores que Bullrich deverá reconquistar nas eleições gerais.

Na coalizão Unión por la Patria, Sergio Massa se impôs a Juan Grabois, alcançando entre os dois 27,3%. Por sua vez, na FIT-U, Miriam Bregman ganhou de Gabriel Solano, alcançando 2,7%.

Enquanto isso, o absenteísmo também foi protagonista da jornada eleitoral. A participação foi de 69,9%, um dos índices mais baixos nas eleições presidenciais desde 1983, caindo aproximadamente 7%. Nas primárias de 2019, a participação foi de 76,4%. Ademais, foram registrados 4,78% de votos em branco e 1,21% de votos nulos. No total, foram 1,4 milhões de eleitores a menos que em 2019, superando em apenas 1,2 pontos percentuais a votação das últimas eleições legislativas, quando havia restrições pela Covid-19.

Na realidade, não se pode falar de três terços como o fez Cristina Fernández em seu momento. Pelo contrário, devemos falar de quatro quartos, visto que os agrupamentos políticos não viram a enorme abstenção, que impôs um novo elemento na situação política.

Se analisarmos os números e como ficou pintado o país com as distintas cores políticas, Milei, como salientamos acima, recebeu parte dos votos de Juntos por el Cambio.

A coalizão Frente de Todos/Unión por la Patria entrou em colapso, perdendo uma enorme quantidade de votos. Na verdade, não há uma política pior que a dos governos reformistas aplicando medidas de ajuste, pois a resposta das massas não se faz esperar.

As eleições ocorreram em um contexto político, social e econômico de raiva popular  e cansaço. A desvalorização da vida em geral, a desordem social, somados à violência social e estatal são a situação comum na qual vivem os milhões de mulheres e homens comuns.

A inflação devora os aumentos salariais alcançados. A liberação de tarifas e o aumento incessante dos preços da cesta básica tornam imprescindíveis dois ou três empregos para levar comida à mesa dos trabalhadores, pois não é possível chegar ao fim do mês. A isto se soma o aumento da pobreza a níveis sem precedentes e uma economia informal que cresce continuamente. Todas estas razões compõem o contexto e fornecem argumentos de sobra para a raiva acumulada ao longo do tempo, que se manifestou no domingo, tanto nas urnas quanto no absenteísmo histórico.

Além disso, não se pode esquecer que na semana anterior às eleições a violência atingiu as cidades Lanús e de Buenos Aires, com os assassinatos [respectivamente] de Morena, por dois criminosos que levaram seu celular, e de Facundo Molares, pelas mãos da polícia do prefeito Larreta.

Parece que a burguesia está empurrando o país para uma espiral de dissolução. Os capitalistas mostram claramente que não têm limite para sua ganância nem escrúpulos na corrida por lucros maiores, inclusive chutando o tabuleiro de xadrez se for preciso. Títulos de dívida em dólares colapsam na maior queda desde a crise da dívida em pesos, com a saída de Martín Guzmán em junho de 2022. As ações começaram com quedas de até 15% e já operam com lucro após os resultados de domingo e das medidas do governo, sendo mais do que provável que entremos em um curso de desvalorização nos próximos meses.

Poucas horas depois do resultado das PASO, o governo aumentou o dólar oficial impondo uma desvalorização de 22%. O aumento das tarifas do BCRA [Banco Central da República Argentina] chegou a 118% e produziu uma reavaliação geral dos preços da cesta básica. O dólar blue disparou a níveis que empurram a economia de milhões de trabalhadores para mais miséria, chegando a 715 – 730 pesos argentinos.

A economia em geral, em decorrência do aumento do custo de vida, retrocede lentamente em meio a um processo de estagnação. Os preços das mercadorias não são conhecidos, portanto, os capitalistas seguram as vendas e especulam por mais lucros, enquanto quem paga são os trabalhadores, os de baixo.

O eleitorado virou à direita?

A votação por Javier Milei deixou um rastro sombrio na coalizão Frente de Todos/Unión por la Patria. Continuam com o mantra de “derrota cultural”, que se soma a uma série de justificativas sobre as razões que colocaram Sergio Massa em terceiro lugar.

Milei, um candidato que pintou a Argentina de violeta, não conta com uma estrutura organizada em nenhuma das províncias do país, nem com um só governador. Tampouco conta com o apoio da burguesia mais lúcida, pois o FMI apostava por um governo peronista, liderado por Sergio Massa.

Ainda que a candidatura de Sergio Massa tenha chegado às PASO golpeada pela disparada dos preços e com um desprestígio crescente ante os olhos das massas, o FMI tem consciência de que quem ainda tem um certo “resquício de autoridade” sobre a classe trabalhadora é o peronismo.

Da mesma forma, o FMI sabe que se Bullrich ou Milei vencerem e aplicarem os planos que anunciam, a situação política pode levar a uma crise revolucionária, semelhante a de 2001.

Embora seja verdade que Massa já assumiu um compromisso com o Fundo Monetário para alcançar um “déficit zero” em 2024, o governo precisa do desembolso de 10 bilhões de dólares do FMI para chegar até outubro.

Tudo se confunde, não há fisionomias com diferenciações determinadas pelos programas nos partidos do regime. Tanto os peronistas quanto a direita e a extrema direita parecem falar as mesmas palavras e compartilhar ideias semelhantes.

Na verdade, Milei cavalgou no descrédito do regime político e de seus representantes. Porém, antes das eleições parecia que estava desinflando devido aos escândalos da venda de candidaturas em troca de dólares, junto a declarações polêmicas sobre diversos temas que levantaram muita poeira. De qualquer forma, a raiva dos de baixo prevaleceu para punir os partidos majoritários.

