Pouco antes de 1 hora do dia 14 de junho, um incêndio teve início no segundo andar do Grenfell Tower, um prédio de apartamentos populares localizado no distrito londrino de Kensington & Chelsea. O fogo rapidamente transformou o edifício em uma gigantesca fornalha à medida que engolia cada um dos seus 24 andares, sendo necessários 200 bombeiros, 40 mangueiras e mais de sete horas para extinguir as chamas.
Até a publicação deste artigo haviam sido confirmadas ao menos 12 mortes em decorrência do incêndio, enquanto dezenas de outros moradores recebiam atendimento por causa de seus ferimentos, muitos deles com risco de vida.
Ativistas locais têm alertado há anos que o prédio era uma armadilha mortal, mas nem o proprietário, nem a Organização de Gestão de Locatários de Kensington e Chelsea (KCTMO na sigla em inglês), nem o governo do Partido Conservador (sendo que ambos sabiam do risco) tomaram qualquer medida. O sangue das vítimas está em suas mãos.
Relatos do incêndio descrevem cenas dantescas, com moradores gritando por ajuda e piscando as lanternas de seus celulares, segurando crianças para fora das janelas e até mesmo pulando para escapar do fogo enquanto os bombeiros lutavam desesperadamente para resgatar os que ficaram presos dentro do edifício. Esse era um desastre evitável e que implica a KCTMO, o conselho local dominado pelos conservadores e o governo, todos os quais demonstraram uma insensível falta de preocupação com as vidas dos trabalhadores e, portanto, permitiram que essa tragédia acontecesse.
Incompetência e negligência
Em um artigo publicado em novembro do ano passado, a organização de locatários Grenfell Action Group (Grupo Ativista de Grenfell) disse acreditar firmemente que “somente uma catástrofe irá expor a inaptidão e a incompetência de nosso locador e da KCTMO, e dar um fim às perigosas condições de vida e à negligência para com as leis de saúde e segurança que demonstram para com os locatários e condôminos”. Tragicamente, essa premonição se tornou realidade.
A KCTMO é supostamente uma empresa sem fins lucrativos indicada pelo governo para gerenciar moradias populares, o que na Grã-Bretanha é chamado de arms’s length management organization (Almo na sigla em inglês). As Almos foram projetadas no ano 2000 como parte da estratégia de privatização do governo Blair. De lá para cá elas se tornam conhecidas entre os locatários por sua exploração e péssima manutenção dos prédios populares. Sem qualquer controle democrático por parte dos locatários, essas empresas gastam milhões em consultorias, advogados, escritórios e grandes salários para os executivos do alto escalão enquanto as residências que eles “gerenciam” apodrecem sem manutenção adequada.
O Grenfell Action Group já condenou a KCTMO chamando-a “mini-máfia perversa e sem princípios que não é cobrada por suas atividades e tem a responsabilidade de gerenciar uma grande quantidade de propriedades residenciais populares”. O grupo alega que haviam alertado em várias ocasiões nos últimos anos tanto o conselho distrital quanto a KCTMO sobre os sérios problemas de segurança contra incêndios no Grenfell Tower.
Um desastre semelhante foi evitado por pouco em 2013 quando uma série de sobretensões assustadoras na rede elétrica alertaram os moradores de que havia um problema grave causado pela fiação de má qualidade. No entanto, a KCTMO não apenas não tratou esse incidente como um alerta para investir em reformas e manutenção de suas propriedades, como tentou esconder a seriedade do problema com a ajuda do conselho local de Kensington, o qual aparentemente “recusou-se a investigar as preocupações legítimas dos locatários e condôminos”.
Uma bomba relógio
Assustadoramente, o governo conservador foi alertado repetidamente sobre a bomba-relógio que é o risco de incêndios em edifícios. Embora um incêndio dessa magnitude seja um fato sem precedentes na história britânica recente, esse incidente é estranhamente parecido com outro que aconteceu em um prédio de residências populares em 2009 e levanta sérios questionamentos sobre como foi permitido que algo assim acontecesse de novo. Em 2009, um incêndio no prédio Lakanal House, de propriedade do conselho local de Southwark, foi causado por uma falha elétrica e levou à morte seis moradores. O inquérito sobre o incidente descobriu que o conselho local de Southwark não realizou uma inspeção contra incêndios adequada no edifício, a qual teria identificado vários riscos sérios de incêndio. Foi recomendado também que outros prédios em risco fossem equipados com extintores de emergência (sprinklers).
Essas recomendações foram feitas pelo Grupo Parlamentar Suprapartidário de Combate a Incêndios, liderado pelo parlamentar trabalhista e ex-bombeiro Jim Fitzpatrick, o qual pediu uma revisão completa nas normas de construção referentes à segurança contra incêndios e a instalação de extintores de emergência em 4 mil prédios semelhantes por todo o país. O governo então ignorou essas recomendações e fez absolutamente nada durante quatro anos. Ano passado o então Ministro de Habitação, Gavin Barwell (que na eleição perdeu sua cadeira como representante de Croydon), recebeu diversos apelos para atacar urgentemente o problema, mas não fez nada. Enquanto famílias da classe trabalhadora perderam suas vidas pela sua falta de ação, Barwell foi generosamente recompensado com uma indicação para chefe da equipe de Theresa May.
Assassinados pela classe dominante
Mesmo na Grã-Bretanha, o capitalismo tem falhado consistentemente em fornecer um padrão decente de moradia para os trabalhadores. Tragédias como a do incêndio de Grenfell Tower são resultado direto disso. Apesar de ser a 5ª economia do mundo, as condições de muitas residências britânicas continuam assustadoras. Em 2015, um quinto de todas as moradias não alcançaram níveis básicos de decência, sendo as piores aquelas alugadas por locadores privados. Incrivelmente eles não têm qualquer obrigação legal de tornar suas residências “aptas à moradia humana”. Uma tentativa do Partido Trabalhista de Corbyn de introduzir tal lei no ano passado foi derrubada pelos conservadores na votação por ser uma “regulação desnecessária”. Dos parlamentares que votaram contra a legislação, 72 donos de propriedades alugadas, tornando explícito o fato de que eles agiam apenas para manter seus próprios lucros parasitários.
O Grenfell Tower fica (ou ficava) a um passo de luxuosas propriedades multimilionárias, muitas das quais estão vazias por serem um mero investimento dos superricos de todo o mundo. Eis a insanidade e a brutalidade do capitalismo: os trabalhadores são espremidos em minúsculos apartamentos onde são literalmente queimados vivos enquanto a classe capitalista desfruta do luxo sem medidas. Não se engane, essa tragédia não foi um acidente – ela foi um assassinato por parte da classe dominante sob a forma do governo conservador e do conselho local.
Publicado originalmente em 14 de junho de 2017, no site da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “[Britain] Grenfell Tower fire: residents killed by callous capitalists“.
Tradução de Felipe Libório.