Quando este artigo foi escrito, 97,4% das urnas haviam sido computadas. Com o aval do Instituto Eleitoral do Estado do México (IEEM)[1], da maioria dos partidos políticos, dos grandes meios de comunicação e, sem dúvida, da classe dominante do país, decretou como ganhador da eleição ao candidato do Partido Revolucionário Institucional[2], Alfredo del Mazo. Em um processo repleto de irregularidades, de compra massiva de voto, de violência estatal dirigida contra a oposição, no imaginário coletivo ressoa novamente a ideia da fraude eleitoral.
Uma eleição estadual para manter o status quo
De acordo com o Instituto Nacional de Geografia e Estatística (2015), vivem no Estado do México[3] mais de 16 milhões de pessoas, distribuídas em 125 municípios, entre os quais se podem encontrar oito cuja população supera o meio milhão de pessoas, nos que se destacam Ecatepec e Nezahualcóyotl com mais de um milhão de habitantes. Como é possível observar, existem municípios com um número de população superior ou similar a alguns Estados do país.
Ocupa o segundo lugar relativo entre os Estados que contribuem com o Produto Interno Bruto (PIB), com 9,3%, encontrando-se atrás da Cidade do México e adiante do Estado de Nuevo León. Entre os principais setores e atividades produtivos se encontram a automotriz, alimentos e bebidas, químico-farmacêutico, têxtil e turístico. Os municípios próximos à Cidade do México, que integram a Zona Metropolitana, concentram a maior parte da população e da atividade econômica. Sendo o Estado do México uma das unidades federativas mais industrializadas do país.
Dentro de seu território é possível encontrar municípios conturbados na Zona Metropolitana, junto à Cidade do México, mas também comunidades com um forte apego à tradição indígena, como a dos otomis do município de Lerma, ou a comunidade controlada por usos e costumes de San Francisco Magú, do município de Nicolás Romero.
As desigualdades, a pobreza, a violência e a marginalização também são uma constante no Estado. De acordo com as cifras do Conselho Nacional de Avaliação (Coneval), 8,3 milhões de pessoas vivem em condições de pobreza, dos quais 1,2 milhão vivem em condições extremas. É o Estado com maior índice de insegurança com delitos de alto impacto e em feminicídios. Ser mulher estudante ou trabalhadora se converteu em um risco em algumas regiões, a tal ponto que 11 municípios foram declarados como Alerta de Gênero por parte do governo.
Berço também do grupo Atlacomulco, uma espécie de confraria político-empresarial ligada ao PRI, que desde décadas se disputa o poder político e do qual provém os principais políticos do partido e inclusive o próprio Enrique Peña Nieto, lugar onde grupos paramilitares dirigidos pelo PRI, como Antorcha Campesina, exercem um poder por meio do medo em partes distintas. Também é o epicentro da resistência dos camponeses de Atenco contra a expulsão de suas terras por conta da construção do aeroporto; a luta das comunidades pela administração da água em municípios como Coyotepec; das comunidades de Lerma contra a expulsão de suas comunidades para a construção da rodovia Naucalpan-Toluca; de centenas de esforços organizativos juvenis e populares nos municípios; e ponta de lança de protestos contra o gasolinazo[4] recentemente.
Estão inscritos mais de 11 milhões de pessoas, o maior número de eleitores de todo o país. O Estado do México tem 125 municípios, mas somente em 10 se concentram cerca de 5,795 milhões eleitores: Ecatepec, Nezahualcóyotl, Toluca, Naucalpan, Tlalnepantla, Chimalhuacán, Cauatitlán Izcalli, Atizapán de Zaragoza, Tultitlán e Ixtapaluca.
Em 4 de julho se apresentaram candidatos para competir pelo governo estadual: Alfredo del Mazo, por uma aliança encabeçada pelo PRI, Josefina Vázques Mota pelo Partido da Ação Nacional (PAN), Juan Zepeda pelo Partido da Revolução Democrática (PRD), Teresa Castell independente, Delfina Gómez pelo Movimento de Regeneração Nacional (Morena) e Oscar González pelo Partido do Trabalho (PT), que acabou declinando a candidatura pelo de Morena.