Milei denuncia a casta política por corrupção e desgoverno, e no último trecho da campanha ergueu hipocritamente a bandeira do “que se vayan todos” de 2001. Uma mistura de raiva e discurso aparentemente antissistema.

Em última análise, dependendo dos desenvolvimentos econômicos, a classe dominante pode usar personagens como Milei para instalar uma agenda de guerra contra as massas através da mídia.

O voto em um candidato que parece chutar a mesa, como é o caso de Milei, é expressão do repúdio da maioria dos trabalhadores às instituições do regime político e aos dois partidos majoritários, o Partido Justicialista e o Juntos por el Cambio, que governaram nos últimos anos, causando seu colapso nas eleições.

Mas o que, na realidade, fracassou não foram os trabalhadores, que tomaram esta ferramenta para castigar o governo peronista e a Juntos por el Cambio, mas a política de conciliação de classes dos dirigentes da Frente de Todos, que se ajoelharam ante o FMI, cedendo às pressões do mesmo.

Há quem tente instalar no debate a ideia de que há uma guinada à direita na sociedade, no eleitorado, e que, em consequência, se instalou uma nova direita na Argentina, mas isso é falso. O que fracassou foram os dirigentes de um regime que mergulhou o país na miséria e na degradação, sufocando economicamente milhões de pessoas, não só nos quatro anos de macrismo, que endividaram o país, mas também nos anos da Frente de Todos que, por outros meios, continuou o ajuste, fazendo o jogo da direita e divorciando-se das massas dia após dia.

Os grandes partidos do regime estão se afastando dos milhões de trabalhadores e trabalhadoras e, em resposta, os de baixo também responderam com um absenteísmo histórico. Os que fracassaram foram o peronismo e o macrismo; fracassou o regime político que nas eleições e durante estes anos não se deu conta dos problemas mais prementes que assolam milhões de pessoas, os velhos, os jovens sem futuro, os trabalhadores e trabalhadoras que só têm como futuro a miséria e a violência estatal.

As eleições gerais

Depois dos resultados das PASO, Unión por la Patria avalia todos os setores que lhe podem ser afins para polarizar com Milei e, por este caminho, entrar na votação; desde Schiaretti até a especulação de que os votos de Horacio Rodríguez Larreta podem ser captados por Sergio Massa.

Tentam percorrer este caminho até outubro, até as eleições gerais, com a ideia de “alcançar um governo de unidade nacional no qual estejam todos os que estão dispostos a defender a democracia” (Agustin Rossi), e, para isso, a melhor figura que temos é Sergio Massa. Portanto, a disjuntiva é entre ditadura versus democracia, para formular ou levantar uma frente antifascista na experiência passada de transversalidade de Néstor Kirchner.

Para os progressistas do ajuste, a luta não é contra os capitalistas e seus representantes, embora digam defender os milhões de trabalhadores e uma melhor distribuição da riqueza. E, de fato, não, não é. Para eles, em nome de se pôr o país de pé, quem deve se sacrificar são os trabalhadores, e, para pôr o país de pé, devem se submeter a salários magros e às piores condições de vida e trabalho.

Por sua vez, Patricia Bullrich se prepara para as eleições de outubro mostrando unidade com Larreta e Gerardo Morales, argumentando que seu baixo resultado se deveu à eleição interna que lhe fez muito dano. Enquanto isso, espera-se que Bullrich modere o seu discurso para enfrentar Milei tirando votos de Sergio Massa.

A esquerda

Os resultados do FIT-U, juntamente ao Nuevo MAS nas PASO no último domingo, totalizaram 777 mil votos. Comparando-os com os resultados das PASO de 2019, ambos os grupos haviam obtido 908 mil votos, ou seja, 131 mil votos a mais do que nas eleições de 14 de agosto. Isso representa 15 pontos percentuais a menos.

Toda a esquerda foi vítima de sua própria política parlamentar. As hostilidades em diferentes ocasiões através de cartas de todos os lados, apenas priorizavam insultos em vez da discussão de um programa que se conectasse com os milhões de trabalhadores e jovens do país, com seus mais sinceros desejos e demandas.

Um programa que seja discutido, assentado em assembleias de base dos diferentes grupos que o compõem, além de incluir a convocação de um conjunto de ativistas e partidos da esquerda para elaborar uma plataforma única, que seja apresentado nos comícios das PASO e nas eleições gerais. Que não seja apenas a UNIDADE parlamentar da esquerda para denunciar a burguesia e seu regime político “democrático”. Mas que seja também um espaço unitário de convocação que mobilize a desconfiança com relação aos representantes do regime político e de suas instituições. Fazendo um apelo à organização consciente nos bairros, nas fábricas e nas escolas aos milhares que lutam cotidianamente contra as grandes patronais. Preparando e potencializando as plenárias regionais e os órgãos de auto-organização para um Congresso Operário, preparando as condições para a convocação à Greve Geral com a perspectiva de um Poder Operário.

Em vez disso, deram prioridade às disputas sem princípios de lugares ou postos dentro das listas, escolhendo um método capitalista alheio às tradições da democracia operária.

Em vez de se conectar com o mal-estar e com a raiva, capitalizando o descontentamento nos partido majoritários, colocando Milei como um profeta falso e oportunista do grande capital, o FIT-U se colocou na linha do cretinismo parlamentar.  

A unidade da esquerda que a classe trabalhadora necessita é a unidade com base no programa revolucionário e é o programa que depura os centristas e os oportunistas.

Está se preparando um aumento da luta de classes. E o aprofundamento da crise depois dos resultados das eleições será resolvido nas ruas, nas fábricas, nas escolas, nas universidades, nos bairros e nos locais de trabalho através da luta.

Devemos nos preparar para a etapa que está chegando.

Junte-se à Corrente Socialista Militante.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.