Foto: World Bank Photo Collection, Flickr

EUA: greve por nossas vidas contra o desastre do capitalismo!

Apesar dos recordes de novos casos de Covid-19 neste verão, Donald Trump e a secretária da Educação Betsy DeVos pressionaram muito para que as escolas reabrissem presencialmente neste outono. Em 10 de julho, Trump tuitou:

Agora que testemunhamos isso em grande escala e em primeira mão, o aprendizado virtual provou ser TERRÍVEL comparado ao aprendizado na escola ou no campus. Nem mesmo próximo! As escolas devem ser abertas no outono. Se não abrirem, por que o Governo Federal daria financiamento? Não dará!!!

Algumas semanas depois, o desejo do presidente se tornou realidade. Quando as escolas começaram a reabrir em vários estados no início de agosto, fotos de corredores cheios de alunos, muitos sem máscaras, se tornaram virais. Sem surpresa, isso levou a uma nova onda de contágio. Na semana passada, mais de 2 mil alunos, professores e funcionários foram colocados em quarentena como resultado de pelo menos 230 novos casos confirmados em cinco estados, de acordo com um relatório da CNN. Isso contribuiu para um aumento surpreendente de 90% nas infecções por Covid-19 entre crianças nos Estados Unidos nas últimas quatro semanas.

Este cenário de pesadelo para alunos, professores e pais em todo o país é apenas a mais recente ofensiva dos capitalistas na guerra de classes que está subjacente à pandemia do coronavírus desde o início. A classe dominante deixou claro para o mundo que manter a economia aberta – e os lucros fluindo – é mais importante do que a vida dos trabalhadores que geram esses lucros – ou a vida de seus filhos.

Professores e sindicatos em todo o país foram rápidos em apontar a hipocrisia flagrante e os muitos perigos que cercam a reabertura insegura de escolas. Enquanto os administradores escolares e membros do conselho decidem o destino das escolas neste outono, suas reuniões estão ocorrendo esmagadoramente no Zoom. Muitos apontaram que se a Liga Principal de Beisebol não consegue manter seus jogadores seguros com seus recursos quase ilimitados, equipe médica e capacidade de testes, como as escolas públicas já subfinanciadas serão capazes de fornecer aos funcionários da escola os EPI e os testes de que precisam para manter as crianças seguras?

Muitas questões logísticas ainda precisam ser respondidas por estados e distritos que pressionam por uma reabertura física ou modelo “híbrido”. Nas próximas semanas e meses, mesmo os planos mais bem elaborados nunca serão capazes de dar conta de todas as variáveis ​​fora do controle de professores e funcionários. Muitas escolas têm sistemas de climatização defeituosos e muitas salas não são bem ventiladas. Os curtos intervalos entre as aulas não serão suficientes para que os professores ou a manutenção higienizem totalmente as salas de aula. Qualquer pessoa que já trabalhou com crianças – o que claramente exclui os políticos burgueses que defendem essas medidas – sabe que será uma tarefa hercúlea fazer os alunos usarem máscaras e manterem distância social ao longo do dia.

Como professor de escola pública, francamente tenho medo de que meus alunos, colegas e familiares morram desnecessariamente. Como as recentes reaberturas de escolas nos ensinaram, um modelo híbrido apenas adia o ensino a distância até que as mortes e doenças evitáveis ​​já tenham ocorrido. Inevitavelmente, quando a equipe escolar sobrecarregada não conseguir evitar que essas coisas aconteçam, os políticos de direita colocarão a culpa de volta nos educadores e na equipe de apoio, que estão trabalhando incansavelmente para ensinar nossos filhos em segurança nestas condições.

Mesmo fontes da mídia burguesa foram forçadas a reconhecer as implicações sombrias da reabertura de escolas no auge de uma pandemia. Um artigo no The Atlantic aponta o incidente do acampamento de verão na Geórgia, onde metade dos participantes foi infectada com Covid-19 em poucos dias, bem como uma escola em Indiana que relatou seu primeiro caso de infecção apenas algumas horas após a reabertura. Um estudo recente da JAMA Pediatrics apontou que “a replicação da SARS-CoV-2 em crianças mais velhas leva a níveis semelhantes aos de adultos de ácido nucleico viral, mas quantidades significativamente maiores de ácido nucleico viral são detectadas em crianças menores de cinco anos.” Isso levanta a questão: se a ciência e a experiência recente apontam contra a reabertura das escolas, por que tantos políticos burgueses insistem em reabrir?

Como um argumento para a reabertura de escolas, alguns especialistas espertos tentaram enquadrá-lo como uma resposta à questão da desigualdade de acesso que se tornou aparente durante o ensino à distância na primavera passada. É absolutamente verdade que a mudança caótica para aulas virtuais foi um desastre por si só, dada a completa falta de recursos à disposição de professores e alunos – muitos dos quais têm que se preocupar em ter o suficiente para comer – quanto mais um laptop e uma conexão wi-fi estável. Para os estudantes que já viviam em condições precárias, a mudança para o ensino a distância apenas agravou o risco de ficarem para trás academicamente.