Mesmo existindo oficialmente sete candidatos, as preferências eleitorais se concentraram no PRI e em Morena. A burguesia e seu status quo – os meios de comunicação, inclusive o crime organizado e os setores mais corruptos da sociedade – operaram a favor de Alfredo del Mazo. Por outro lado, os desejosos por mudanças profundas na sociedade de uma parte da juventude e da classe trabalhadora se expressaram, de alguma maneira, no voto para Morena, apesar de suas limitações. Esta tendência pode ser vista inclusive nos resultados truncados do Instituto Eleitoral do Estado do México: a grande maioria dos 45 distritos eleitorais se dividiram entre estes dois partidos, o PAN somente ganhou um e o PRD três.
Trata-se de um dos primeiros fenômenos interessantes a serem analisados. Em um Estado como o do México, a polarização social se reflete entre a divisão do voto para dois grandes polos. Os acontecimentos recentes de lutas sociais penetraram profundamente na consciência de milhões de pessoas a nível nacional, entre jovens, donas de casa, trabalhadores, que buscam uma mudança profunda perante a crise do regime e do sistema, diante da corrupção e da decadência, esses desejos também se expressam, de alguma maneira, no terreno eleitoral. Por outro lado, temos a classe dominante, que impulsiona e apoia a seus partidos e não pensam duas vezes em utilizar todo o aparato do Estado para implementar ações legais e ilegais desde a perspectiva de suas leis para conservar o poder. A luta de classes também se expressa no terreno eleitoral como uma fotografia de todo um filme.
O vivido em 5 de junho no Estados do México de maneira alguma foi o que alguns denominam “festa da democracia”. O que vimos foi o espetáculo de todo o aparato do Estado, todo o poder dos meios de comunicação, dos homens de negócios e dos setores mais corruptos da sociedade para impor a Alfredo del Mazo no governo estadual.
Em abril deste ano em Acolman, foi encontrada uma manta com uma ameaça para o presidente do Morena, López Obrador, no estilo das mensagens que enviam os grupos do crime organizado no México. Diariamente apareciam notícias nas mídias locais e nacionais atacando a candidatura do Morena e dando mensagens positivas para a do PRI. Um dia antes das eleições foram atiradas cabeças de porcos diante das sedes do Morena em diversos municípios do Estado do México, na semana prévia à eleição. Chamadas anônimas foram feitas para as casas de dirigentes e de militantes do Morena para ameaçá-los e dizer-lhes para não irem votar. Cartas e falsas citações da Promotoria Especializada à Atenção de Delitos Eleitorais[5] (Fepade) e da Procuradoria-Geral da República chegaram aos domicílios de militantes de esquerda. Nos dias seguintes da desistência da candidatura do PT em favor do Morena apareceram panfletos e outdoors nas principais avenidas do Estado pedindo o voto para esse partido, supostamente pagos pelo PRI e o governo estadual.
O dia da eleição foi a cereja no bolo de toda a campanha suja e do terrorismo estatal. Durante a madrugada, policiais com armas de cano longo irromperam no hotel onde se encontravam hospedados observadores do Morena no município de Tejupilco, sob o pretexto que haviam recebido uma chamada com a denúncia que nesse hotel estavam hospedados pessoas armadas. Nunca a polícia estadual foi tão eficiente! Brigadistas e um deputado federal do Morena, que se empenhavam a entregar as nomeações a seus fiscais de urna no município de Tejupilco ficaram na mira de pessoas que portavam armas de grosso calibre e os policiais locais se negaram a ajudar. Nos municípios de Metepec e Toluca foram “detidos” dois companheiros do Morena fiscais de urna. Milhares de mensagens de texto foram enviadas com o objetivo de criar medo, pânico e confusão.
A clássica compra de voto foi implementada em todos os municípios. A organização #NiUnFraudeMás a caracterizou como o maior operativo de coação e compra de voto na história do país. A própria polícia estadual e municipal foi utilizada com esta finalidade.
