Imagem: Duma.gov.ru, Wikimedia Commons

O caso de Marine Le Pen: como os “democratas” estão destruindo a democracia

Para começar, o mais gritante e óbvio: o autor destas linhas não tem absolutamente nada em comum com Marine Le Pen, com sua ideologia ou com o movimento do qual ela é a figura mais visível.

Pelo contrário, estamos em extremos opostos do espectro político. Isso deve ser afirmado desde o início, para evitar qualquer risco de confusão ou deturpação.

No entanto, também declaro desde já algo que deveria ser flagrantemente óbvio, mas que, infelizmente, parece ter escapado a muitos setores da esquerda.

Fui informado de que o resultado do recente julgamento de Marine Le Pen foi recebido com júbilo por parte da esquerda francesa. Até certo ponto, posso compreender essa reação. Ela representa políticas que lhes são anátema — o que é compreensível. Mas, em um nível mais profundo, considero esse júbilo equivocado.

Permitam-me explicar em linguagem bem simples: a decisão de um colegiado de juízes franceses de condenar Madame Le Pen à prisão e, mais particularmente, de desqualificá-la como candidata nas próximas eleições presidenciais é um ataque escandaloso até mesmo aos princípios mais elementares de uma democracia parlamentar.

Ela foi proibida de disputar eleições por cinco anos, com efeito imediato. A decisão significa que, a menos que consiga reverter sua sentença antes da eleição presidencial de 2027, é improvável que Le Pen possa concorrer.

Isso tem sido visto como uma vitória por muitos na esquerda. Mas, certamente, não é uma vitória para a classe trabalhadora — e muito menos para a própria esquerda. Ao contrário, representa uma ameaça séria para o futuro.

Posso antecipar a reação às minhas palavras: um uivo de protesto indignado surgirá — afinal, dado que Le Pen defende ideias reacionárias e repugnantes, seria mais do que justo desqualificá-la.

Minha resposta a essa objeção é muito simples: Marine Le Pen não foi levada a julgamento por suas ideias (pelo menos, é o que se alega), mas por ter cometido um crime.

O apoio popular a Marine Le Pen está longe de ser questionado / Imagem: Jérémy Günther Heinz Jähnick, Wikimedia Commons

Pode-se afirmar — e, de fato, afirma-se frequentemente na mídia — que ela foi considerada culpada de um delito: o desvio de uma quantia considerável de recursos da União Europeia, que ela aparentemente utilizou, não para enriquecimento pessoal, mas com o objetivo de fortalecer seu próprio partido político.

Certamente, é evidente que qualquer pessoa condenada por esse tipo de crime merece ser punida.

Pois bem, não tenho como saber se Madame Le Pen de fato cometeu o crime mencionado ou não. Mas estou bastante inclinado a acreditar que ela seja culpada, conforme a acusação.

Mas isso justifica o tipo de sentença draconiana proferida pelo juiz? Em particular, justifica excluir das próximas eleições presidenciais uma candidata que tem desfrutado de apoio considerável entre o eleitorado francês, lidera atualmente o maior partido no parlamento e que, até agora, era amplamente considerada como tendo a melhor chance de vitória?

O apoio popular a Marine Le Pen está longe de ser questionado. No domingo, uma pesquisa de opinião indicou que ela poderia alcançar até 37% dos votos na eleição presidencial de 2027 — mais de 14 pontos a mais do que em 2022 e 10 pontos à frente de qualquer outro candidato.

Vamos colocar a questão em linguagem clara: é aceitável que milhões de eleitores franceses sejam privados de seu direito democrático mais fundamental — o de votar livremente no candidato de sua escolha — e vejam-se, na prática, privados de seus direitos por decisão de uma cabala de juízes não eleitos?

Essa, e somente essa, é a questão que precisa ser respondida.

Não há mito tão persistentemente cultivado — e tão completamente falso — quanto a ideia de que a lei é algo imparcial, acima da sociedade e dos interesses das classes sociais. Isso é uma mentira. Ao longo da história, a lei sempre foi uma arma nas mãos dos ricos e poderosos para defender seus interesses contra os pobres e oprimidos.

