O Delegado Waldir, deputado pelo PSL de Goiás, chamou o presidente Bolsonaro de “vagabundo”. O episódio, constrangedor em qualquer partido, de um filiado se referir ao presidente da República dessa forma, foi complementado pela guerra intestina dentro do PSL sobre quem é o “líder” da bancada na Câmara de Deputados. Os palavrões, xingamentos e insinuações de baixo calão predominavam. Tanta briga seria por causa de divergências sobre o destino do país quando as queimadas continuam nos campos, um óleo vazado cobre as praias do Nordeste, o desemprego continua alto e os salários estão cada vez mais baixos? Nada disso, a divergência tem a ver com quem fica com as verbas para a campanha de prefeitos e vereadores no ano que vem.
Aliás, para ajudar também, no momento em que se cortam aposentadorias e pensões para “economizar”, porque falta dinheiro, cogita-se no governo a volta de pagamentos de passagem em classe executiva para ministros e a permissão de carona para familiares e “amigos” nos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Realmente, tudo a ver com as necessidades do povo.
No mais, todos seguem juntos para atacar os trabalhadores. Só divergem sobre as gorjetas que lhes são pagas pelo capital financeiro em forma de verbas eleitorais, voos, benefícios para familiares etc.
Chile e Líbano
No Líbano, depois de anos de guerra entre facções, um acordo foi alcançado entre os diversos líderes. Mas, ao que parece, esqueceram do povo nesta “equação”. E agora que as contas dos benefícios que todos os acordantes se deram têm que ser pagas, os espoliados por impostos, taxas e baixos salários resolveram se manifestar. Não foram os centavos de uma taxa sobre o WhatsApp, mas a raiva por centenas de pequenas coisas que nada resultaram em benefício da maioria que explodiu nas maiores manifestações já vistas, sem respaldo ou beneplácito de nenhuma das facções, com os jovens tomando a dianteira. Os ventos que sopram de Hong Kong, da Catalunha, do Equador chegaram ao Oriente Médio.
Na América do Sul agora foi a vez do Chile. O “queridinho” do FMI e do Banco Mundial, o campeão das privatizações feitas pela ditadura militar de Pinochet e mantidas pelos governos de “esquerda” e de “direita”, viu o balde entornar. Se no Brasil de 2013 “não era por 20 centavos”, no Chile não foi por 30 pesos! O aumento no preço do metrô, o quarto nos últimos dois anos, é o último de uma cadeia onde o preço de imóveis e de aluguel aumentaram 150%. Aumentou o preço da eletricidade e do gás acompanhando o preço do dólar, aumentou o preço da gasolina, aumentaram as escolas, as universidades e o preço da saúde (que é toda privada). Os salários, neste interim, só tiveram um reajuste de 20% e as aposentadorias continuam congeladas ou sendo rebaixadas. Alguma hora o caldeirão iria entornar e entornou neste momento.
Bolsonaro, num raro momento de lucidez, quando teve tempo de refletir ao viajar para o Japão, disse que o governo está acompanhando tudo, que tudo é culpa da esquerda e que o único país calmo é a Argentina, porque a direita perdeu as eleições (na verdade perdeu as prévias, mas Bolsonaro já conta a partida como perdida)! A parte de que sob Pinochet tudo estaria calmo e tranquilo no Chile e que a esquerda é culpada por ter derrubado a ditadura é parte da ilusão de que as ditaduras podem sobreviver quando o proletariado e a juventude se colocam em movimento. A história mostra o contrário.
Pinera, Presidente do Chile, quando começaram as manifestações, declarou que o Chile estava em guerra. Mais lúcido que seu chefe, Javier Iturriaga del Campo, general do exército encarregado de administrar o estado de emergência, declarou que estava em paz.
Se a disposição do Exército é tentar colocar panos quentes, a situação mostra o contrário. São mais de 17 mortos, mais de 2.600 presos e 200 feridos. O metrô e os prédios públicos ardem pela raiva dos manifestantes, os gritos são contra o exército e o governo, os bairros se organizam em patrulhas próprias para evitar os saques e a violência e o exército não consegue conter nada. A Central Unitária de Trabalhadores (CUT) chilena e outros sindicatos, depois do imobilismo e paralisia inicial, chamam uma greve geral para quarta e quinta-feira (23 e 24/10).
O “analista” Luiz Eduardo Escobar, entrevistado pelo Estado de São Paulo, explica:
Qual é o significado dessas manifestações em uma perspectiva história no Chile?
É uma coisa surpreendentemente massiva. Creio que o Chile não viu coisa parecida desde os protestos contra a ditadura militar. As pessoas desafiam os militares e a polícia nas ruas, coisa que não ocorria no governo militar, porque sabiam que os militares disparavam. É uma coisa que tem um potencial verdadeiro para levar a uma revolução.
De volta ao Brasil
Nesta semana, o presidente do Senado vai assumir a presidência da República. Afinal, com tantos problemas no mundo e no Brasil, Bolsonaro viaja para a Ásia, o vice viaja para o Peru e o presidente da Câmara para a Europa. Sobra aqui o ministro da Fazenda, Guedes, que tenta aumentar a venda de imóveis, aprovar a Reforma da Previdência e discute novas reformas. O copo está quase cheio e qualquer balanço vai virá-lo, como virou no Líbano e no Chile.
A tarefa dos marxistas é explicar esta situação e ajudar a vanguarda a fazer a experiência e não cair novamente nos cantos de sereia dos que querem desviar a luta e impedir o combate direto ao sistema capitalista.