Dirigente da seção venezuelana da Corrente Marxista Internacional, Deivi Peña concedeu entrevista à Esquerda Marxista sobre o curso dos acontecimentos no país latino.
Entrevista concedida por escrito pelo camarada Deivi Peña, da Lucha de Clases, seção venezuelana da Corrente Marxista Internacional.
Esquerda Marxista: Fale um pouco sobre a situação da Venezuela.
Deivi Peña: Desde 2013 a Venezuela entrou em uma grave crise econômica, produto, principalmente, de 3 fatores: primeiramente, o incremento da sabotagem da burguesia e do imperialismo sobre a economia do país, já que, após a morte do presidente Chávez, o governo recém-eleito de Nicolás Maduro se encontrava frágil e sem a autoridade política suficiente para controlar a burocracia estatal tal como fazia Chávez. Isto foi visto como uma fragilidade e, por isso, a burguesia aproveitou para radicalizar o desabastecimento de alimentos, o desinvestimento, a redução da produção, o desvio de alimentos (com preços regulados) para cadeias de distribuição não oficiais, onde podem os vender com sobrepreço etc.
O segundo fator é a queda dos preços do petróleo, já que o orçamento convencional do país necessita de um preço de, pelo menos, US$ 60 por barril. Mas as políticas sociais como as missões, subsídios etc., não são parte do orçamento oficial e dependem do excedente da venda do petróleo acima dos US$ 60 por barril do orçamento oficial, sendo necessários, ao menos, uns US$ 80 por barril. Não é difícil entender que, com um barril abaixo dos US$ 40, o Estado não conta com os recursos para manter seu funcionamento normal. Além disso, no passado, quando a burguesia sabotava a economia, o governo do presidente Chávez com o excedente da venda do petróleo, que estava acima dos US$ 100 por barril, aplicava políticas keynesianas como a importação, principalmente, de alimentos e medicamentos dos países aliados como Argentina, Brasil, Nicarágua etc. e os distribuía diretamente por meio das cadeias de supermercados e farmácias do Estado, a preços subsidiados, o que conseguia evitar que a sabotagem da burguesia afetasse a capacidade aquisitiva da classe trabalhadora. Isto não é mais possível, a burguesia segue tendo o controle da economia em suas mãos e o Estado não tem recursos para aplicar mais políticas keynesianas e, por isso, a inflação de 2015 fechou em 180%, enquanto que a inflação dos últimos 6 meses é de, aproximadamente, 200%, podendo fechar em 2016 entre 400% a 500%. Apesar de o governo ter aumentado o salário três vezes neste ano, os aumentos sempre estão abaixo da inflação.
O terceiro fator é a bancarrota das políticas reformistas. Há quase uma década o governo Bolivariano, como toda a revolução, encontra-se em uma encruzilhada entre o reformismo ou a revolução. Porém, a resolução desta situação prolongou-se graças à bonança, produto dos altos ingressos do petróleo, que permitia aplicar políticas keynesianas que dignificavam a vida das pessoas e permitiam a coexistência de um governo revolucionário com uma economia majoritariamente capitalista, quer dizer, durante uma época de crescimento econômico, o capitalismo tolera, até certo ponto, algumas reformas progressistas que permitem elevar a qualidade de vida das pessoas. Mas o capitalismo na Venezuela, produto da crise do capitalismo mundial, não suporta mais medidas reformistas, pelo contrário, precisa com urgência retirar todas as conquistas do período anterior. A situação só pode ser resolvida tomando medidas radicalmente socialistas ou, simplesmente, retirando todos os controles e regulações sobre o capitalismo de mercado. Resumindo, ou se faz com que a burguesia pague pela crise, nacionalizando as indústrias, as terras e os bancos privados, ou se faz com que a classe trabalhadora pague a crise por meio de políticas de austeridade, como o aumento de preços dos principais bens e serviços, congelamento salarial, desvalorização da moeda, demissões em massa, redução dos benefícios trabalhistas, conquistados pelos trabalhadores nos 15 anos anteriores etc.
Esquerda Marxista: Como está o governo Maduro?
Deivi Peña: O governo do presidente Maduro está atravessando um momento de muita fragilidade, sem precedentes para o governo Bolivariano. A maior parte da população não apoia sua gestão e mais de 50% são opositores diretos de seu governo.
Os reformistas não somente não aprendem as lições da história do movimento proletário, como que não são capazes de tirar as conclusões corretas do presente. O Presidente Maduro acredita que imitando um programa de conciliação de classes, como o que foi levado a cabo por Lula e Dilma no Brasil e pelos Kirchner na Argentina poderá conseguir a simpatia e o apoio da burguesia e formar com eles um governo de “Unidade Nacional” tal como Lula recomendou a Chávez após sua última vitória eleitoral. Por esses motivos a política do Governo Maduro é muito semelhante ao do governo petista no Brasil, especialmente durante o mandato de Dilma, e ao governo kirchnerista na Argentina, ou seja, aplicar medidas que beneficiam a burguesia e afetam as condições de vida dos trabalhadores, ao mesmo tempo, essas medidas desmoralizam e desmotivam camadas importantes dos setores que apoiam o governo, preparando as condições para uma derrota eleitoral no próximo período. Mas a lição mostrada por esta situação no Brasil e na Argentina é a de que a burguesia, de maneira oportunista, pode entrar neste governo de “unidade nacional”, enquanto o apoio das massas favorece o governo. Porém, quando a situação se transforma em seu oposto, a burguesia não pode mais que responder a seus interesses de classe e trair qualquer pacto do período anterior. No caso da Venezuela, o presidente Maduro pretende fazer este pacto quando o apoio das massas não lhe favorece e isto explica porque este chamado à negociação da burguesia não pode ter efeito algum.