A classe dominante e o PRI sabiam que as pesquisas não favoreciam seu candidato, motivo pelo que tinham que implementar o terrorismo de Estado e a compra de voto para se manterem no poder. Na noite de 4 de junho as autoridades eleitorais declararam a vitória amparados em uma rápida contagem. Em seguida o candidato da “esquerda liberal e responsável”, Juan Zepeda, reconheceu sua derrota, seguido pela candidata independente que declarou a mesma ladainha que, de maneira implícita, aceitavam o que foi dito pelo Instituto Eleitoral do Estado do México (IEEM). Meia-noite e meia no Programa de Resultados Eleitorais Preliminares, Alfredo del Mazo aparecia acima na contagem. Os meios de comunicação e seus analistas não se cansaram de repetir que o resultado era irreversível e que todos os candidatos teriam que o aceitar.
Os resultados oficiais dão ao PRI pouco mais de 1,9 milhão de votos, um milhão a menos que a eleição para governador passada em 2014. A queda na votação para esse partido não pode ser ocultada. A democracia burguesa se desencobriu como um elemento para manter governos da burguesia e da oligarquia. A Confederação Patronal do México explica em seu comunicado onde chamam a reconhecer o resultado fraudulento da eleição, “a democracia se fortaleceu”. De qual democracia falam? É um regime destinado a manter os interesses de uma minoria de políticos, empresários, banqueiros e corruptos. Lênin dizia que quando alguém fala de democracia tinha que se perguntar: para que classe?
O colapso do PAN e o PRD em crise
Um cenário complicado para o regime se configurou como produto do mal estar que procura se expressar e uma de suas manifestações é a rejeição dos políticos e partidos tradicionais. Diante deste panorama, desejavam uma eleição dividida em terços (PRI, Morena, PAN) com uma vantagem para aquele que, por hora, apoiam como seu candidato: Alfredo del Mazo.
Se lembrarmos, inicialmente nas pesquisas de seus periódicos, rádios, canais de TV e panfletos informativos colocavam em segundo lugar das preferências a candidata do PAN, Josefina Vázquez Mota, que se fez insustentável e, diante do colapso de sua candidatura, acenderam-se as primeiras luzes de alerta. O objetivo era evitar a fuga do voto anti-PRI à candidatura de oposição mais forte.
A candidatura do PRD refletiu, inicialmente, em uma crise interna desse partido, como consequência da assinatura do “Pacto pelo México”[6] e o enfático apoio às chamadas reformas estruturais, fazendo o setor mais consciente da juventude e dos trabalhadores o colocar como parte do regime e do sistema; e as perspectivas de apoio a Juan Zepeda, sua plataforma política, não era nada agradável em toda a mudança com a queda livre nas preferências da candidatura do PAN. De repente, Zepeda começou a aparecer nos grandes meios de comunicação, nos meios locais e nas redes sociais como o candidato “carismático”, “melhor preparado”, “aquele que veio desde baixo”, “o da periferia para a periferia”. O jornal difamador do PRI por excelência, o La Razón, dedicou-lhe capas; Televisa e TV Azteca lhe abriram espaços; colunistas reacionários, de repente, começaram a escrever sobre suas casualidades; até o Grupo Prisa, por meio do jornal El País contribuiu com a tática geral dedicando um artigo na reta final da campanha ao “simpático e sorridente” candidato. Esqueceram de mencionar, casualmente, as reuniões entre os dirigentes do Alternativa Democrática Nacional do PRD, o chefe da campanha do candidato do PRI e os funcionários do governo estadual, onde se pactuou, segundo a Revista Proceso, deixar o município de Nezahualcóyotl para o PRD com a condição de que Juan Zepeda não declinasse de sua candidatura em favor de Delfina Gómez.
O PRD somente ganhou os distritos eleitorais de Nezahualcóyotl, o PAN somente um do município de Naucalpan, com 17% e 11% dos votos, respectivamente.