Talvez em nenhum outro lugar isso seja mais bem compreendido do que na França, onde as pessoas mantêm um desrespeito saudável pela maioria das instituições — e, em particular, pela legalidade burguesa. O célebre autor francês Anatole France escreveu certa vez:

“A majestosa igualdade das leis proíbe tanto os ricos quanto os pobres de dormirem sob pontes, mendigarem nas ruas e roubarem pão.”

Os juízes nunca foram amigos da classe trabalhadora ou, nesse caso, da democracia. Poderíamos citar inúmeros casos que comprovam a extrema e escandalosa parcialidade do sistema judiciário francês — assim como de todos os demais países.

A natureza reacionária do Judiciário francês é atestada pela própria história. Ela se evidencia, por exemplo, no notório caso Dreyfus — um escândalo político que abalou a França entre 1894 e 1906, dividindo o país em dois campos opostos. Lênin chegou a afirmar que o episódio poderia ter levado à guerra civil.

A natureza reacionária do judiciário francês é demonstrada pela história / Imagem: domínio público

Sete juízes condenaram por unanimidade Alfred Dreyfus — um oficial judeu do exército francês — por conluio com uma potência estrangeira, aplicando-lhe a pena máxima prevista no artigo 76 do Código Penal.

No entanto, mais tarde, todo o caso contra Dreyfus foi considerado uma fraude. O episódio expôs o antissemitismo da classe dominante francesa e dos altos escalões do exército, bem como a podridão do sistema judicial.

Nada na história posterior da França indica que as coisas tenham mudado de forma fundamental. Basta mencionar a colaboração de juízes franceses com o regime pró-nazista de Vichy durante a Segunda Guerra Mundial para deixar esse ponto bastante claro.

Mesmo assim, por alguma razão obscura, os juízes franceses são hoje retratados como valentes defensores da democracia. Basta olhar para o registro histórico para perceber a falsidade e a hipocrisia por trás dessa noção absurda.

A lei sistematicamente preserva o status quo — ou seja, os interesses de banqueiros, proprietários e capitalistas. E, se for necessário atropelar a própria legalidade para protegê-los, que assim seja.

Apesar de tudo isso, Fabien Roussel, líder do Partido “Comunista” Francês, permite-se dizer coisas como esta:

“Justiça é justiça. Seja você poderoso ou miserável, como escreveu La Fontaine, ela deve ser a mesma para todos. Especialmente porque Marine Le Pen é uma líder política que exige mais firmeza do sistema judiciário! Vamos respeitar a justiça, então.”

Naturalmente, respeitemos a justiça. Mas justiça não é, de forma alguma, sinônimo do sistema legal vigente na França. A citação de La Fontaine é enganosa — abstrata, vazia de conteúdo real. Em vez de lidar com a lei como ela de fato funciona, trata dela como se fosse um ideal. Muito melhor seria citar as palavras de Sólon de Atenas, escritas há milênios por um homem que conhecia profundamente as leis e constituições: “A lei é como uma teia de aranha: os pequenos são capturados, e os grandes a rompem.”

Essas palavras transmitem a realidade da lei — não como ela deveria ser, mas como ela realmente é numa sociedade de classes.

Vamos examinar por um momento o histórico da lei no combate à corrupção na política francesa.

É amplamente reconhecido na França que a corrupção política não é apenas disseminada — é quase um esporte nacional.

Se Marine Le Pen for culpada disso, então estava em excelente companhia. O ex-presidente Nicolas Sarkozy foi levado a julgamento por supostamente ter recebido contribuições ilegais de campanha da Líbia.

François Fillon, ex-primeiro-ministro de direita, perdeu sua vantagem na corrida presidencial de maio de 2017 quando a polícia o colocou sob investigação oficial, em março daquele ano, por empregar sua esposa em um cargo fictício de assistente parlamentar. Seu apoio despencou, e Macron acabou tomando o Palácio do Eliseu.

Mas o caso mais escandaloso de abuso do sistema legal em defesa de políticos burgueses foi o do ex-presidente Jacques Chirac, considerado culpado de “desvio de fundos públicos” para financiar ilegalmente o partido conservador que liderava, além de “abuso de confiança pública”.