Mas a carga desproporcional colocada sobre os trabalhadores e os pobres devido ao fechamento de escolas não é um argumento para a reabertura, o que põe ainda mais em risco as famílias que já enfrentam ameaças de fome e despejo. Em vez disso, esta é outra condenação dura do capitalismo – um sistema que joga com a vida dos jovens e destrói o sustento de dezenas de milhões, em vez de investir maciçamente em folgas remuneradas, cuidado infantil de qualidade e recursos urgentes para alunos e professores.

Depois de décadas reduzindo os orçamentos educacionais e espremendo até a última gota de sangue dos professores enquanto cortavam seus benefícios, os próximos anos de crise prometem uma intensificação ainda maior desses ataques. Quase todos os estados viram suas receitas despencar, com reduções de pelo menos 20% em 34 estados. Esta é uma receita para a austeridade, já que a classe dominante inevitavelmente tenta empurrar o fardo para a classe trabalhadora.

Mas, combinada com a recente onda de greves educacionais, as experiências de 2020 têm sido uma escola de luta de massas – e a nova geração de trabalhadores e jovens está se preparando para um revide monumental.

A experiência diária da desigualdade subjacente do capitalismo fez muito mais para radicalizar a geração jovem do que o TikTok jamais poderia. Isso vale também para a luta contra o racismo e seus fundamentos econômicos, que também se manifestam no sistema educacional. A consciência da brutalidade policial e do fluxo da escola para a prisão levou professores e alunos a exigir que as escolas de Minneapolis cortassem seus contratos com o departamento de polícia nos primeiros dias dos protestos provocados pelo assassinato de George Floyd. Em todo o país, o próprio movimento Black Lives Matter pôde ver outra onda maciça, conectando-se organicamente com a resistência à reabertura sem segurança das escolas.

Combinado com a recente onda de greves educacionais, as experiências de 2020 foram uma escola de luta de massas. A nova geração de trabalhadores está se preparando para uma grande revanche Foto: Arizona Education Association, Flickr

Quando a prefeita de Chicago, Lori Lightfoot, anunciou no início de agosto que as escolas retomariam o ensino presencial dentro de algumas semanas, o Sindicato de Professores de Chicago respondeu convocando uma reunião de emergência para chamar uma votação de greve. Poucas horas depois do anúncio, a prefeita deu uma meia-volta abrupta, declarando que as escolas públicas de Chicago se manteriam totalmente remotas no outono. Este episódio resume de forma concisa o poder de uma resposta vigorosa da luta de classes por parte dos trabalhadores, bem como o medo da classe dominante diante da perspectiva de desencadear outra onda explosiva de greves em todo o país.

Os educadores têm feito cada vez mais a conexão entre a pressão colocada sobre eles para aumentar o desempenho dos alunos por meio de testes padronizados de alto impacto e as condições materiais da sociedade de classes, que atuam como uma barreira para o desempenho dos alunos (por exemplo, moradia segregada, salários de fome, carência de cuidados de saúde mental etc.). Como exemplo, no outono passado, 32 mil professores de Chicago em greve exigiram moradia acessível para as famílias que atendem. Em Los Angeles, o sindicato dos professores exigiu que a o orçamento para a polícia fosse cortado e canalizado para a educação e saúde pública como parte de suas demandas de reabertura. Da mesma forma, o Movimento de Educadores de Base (MORE), uma bancada militante da Federação Unida de Professores de Nova York (UFT), adotou uma abordagem mais combativa. Eles criticaram a postura passiva da liderança da UFT e promoveram workshops “Organizando 101” em preparação para a luta contra reaberturas inseguras.

A reabertura segura de escolas exigiria financiamento que todo professor sabe que simplesmente não existe depois de anos de cortes e austeridade. É um fato simples que, em igualdade de condições, mais financiamento leva a melhores resultados educacionais e de vida para as crianças. E em tempos de Covid-19, mais financiamento está diretamente ligado à preservação de vidas humanas.

A Federação Americana de Professores (AFT) divulgou um documento detalhando o custo da reabertura com segurança, calculado em 116,5 bilhões de dólares. O orçamento do governo federal para a educação para 2020 foi de meros US$ 64 bilhões – um corte de 10% em relação ao ano anterior. Em comparação, o orçamento discricionário do Departamento de Defesa é mais de dez vezes esse valor. Muitas cidades grandes gastam 25% ou mais de seus orçamentos com a polícia, com cidades como Chicago e Oakland gastando 40%. Isso é normal para o funcionamento do capitalismo, um sistema que prioriza a proteção da propriedade privada com violência e repressão, ao invés de investir em educação e outras necessidades sociais.

Para agravar a crise social e a pressão sobre as escolas, dezenas de milhões de pessoas foram demitidas nos últimos meses. Ao mesmo tempo, o patrimônio líquido de 643 bilionários americanos aumentou em US$ 1,6 trilhão. Portanto, da próxima vez que alguém disser que “não há dinheiro suficiente” para coisas como educação, devemos apontar que há dinheiro mais do que suficiente na sociedade para atender às necessidades de todos – o problema é que atualmente é controlado por apenas um punhado de pessoas.

