Mais uma vez, os estudantes secundaristas saíram ontem (19 de janeiro) às ruas de Londres contra as reformas do sistema educacional impostas pelo governo de coalizão.
Desta vez para protestar contra a supressão de uma bolsa: a Subvenção para a Manutenção da Educação (EMA, em suas siglas inglesas), um pagamento mensal aos jovens entre 16 e 18 anos de idade com renda familiar abaixo de 30.800 libras esterlinas, para animá-los a permanecer no sistema educativo. Os estudantes viajaram desde lugares distantes como Sunderland e Cornwall para protestar contra o término do EMA. A distribuição desse subsídio já havia sido excluída aos novos solicitantes.
Os estudantes, tanto os universitários quanto os secundaristas, protestaram com aulas públicas na estação de King’s Cross. Os manifestantes se reuniram em frente às telas dos monitores de informação de horários de saída e anunciaram, pouco depois das 17 horas, que estavam organizando uma conferência pública. Foram recebidos calorosamente pelos passageiros com ondas de aplausos e expressões de apoio depois dos discursos. Muitos dos oradores assinalaram o recente aumento nas tarifas ferroviárias como um exemplo a mais da subvenção do governo de coalizão ao setor privado, que será abonada pelo bolso dos cidadãos.
O serviço de segurança da estação informou aos estudantes que estavam violando a lei por se encontrarem ali. De início, a polícia tentou retirar-lhes as bandeiras que haviam trazido, mas, em seguida, desistiu. Uma testemunha do fato me disse que a conduta da polícia foi correta e até mesmo amistosa com os jovens. Estariam seguindo ordens das autoridades superiores, que temiam as conseqüências na opinião pública dos enfrentamentos entre a polícia e os jovens estudantes? Ou esta atitude refletia uma simpatia genuína com a luta contra os cortes orçamentários do governo, que também afetarão aos policiais? De qualquer forma, a polícia se pôs de lado e permitiu que a manifestação continuasse. Quando tudo terminou, os estudantes dissolveram a concentração pacificamente.
Outros ativistas organizaram uma manifestação em frente ao Parlamento pela manhã e pressionaram os parlamentares na Câmara dos Comuns pela tarde. Adolescentes de dois colégios de Londres celebraram uma reunião numa das salas das comissões do Parlamento. O tema foi a importância da confiança nos políticos. Outros ofereciam biscoitos com a inscrição “Salvar a EMA” escrita em glacê.
Enquanto isto, os deputados debatiam o que fazer com a alocação de recursos. Andy Burnham, o secretário de educação trabalhista, disse ao Parlamento que a supressão da EMA representava uma traição dupla aos jovens de famílias pobres, que já haviam sido afetados pelo aumento dos gastos de matrícula. Corre-se o risco, disse ele, de se reverter o incrível progresso humano e social realizado a partir da década de 1980.
Em resposta ao que se poderia haver previsto com antecedência, Michael Gove, o secretário de Educação, repetiu a triste e velha cantilena da coalizão de governo, atribuindo tudo à difícil situação econômica que os trabalhistas haviam deixado. Gove agregou que os acordos atuais para ajudar os jovens mais desfavorecidos estavam “mal orientados”. Sim, naturalmente! Pode-se confiar plenamente que os Tories (Conservadores) e seus parceiros no governo de coalizão, os Democratas Liberais (Lib-Dems), manterão seu objetivo de realizar ataques selvagens e cortes orçamentários que atingirão todos, exceto os seus amigos da City de Londres (o centro financeiro do Reino Unido).
A hipocrisia nauseante deste governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos foi desmascarada dias antes em sua incapacidade de enfrentar o escândalo das bonificações obscenas, que montam a bilhões de libras, que os banqueiros decidiram outorgar a si mesmos. Esta é uma aplicação muito literal do texto bíblico: “Porque a todos os que têm lhes será dado, e o terão em abundância; mas ao que não tem, o que ainda tem lhe será retirado”.