É amplamente reconhecido na França que a corrupção política não é apenas disseminada — é quase um esporte nacional / Imagem: Marine Le Pen, X

O desvio de verbas ocorreu durante seu mandato como prefeito de Paris, entre 1977 e 1995. Ele foi acusado de empregar membros de seu partido, o Reagrupamento pela República (RPR), em cargos municipais que simplesmente não existiam.

Isso parece um crime muito mais grave do que o de Le Pen, já que ela, ao que tudo indica, canalizou recursos para pagar por funções que efetivamente existiam.

No entanto, Chirac só foi condenado em 2011 e, convenientemente, conseguiu concorrer e vencer a presidência, que ocupou de 1995 a 2007 — inclusive enfrentando Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen.

Em outras palavras, ele foi autorizado a se candidatar e a governar mesmo após ter desviado fundos públicos.

Pelo que pude constatar, Chirac gozou da imunidade que impede que um presidente em exercício seja acusado criminalmente. Isso pode muito bem significar que as evidências já existiam, mas o processo foi adiado até muito depois de ele assumir o poder.

Em 2004, durante o mandato de Chirac, Alain Juppé foi condenado no mesmo caso.

Ele recebeu uma sentença de 18 meses de prisão com sursis, perdeu seus direitos civis por cinco anos e foi impedido de concorrer a cargos públicos por dez anos.

No entanto, após recorrer da decisão, a proibição de ocupar cargos eletivos foi reduzida para apenas um ano.

Esses casos de corrupção são apenas a ponta de um iceberg enorme e disforme. Na maioria das vezes, nem sequer chegam a ser processados. Mas, quando o são, como mostram os exemplos acima, o judiciário pode ser facilmente manipulado para atenuar as penas ou anulá-las por completo. Esse é o verdadeiro significado da “justiça” à francesa.

Esse fenômeno, é desnecessário dizer, está longe de se limitar à França. Os líderes da União Europeia, sem dúvida, estão estourando garrafas de champanhe com a condenação de Marine Le Pen. Mas a corrupção floresce em Bruxelas tanto quanto em Paris — e, na verdade, ainda mais.

Yanis Varoufakis, que conhece de perto os bastidores da camarilha dominante europeia, destacou que Christine Lagarde foi condenada por acusações semelhantes em 2016, também por um tribunal francês.

Ainda assim, ela permaneceu à frente do FMI e, desde então, foi promovida à presidência do Banco Central Europeu.

Varoufakis comentou com ironia: “Ninguém deu um pio sobre [sua condenação anterior]… Não tenho nenhuma confiança na capacidade do judiciário de agir como um verdadeiro poder independente, na França ou em qualquer outro lugar.”

A notícia do julgamento previsivelmente desencadeou uma onda de fúria entre os apoiadores de Le Pen.

Um artigo publicado na quarta-feira pelo Financial Times relatou uma série de ameaças de violência contra os juízes envolvidos no caso:

“Os críticos afirmam que o partido e a própria Le Pen estão brincando com fogo, pois suas críticas ao sistema judiciário equivalem a um desafio ao Estado de Direito e à legitimidade dos tribunais em aplicar as leis aprovadas pelo parlamento. Os juízes responsáveis pelo caso receberam sérias ameaças, segundo o Ministério da Justiça. A polícia passou a proteger a residência, em Paris, do juiz presidente logo após o veredicto.

Rémy Heitz, procurador-chefe da mais alta corte de apelação da França, classificou as ameaças como graves e saiu em defesa do tribunal. ‘A decisão não é política, é uma decisão legal, proferida por três juízes independentes e imparciais’, disse ele. ‘Ameaças contra juízes são absolutamente inadmissíveis em uma democracia.’”

Mas, para muitas pessoas, está mais do que claro que este julgamento passou longe de ser “independente e imparcial” — e a fúria dirigida contra os juízes reflete justamente essa percepção.

A reação dos líderes políticos franceses era mais do que previsível. O primeiro-ministro François Bayrou declarou na Assembleia Nacional, na terça-feira, que não era verdade que o judiciário estivesse minando a democracia francesa.