A traição é inerente ao reformismo, especialmente ao reformismo de esquerda, não porque se trate de um plano prévio para trair a vontade das massas, mas porque os reformistas, ao não compreenderem cientificamente à sociedade, são incapazes de entender que não há forma alguma de reformar ou humanizar o capitalismo, no que, sem medidas radicalmente socialistas (as quais o governo de Maduro descartou reiteradas vezes durante seu mandato), a única saída é a hesitação frente aos interesses da burguesia. E isto explica as políticas do governo Bolivariano nos últimos três anos e, especialmente, durante 2016, onde se fez importantes concessões à burguesia e ao imperialismo, com a esperança de que por meio destas concessões, que afetam enormemente às massas trabalhadoras, as forças reacionárias possam cessar seus ataques contra a revolução.
Esquerda Marxista: Como a população está reagindo?
Deivi Peña: Entre as massas trabalhadoras a situação é de muita insatisfação, desmoralização e desespero. A base de apoio ao governo Bolivariano foi diminuindo rapidamente na mesma medida em que a crise se aprofundou nos últimos meses. Ainda que as massas reconheçam que a burguesia está por trás da sabotagem à economia, também reconhecem a incapacidade total do governo Bolivariano em resolver a crise econômica, somada à crescente corrupção dentro do aparato do Estado. Tudo isto gera desconfiança perante as massas de que o governo realmente possa solucionar os problemas atuais e cada vez há menos esperança em que a gestão de Maduro possa melhorar algo no futuro.
As filas para aquisição de alimentos a preços regulados são cada vez mais longas. As pessoas devem passar até 10 horas esperando do lado de fora dos supermercados para adquirir alguns alimentos da cesta básica. Nos anos anteriores, havia a garantia de que após 6 a 8 horas de fila para comprar alimentos, podia-se comprar a preços regulados. Agora, após as 10 horas de espera, não há garantia de que todos consigam e isso radicaliza a situação de desespero frente às massas. Isto foi observado pela direita e já há vários anos tenta infiltrar sujeitos pagos por eles para incentivar saques nas zonas populares. Até fim de 2015, estas tentativas de saques não tinham eco entre as massas que, simplesmente, ignoravam-nos, mas nos últimos meses a situação mudou, produto do desespero e impulsionados por agentes da direita tem havido saques em setores populares em todo o país, onde setores importantes das massas participam abertamente.
Esquerda Marxista: O que a seção venezuelana da Corrente Marxista Internacional (CMI) está fazendo para intervir na situação?
Deivi Peña: Trotsky explica que o aspecto mais característico de uma revolução é a participação ativa de camadas cada vez mais amplas das massas na política. A situação atual na Venezuela produz um alto grau de polarização entre as massas e, com isso, a possibilidade de intervir em espaços próprios da luta de classes se generaliza. Nossas forças são muito pequenas e nossa capacidade de intervenção é bastante limitada nestes momentos. Não temos capacidade para incidir decisivamente no desenvolvimento da luta de classes no país. É por isso que temos priorizado espaços de intervenção onde podemos interferir de maneira sistemática e organizada e conseguir com que ela permita ampliar nossas forças na mesma medida que possamos fincar raízes dentro do movimento operário e da juventude, preparando nossas forças para poder influenciar de maneira correta os acontecimentos do próximo período.
Nossa orientação atual esta focada em reforçar nosso trabalho nos espaços onde a classe trabalhadora se organiza para defender seus interesses na luta de classe, especificamente nos sindicatos, nos partidos, neste caso no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e nas universidades.
Esquerda Marxista: Qual seria a solução para a situação da Venezuela?
Deivi Peña: O primeiro que se assinala é que a aguda crise econômica que a Venezuela vive não representa “o fracasso do socialismo”, mas totalmente o contrário, o fracasso do reformismo, da tentativa de regular o capitalismo. Somente há duas saídas: ou se deixa as forças de mercado atuar livremente (e, desta maneira, quem paga pela crise é a classe trabalhadora), ou se nacionalizam os meios de produção sob o controle operário para planificar a economia em benefício da maioria. Não há meio termo. A primeira tarefa dos revolucionários na Venezuela é entender isto e explicar pacientemente aos mais amplos setores das massas bolivarianas. Devemos ser claros: a revolução bolivariana e tudo o que alcançou estão em perigo. E a responsabilidade principal recai na política dos reformistas e burocratas na direção do governo e do próprio movimento bolivariano.
A atual situação não pode ser resolvida de maneira definitiva sem a aplicação de um programa verdadeiramente socialista que ataque o capitalismo desde sua raiz. Este programa é:
- Monopólio do comércio exterior.
- Nacionalização de toda a cadeia de produção, processamento e distribuição de alimentos e outros produtos básicos, sob o controle democrático dos camponeses, trabalhadores e comunidades organizadas.
- Estatização de todos os bancos e das empresas de seguros.
- Repudio à dívida externa.
- Expropriação, sob o controle operário, de todos os capitalistas envolvidos na fraude do dólar preferencial.
- Conselhos socialistas de trabalhadores em todas as fábricas e postos de trabalho.
- Controle operário da produção e um planejamento democrático da economia, fim da corrupção e do burocratismo.
- Todo o poder à classe trabalhadora organizada.
E para lutar por este programa é preciso organizar uma assembleia nacional do chavismo de base e revolucionário em que a classe trabalhadora organizada tem que ter um papel dirigente.
Tradução de Nathan Belcavello.