Morena e a tática eleitoral
Desde o início a direção do Movimento de Regeneração Nacional fez sua a tática eleitoral como única via de transformação social, desde sua fundação tem trabalhado nisso arduamente. As estruturas partidárias se enfocaram na promoção e na defesa do voto. Os comitês de base têm a função do cuidado das urnas. O Estado e suas instituições são assumidos não como órgãos de opressão da burguesia sobre os trabalhadores e o povo em geral, mas como instâncias neutras que podem ser modeladas de acordo com os interesses do partido com mandato no governo.
Os militantes de base do Morena, entre os quais encontramos milhares de lutadores sociais honestos, com desejos de uma transformação social real, dedicaram todo seu esforço no triunfo eleitoral dos respectivos candidatos. Lutaram sem descanso no dia da eleição para cobrir a maior parte das urnas e obter dados precisos dos resultados para evitar novamente uma fraude eleitoral. Apesar de seus grandes esforços, o regime não titubeou em impor a Del Mazo.
Agora que o regime pretende impor a todo custo a seu candidato ao governo estadual, a direção do Morena chamou à moderação, a esperar a contagem nas urnas onde se há suspeitas, inclusive se declararam respeitosos às instituições. Contraditoriamente, chamam a ter confiança nas mesmas instituições que validam a fraude eleitoral. Ninguém duvida do triunfo do Morena. Nas ruas do Estado do México e no transporte público se fala do triunfo do Morena e de uma nova fraude. O triunfo deve ser defendido de maneira contundente nas ruas, mobilizando e organizando, de maneira firme, não devendo oferecer nem um grama de confiança nas atuais instituições do Estado.
Sem dúvida Morena é o partido ganhador da eleição, o descontentamento de um setor do povo, os trabalhadores e a juventude, se agruparam eleitoralmente por meio desse partido, convertendo-se na primeira força política no Estado.
Devemos ser conscientes que a burguesia e seus partidos não largarão o poder sem uma luta encarniçada. Utilizarão todas as vias legais e, inclusive, ilegais com a finalidade de se manterem no governo.
A eleição do Estado do México é um presságio do que sucederá na eleição federal de 2018. Os militantes da esquerda, os trabalhadores e a juventude devem estar preparados não somente para a promoção e defesa do voto, mas para a luta política, massiva e organizada na rua para derrubar o regime e dar o primeiro passo para a transformação social.
[1] Instituição similar ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) nos Estados brasileiros (Nota do Tradutor – N.T.).
[2] Partido Revolucionario Institucional (PRI), surgido após a Revolução Mexicana de 1929, inicialmente com o nome de Partido Nacional Revolucionário (PNR), modificado para Partido da Revolução Mexicana (PRM) em 1938 e chegando ao atual nome em 1946. Para saber mais sobre as consequências da Revolução Mexicana, leia o artigo A constituição de 1917 e o triunfo da burguesia na revolução mexicana, de Carlos Marques, publicado na revista América Socialista nº. 10, lançada pela Esquerda Marxista e disponível para venda na Livraria Marxista <http://www.livrariamarxista.com.br/acessorios/revistas/america-socialista-na10> (N.T.).
[3] Assim como a capital do país, os Estados Unidos Mexicanos, nome oficial do México, possui um Estado federado chamado México, limitando-se de leste a oeste com a Cidade do México (N.T.).
[4] Acerca dos protestos do aumento do preço dos combustíveis, leia o artigo México: aumento do preço dos combustíveis precipita o movimento de protesto em massa <https://www.marxismo.org.br/content/mexico-aumento-do-preco-dos-combustiveis-precipita-o-movimento-de-protesto-em-massa/>, de Rob Smith, publicado em 18 de janeiro de 2017 (N.T.).
[5] Fiscalía Especializada para la Atención de Delitos Electorales (N.T.).
[6] Acordo político assinado por PRD, PAN e PRI em 2012 e, em 2013, pelo Partido Verde Ecologista do México que, pautado por eixos “democráticos”, propõe a defesa das reformas empreendidas nacionalmente no México. O PRD retirou seu apoio ao pacto em 2013 (N.T.).
Artigo publicado por La Izquierda Socialista, revista da sessão mexicana da Corrente Marxista Internacional, sob o título “Elecciones En El Estado De México, La Farsa De La Democracia Burguesa”, em 7 de junho de 2017.