Mas, visivelmente constrangido, sentiu-se obrigado a acrescentar que, “como cidadão”, questionava se proibições imediatas de candidatura antes do esgotamento de todos os recursos seriam apropriadas. Acrescentou ainda que se sentia “preocupado” com isso.

Essas declarações finais provocaram uma resposta indignada de Olivier Faure, primeiro-secretário do Partido Socialista, que prontamente correu em defesa do establishment jurídico, emitindo uma rápida reprimenda:

“…obviamente, o respeito à lei, ao Estado de Direito e à separação dos poderes já não estão mais na agenda do governo.”

O ex-presidente François Hollande também se apressou em responder, afirmando que Bayrou “não tem motivos para se preocupar; quando se é primeiro-ministro de uma república e guardião da lei, é preciso aceitar que os tribunais devem ter garantida sua independência.”

As observações de Bayrou são claramente motivadas por interesse próprio, já que tanto ele quanto seu partido enfrentam um segundo julgamento em um caso de contratos fictícios semelhante ao de Le Pen, após os promotores recorrerem da primeira decisão.

Mesmo assim, ele decidiu que, como a discrição é a melhor parte da coragem, seria mais prudente não insistir demais no assunto. Assim, acrescentou: “A lei sob a qual os juízes tomaram sua decisão foi aprovada pelo parlamento… e é o parlamento que decidirá se essa lei deve ou não ser modificada.”

As observações de Bayrou são claramente motivadas por interesse próprio, já que tanto ele quanto seu partido enfrentam um segundo julgamento em um caso de contratos fictícios semelhante ao de Le Pen / Imagem: Rama, Wikimedia Commons.

A dirigente dos Verdes, Marine Tondelier, juntou-se com entusiasmo ao coro de condenações, afirmando que Le Pen é “uma ré como qualquer outra”. E completou: “Quando damos lições de comportamento exemplar a todos, devemos começar aplicando isso a nós mesmos…”

Na Grã-Bretanha, o Morning Star (1/4/25) evitou completamente o assunto, limitando-se a uma exposição seca dos fatos:

“A líder de extrema direita também recebeu uma sentença de quatro anos de prisão, com dois anos a serem cumpridos em prisão domiciliar e dois em regime condicional — que não se aplicariam enquanto o recurso estivesse pendente.

A Sra. Le Pen afirmou que o tribunal não deveria tê-la declarado inelegível antes que todas as possibilidades de recurso fossem esgotadas, e que ao fazê-lo estava claro que o tribunal visava ‘especificamente impedir’ sua eleição à presidência.

O primeiro-ministro francês François Bayrou, que só sobreviveu a um voto de desconfiança movido por partidos de esquerda em fevereiro graças ao apoio do Reagrupamento Nacional, também criticou a proibição imediata da candidatura da Sra. Le Pen.

A França Insubmissa, de esquerda, declarou que nunca esperou derrotar o Reagrupamento Nacional nos tribunais e que ‘lutará nas urnas e nas ruas’

Uma pesquisa de opinião da BFMTV, divulgada na segunda-feira, mostrou que 57% dos franceses acreditam que a justiça foi feita no caso, sem viés político.”

Não sabemos qual credibilidade pode ser atribuída a essas declarações. O que sabemos é que o Morning Star, jornal que supostamente defende a democracia e o socialismo, evitou emitir qualquer opinião clara sobre o caso de Marine Le Pen.

Isso é sintomático da covardia da esquerda e de sua incapacidade de defender de maneira consequente os direitos democráticos e enfrentar o Estado burguês e suas instituições.

A posição adotada pelo líder de La France Insoumise, Jean-Luc Mélenchon, contrasta favoravelmente com o espetáculo lamentável de covardia e cumplicidade apresentado por praticamente todos os demais líderes da chamada esquerda.

A declaração oficial da França Insubmissa afirma que “observa que os fatos considerados provados são particularmente graves [e] contradizem inteiramente o slogan ‘cabeças erguidas, mãos limpas’ com o qual esse partido há muito tempo procura se promover.”