Os protestos e o debate aconteciam no momento em que eram publicadas as estatísticas de desemprego juvenil, que alcançara cifras recordes. O número total de adultos menores de 25 anos que se encontra sem trabalho aproximou-se da marca de um milhão. O aumento de 32 mil, entre agosto e novembro, elevou a cifra total a 951 mil. Isto elevou a taxa de desemprego juvenil até 20,3%, que é também o nível mais elevado desde que começaram os registros em 1992.
Houve um aumento particularmente forte do desemprego na faixa entre 16 e 17 anos de idade que se situou acima de 204 mil, em relação aos 177 mil desempregados no trimestre anterior. O significado disto é demasiado claro. A uma pessoa jovem, que abandona a escola, mesmo que tenha boas qualificações, lhe será muito difícil encontrar trabalho na Grã-Bretanha.
Com o acesso ao mercado de trabalho praticamente bloqueado, muitos jovens decidiram permanecer na escola e procurar melhorar suas possibilidades de chegar à universidade. Agora, contudo, os conservadores e os seus parceiros Lib-Dems adotaram medidas para fechar este acesso também. Para começar, aumentaram o preço da matrícula a um nível que tornará a educação superior proibitiva para a maioria dos estudantes da classe trabalhadora. Esta medida regressiva, por sua vez, fará com que as universidades britânicas voltem a ser o que sempre foram no passado: um feudo privilegiado dos ricos. Foi esta a fagulha que desencadeou as violentas manifestações no final do ano passado.
Depois, continuaram com uma medida ainda mais feroz, dirigida diretamente contra a juventude pobre da classe operária. James Mill, o líder da campanha “Salvar a EMA”, disse que a Inglaterra retrocedia à década de 1930 em termos de limitação às possibilidades dos jovens procedentes da classe trabalhadora:
“Tenho medo das possibilidades que estão diminuindo todos os dias para minha geração. O resultado do encarecimento da matrícula, da abolição da EMA e do desemprego juvenil significa que este governo de coalizão enviou as classes preteridas ao fundo das salas de aula”.
A propaganda mentirosa do governo se baseia em que muitos jovens que recebem a ajuda não a necessitam. Esta mentira foi respondida por uma jovem de 17 anos, Wassell Tyrone, que havia viajado desde Blackpool para pressionar seu deputado conservador sobre a questão da EMA: “Recebo um total de 30 libras e isto me permite comer durante a semana. Isto também me fez me dar conta do importante que é a educação. É como um incentivo para assistir as aulas. Se eu não o tivesse recebido, teria ido embora direto para trabalhar”.
Há um problema com tudo isto. Com um de cada cinco jovens sem trabalho, não será nada fácil encontrar um emprego. Vivien Kintu, de 18 anos, procedente de Hackney, zona operária muito desfavorecida do leste de Londres, se apresentou em mais de 60 locais de trabalho em tempo parcial e não teve êxito em nenhum deles:
“Estou competindo com pessoas de trinta anos”, disse. “Não me parece justo. Sinto que minha geração sempre serviu de ratinhos de laboratório das iniciativas dos novos governos. Não acredito que os ministros tenham que jogar fora a EMA. Poderiam encontrar o dinheiro, poderiam ter cancelado os jogos olímpicos e então o encontrariam”.
León Psyzora, de 17 anos de idade, de Crouch End, no norte de Londres, disse que sentia que os deputados estavam lançando “um ataque a minha geração”. “Estão pondo todo o dinheiro no mesmo lado, de forma que os pobres se tornarão mais pobres e os ricos mais ricos”. Esta lição está sendo aprendida da forma mais dura pela nova geração, que está se dotando rapidamente de consciência de classe e ampliando sua perspectiva revolucionária.
Os jovens de hoje estão mostrando um espírito verdadeiramente revolucionário. Estão reagindo aos ataques da classe dominante com combatividade decidida e sem temor. É algo de que todo trabalhador com consciência de classe deve se orgulhar. Um professor que havia acompanhado seus alunos à manifestação chegou à conclusão de que se tratava de “uma questão geracional”. Isto é sem dúvida correto.