Recentemente, Betsy DeVos afirmou que as diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) permitem “flexibilidade” quando se trata de reabrir escolas. Isso apesar do vazamento de documentos do CDC que alertam que a reabertura total de escolas e universidades representa o “maior risco” de disseminação do vírus. Políticos democratas e republicanos colaboraram para criar planos de reabertura que “conciliam” entre manter a economia aberta e proteger a vida de alunos e professores. No entanto, tal “conciliação” levará inevitavelmente à morte desnecessária de um número incontável de professores, alunos e membros da comunidade.

Betsy DeVos afirmou que as diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças permitem “flexibilidade” quando se trata de reabrir escolas Foto: US Department of Education, Flickr

Por décadas, os sindicatos de professores gastaram milhões de dólares apoiando o Partido Democrata, mobilizando seus membros para “Votar Azul Não Importa Quem”. No entanto, é precisamente em cidades como Chicago, Oakland, Seattle e Minneapolis, que são totalmente controladas pelo Partido Democrata, que vemos o contraste mais gritante entre escolas subfinanciadas e orçamentos policiais inflados.

Como vimos, os planos de reabertura insegura encontraram resistência por parte de alguns sindicatos de professores e tendências militantes dentro desses sindicatos, como o CORE da CTU e a bancada MORE da UFT. Professores em cidades de todo o país manifestaram-se em massa pela reabertura segura das escolas e houve até murmúrios de uma greve nacional. A liderança do sindicato deve aproveitar esse clima e construir uma ampla base de apoio entre os pais que estão sendo empurrados para a linha de frente junto com os trabalhadores da educação. Os professores da Virgínia Ocidental mostraram o caminho a seguir: eles prepararam os pais para a greve e confiaram fortemente em seu apoio moral e numérico nos piquetes. Os professores também estavam preparados para ir aonde seus líderes não iriam e se recusaram a ser retidos por uma liderança que buscava uma conciliação rápida e fácil com o estado.

No momento em que este artigo é escrito, os principais sindicatos de professores estão colocando seu peso no Ato HEROES e outras medidas legislativas e eleitorais – contando com a boa vontade daqueles que estão no poder para resolver as deficiências de financiamento flagrantes. Esse modelo de colaboração de classes é típico da liderança sindical na história recente dos Estados Unidos. O que é necessário, em vez disso, é uma liderança ousada e decisiva que usará táticas da luta de classes e mobilizará os membros para lutar pelos interesses coletivos de todos os trabalhadores – especialmente agora, quando nossas vidas estão literalmente em risco.

A classe dominante está pressionando os trabalhadores do setor educacional a fazer sacrifícios para manter a economia funcionando. Afinal, como milhões de pais da classe trabalhadora podem voltar ao trabalho para serem explorados por seus patrões se eles não têm um lugar seguro para seus filhos ficarem durante o dia? Mas isso também significa que os funcionários da escola têm o poder de fechar as escolas por completo. Na verdade, foi a ameaça de tal fechamento que finalmente forçou o fechamento das escolas da cidade de Nova York em março.

Os professores já estão sobrecarregados e mal pagos – eles ganham 19% menos do que outros profissionais com históricos educacionais semelhantes. Outros funcionários da escola – profissionais de apoio à educação e paraprofissionais ganham uma média de apenas US$ 24.095 por ano, apesar de muitas escolas exigirem um diploma de bacharel para essas posições. Agora, além da miríade de responsabilidades que os professores assumem em suas semanas de trabalho de 60 horas, eles devem arriscar suas vidas para manter a economia aberta.

A isto, dizemos:

  • Pela reabertura das escolas guiada por profissionais da ciência e saúde pública – não por lucros capitalistas!
  • Por escolas públicas totalmente financiadas e programas sociais para facilitar o ensino a distância eqüitativo!
  • Por uma moratória imediata dos testes padronizados e novas escolas charter1!
  • Pelo controle democrático de professores e funcionários da escola sobre quando e como reabrir as escolas!
  • Uma morte evitável é demais – ferir um é ferir todos!
  • Se os políticos capitalistas e líderes distritais se recusam a esperar até que as condições sejam verdadeiramente seguras para reabrir as escolas, então os professores devem lutar por nossas vidas e pelas vidas de nossos alunos e comunidades!

1 Uma escola charter é um tipo de escola pública independente nos Estados Unidos da América, que não é administrada por um distrito escolar. Existem duas grandes categorias de escolas charter. As escolas Charter independentes, escolas sem fins lucrativos iniciadas por educadores ou líderes comunitários e geridas de forma autônoma e as escolas charter que são parte de uma organização de gestão escolar.

TRADUÇÃO DE TAISA LEONARDO.

PUBLICADO EM SOCIALISTREVOLUTION.ORG