E acrescentou: “Tomamos nota desta decisão judicial, mesmo que nos recusemos, por princípio, a aceitar que seja impossível para qualquer um apelar. Quanto ao mais, o meio de ação da França Insubmissa nunca foi recorrer a um tribunal para se livrar do Reagrupamento Nacional.”

Mélenchon enfatizou que “a decisão de remover um político do cargo deve ser tomada pelo povo”. Isso é bom, até certo ponto. Mas ainda está muito aquém do tipo de condenação direta a uma manobra antidemocrática que se espera de alguém que afirma representar a esquerda.

Ao se recusar a combater as intrigas antidemocráticas do establishment burguês liberal e — muito pior — ao fomentar ilusões nas credenciais do sistema legal, os líderes reformistas estão entregando à classe dominante uma pistola carregada, que amanhã estará apontada para suas próprias cabeças.

Esse ponto foi reiterado com contundência por Yanis Varoufakis, que comentou:

“O caso romeno foi o ensaio geral. Agora, passaram para Le Pen. Amanhã, irão atrás de Jean-Luc Mélenchon.”

Isso vai ao cerne da questão.

Comentando os acontecimentos na França, Donald Trump afirmou: “Isso é um grande negócio.”

Ele traçou um paralelo entre a proibição imposta a Le Pen e a série de processos judiciais movidos contra ele — a maioria dos quais foi abandonada após sua reeleição. “Isso soa como este país. Parece muito com este país.”

Trump claramente associa esses episódios à impressionante campanha conduzida pelo establishment e pela mídia para impedir sua candidatura às eleições presidenciais. Os tribunais foram amplamente utilizados na tentativa de prendê-lo e, assim, barrar sua participação no pleito.

A mídia entoou um coro estridente, afirmando que o povo americano jamais votaria em um “criminoso condenado”. No entanto, o resultado das eleições provou de forma conclusiva que milhões de pessoas não acreditam mais na grande mídia. Donald Trump obteve uma vitória retumbante.

Trump claramente associa esses episódios à impressionante campanha conduzida pelo establishment e pela mídia para impedir sua candidatura às eleições presidenciais / Imagem: Jérémy Günther Heinz Jähnick, Wikimedia Commons

Aterrorizadas com a possibilidade de uma repetição na Europa, as autoridades adotaram medidas para impedir a eleição de um candidato anti-establishment na Romênia, por meio do simples expediente de anular uma eleição que ele já havia vencido. Essa ação sem precedentes foi conduzida pelo Tribunal Constitucional, com base em suspeitas frágeis levantadas pela inteligência romena e sob pressão de países vizinhos.

O político populista Călin Georgescu, que surgiu do nada e venceu o primeiro turno da eleição presidencial do ano passado, foi detido no trânsito em Bucareste, enquanto se dirigia para registrar sua candidatura nas novas eleições marcadas para maio. Segundo os promotores, uma das acusações envolvia a suposta tentativa de “incitação a ações contra a ordem constitucional”.

Como resultado, ele foi desqualificado da disputa eleitoral de maio, na qual era o favorito, com 40% das intenções de voto.

Essa decisão foi apresentada como uma medida supostamente necessária para “proteger a democracia”!

Eventos semelhantes ocorreram na Turquia, onde dezenas de milhares de manifestantes foram às ruas protestar contra a prisão do principal rival do presidente Recep Tayyip Erdoğan.

Ekrem İmamoğlu, prefeito de Istambul, era cotado para ser o candidato presidencial do Partido Republicano do Povo (CHP) em 2028, em uma votação marcada para domingo, 23 de março. Na manhã do mesmo dia, ele foi formalmente preso e acusado de corrupção.

İmamoğlu afirmou que as acusações contra ele têm motivação política. “Eu nunca vou me curvar”, escreveu ele no X, pouco antes de ser detido.

As ações do governo turco foram amplamente condenadas pela imprensa e por líderes europeus. No entanto, a mesma imprensa “liberal” permaneceu em silêncio diante dos acontecimentos na Romênia e não manifestou qualquer crítica ao tratamento dado a Marine Le Pen.