As enérgicas ações dos jovens contrastam com o mesquinho e miserável ceticismo dos membros da autodenominada “vanguarda”, que durante anos deixaram-se fritar na própria gordura e são uns inúteis. Estão tão obcecados com as derrotas do passado que, quando a situação muda e a luta entra na ordem do dia, não fazem nada além de se queixarem e mais uma vez se queixarem, além de difundir o desalento e a própria falta de esperança.
Sim, sem dúvida, trata-se de um “problema geracional”! O período que se iniciou em maio de 1968 na França e que se prolongou durante a maior parte da década de 1970, foi um período de crise do capitalismo e de movimentos revolucionários na França, Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Grã-Bretanha, além de outros países. A esta lista podemos acrescentar o Paquistão, o Chile, a Argentina e muitos outros países.
Mas na ausência de uma direção genuinamente revolucionária, o movimento estudantil saiu dos trilhos e foi derrotado. Na Europa, a contra-revolução foi realizada sob a bandeira da democracia burguesa; mas, não obstante, isso foi uma contra-revolução. No Chile, Paquistão, Argentina e em outros países, a derrota foi ainda mais grave. Mas em todos os lugares houve um penetrante impacto na consciência da camada de ativistas.
A forma como a sociedade muda – e a consciência com ela – oferece interessantes paralelos com a geologia. Uma erupção vulcânica provoca fluxos de lava. A rocha fundida abre passagem à frente, derrubando todos os obstáculos em seu caminho. Mas, quando a lava resfria, forma uma crosta dura que serve para conter as forças elementares que se encontram sob a superfície da terra.
As três últimas décadas na Europa podem se caracterizar como um período de reação suave (a fórmula não é original – foi proposta inicialmente por Ted Grant). A lava dos movimentos revolucionários passados esfriou há muito tempo, e a camada que estava na vanguarda se transformou em seu oposto. Em vez de proporcionar a liderança para o movimento se converteu numa crosta sólida de conservadorismo que serve apenas para manter em xeque o elemento revolucionário.
A rotina, o ceticismo, o cinismo, o conservadorismo, o cansaço: tudo isto desempenha papel negativo. Mas a história demonstra que o poder do aparato nunca é suficiente para deter o movimento por muito tempo. As contradições são muito fortes. As tensões são demasiado insuportáveis. As forças que se acumularam, silenciosamente e de forma despercebida por baixo da crosta terrestre, cedo ou tarde encontrarão um ponto débil e explodirão com poder inimaginável.
A rápida transformação da consciência da juventude se revelou graficamente no programa da noite anterior da BBC Newsnight, que entrevistou alguns manifestantes. Um dos entrevistados, Sophie Burge, bacharel da Escola para Moças de Camden, disse que havia feito campanha para os Lib-Dems nas eleições gerais, apesar de que era demasiado jovem para votar. Agora, ela própria se descreve como “radical de esquerda”.
O movimento da juventude que surgiu com força explosiva de um país a outro é o equivalente à força elementar da natureza. Não reconhece leis, nem conhece fronteiras. Todas as tentativas para detê-lo serão em vão. Os conservadores (tanto os de direita, quanto os de “esquerda”) se queixam desta “anarquia”. Eles o vêem como uma aberração e uma ameaça.
Mas os membros da geração de mais idade que mantiveram viva a chama se reanimarão e se inspirarão pelo movimento dos jovens. Nós, os marxistas, os saudamos com o maior entusiasmo. Nós os abraçamos. Aqui está a vida borbulhando através do tecido morto. É como se alguém abrisse a janela de um quarto bolorento e sem ar. Aqui está a luz e o ar que necessitamos para respirar. Por fim, temos um movimento real. Aqui está o futuro!
Londres, 20 de janeiro de 2011.