E assim chegamos à conclusão inevitável: a verdadeira posição da elite liberal burguesa dominante é a seguinte — apoiamos eleições, desde que o candidato eleito seja alguém que nós aprovamos!

Nas últimas décadas, a classe trabalhadora tem sido alvo de uma série de ataques brutais contra seu padrão de vida, seus direitos e liberdades. Os sindicatos vêm sendo cada vez mais submetidos a leis antissindicais punitivas. O direito de greve é cada vez mais restringido. O direito de se manifestar em espaços públicos sofre repressão policial brutal.

A própria natureza da democracia formal burguesa tem se revelado, de forma cada vez mais evidente, como uma fraude — um engodo para o povo. Ainda assim, até pouco tempo atrás, havia uma crença generalizada de que seria possível transformar o sistema por meios pacíficos e democráticos, através do voto.

Hoje, até mesmo esse direito está sob ameaça. O que ocorre na Romênia, na Turquia, nos EUA — e agora, na França — é um alerta claro ao movimento operário.

Se aceitarmos, ainda que por um instante, que o establishment tem o direito de decidir quem pode ou não concorrer a uma eleição, a própria ideia de eleições livres se torna uma ficção vazia.

O fato de a chamada mídia liberal permanecer em silêncio diante desses abusos (algo que, é claro, não aconteceria se tais ações ocorressem na Rússia!) escancara a realidade: para os liberais, a democracia não é, de modo algum, um princípio sagrado — é apenas um meio para atingir fins específicos, uma ficção conveniente.

Essa ficção serve para disfarçar o fato de que a sociedade é controlada por uma pequena camarilha de banqueiros, proprietários e capitalistas — e que parlamentos e tribunais são meros brinquedos em suas mãos.

Mas é uma ficção que só tem utilidade enquanto houver pessoas que ainda acreditam nela. O clima generalizado de indignação, frustração e descontentamento que vemos em praticamente todos os países reflete uma crise profunda e insolúvel do sistema capitalista.

Essa indignação se manifesta na política por meio de oscilações eleitorais violentas, tanto à direita quanto à esquerda. Para o horror da burguesia, o centro político está entrando em colapso em todos os lugares.

A intensificação da polarização entre esquerda e direita é, na verdade, uma expressão direta do aprofundamento dos antagonismos de classe — do ódio crescente aos ricos e poderosos que dominam nossas vidas e decidem tudo por nós.

Esse ódio ao establishment pode se manifestar de diferentes formas. Se existisse uma esquerda genuína, firmemente posicionada em defesa dos interesses da classe trabalhadora e contra o poder do capital, o problema poderia ser resolvido com relativa facilidade.

Essa indignação se manifesta na política por meio de oscilações eleitorais violentas, tanto à direita quanto à esquerda / Imagem: Braveheart, Wikimedia Commons

No entanto, à medida que os líderes dos principais partidos que se dizem de esquerda traem repetidamente seus apoiadores, o caminho se abre — inevitavelmente — para todo tipo de demagogo, como Donald Trump e Marine Le Pen.

O establishment liberal vive aterrorizado com essa polarização. Está esgotando todos os seus recursos numa tentativa desesperada de sustentar o centro em colapso. Mas todas essas tentativas serão em vão.

O pêndulo político continuará a oscilar violentamente entre a direita e a esquerda. Um líder partidário após o outro será testado e descartado. Vemos isso com clareza agora, na Grã-Bretanha, com o colapso do apoio a Keir Starmer.

E nenhuma quantidade de truques, manobras ou intrigas — nenhuma trapaça legal — será capaz de interromper um processo histórico moldado por forças muito mais poderosas do que qualquer tribunal, exército ou força policial.

Lênin costumava dizer: “a vida ensina”. Por meio da experiência, os trabalhadores aprenderão. Não será um processo fácil nem rápido. Haverá muitos altos e baixos, muitas derrotas e reveses. Mas as lições serão aprendidas, e as conclusões, finalmente tiradas.

Em última instância, a classe trabalhadora, uma vez organizada e mobilizada sob a bandeira da revolução socialista, é uma força que nenhum poder sobre a Terra será capaz de derrotar.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.