Para aqueles que acham que os “devaneios” do Joaquim Barbosa atingem somente os “mensaleiros” e não afetam os movimentos sociais…
No último dia 21 de novembro, estive, em nome do Movimento das Fábricas Ocupadas, como advogado da Fábrica Ocupada Flaskô, num grande debate sobre a Criminalização dos Movimentos Sociais, na Unesp de Franca/SP.
Para aqueles que acham que os “devaneios” do Joaquim Barbosa atingem somente os “mensaleiros” e não afetam os movimentos sociais…
No último dia 21 de novembro, estive, em nome do Movimento das Fábricas Ocupadas, como advogado da Fábrica Ocupada Flaskô, num grande debate sobre a Criminalização dos Movimentos Sociais, na Unesp de Franca/SP. Juntamente com o Toninho, advogado da ocupação de moradia do Pinheirinho e com Nilcio Costa, advogado do MST e que acompanhou a luta do assentamento Milton Santos, discutimos a nova situação política que surge a partir da crise do capitalismo, ressaltando os aspectos da conjuntura brasileira, com o recrudescimento da criminalização das lutas sociais.
Foi um grande debate, com um plenário lotado de estudantes de direito, de serviço social, história e relações internacionais, além de trabalhadores e militantes de toda a região. Todos muito entusiastas e empolgados sobre a perspectiva crítica de sociedade, do direito e do papel do Poder Judiciário, como um dos braços do Estado para a criminalização das lutas.
Discutimos como a articulação da criminalização da pobreza com o extermínio da classe trabalhadora e da juventude, com os casos de “Amarildos” e Douglas” se combinam, neste momento, com a judicialização das greves, as sindicâncias nas universidades, os assédios morais contra os trabalhadores, seja no serviço público, seja no setor privado, as absurdas decisões liminares de casos de reintegrações de posse, seja no campo, na cidade, atacando o direito à moradia, seja nas fábricas, impedindo os trabalhadores de assumirem o controle da produção, os processos criminais de lideranças dos movimentos sociais e sindicais, bem como os ainda presentes casos de assassinatos destas lideranças, enfim, uma série de expressões de um conceito mais amplo de criminalização da luta de classes.
Ressaltamos como a “onda criminalizante” faz com que a burguesia resgate a Lei de Segurança Nacional para tipificar as organizações sociais e políticas como organizações criminosas, cumulando as condutas as já ridículas acusações de formação de quadrilha. Explicamos como o debate sobre o projeto de lei de tipificação do crime de terrorismo atinge em cheio as lutas sociais, que se utilizam de barricadas, queimar pneus, travamento de vias públicas, ocupações de prédios públicos, entre tantas outras ações que o projeto de lei considera como práticas de terrorismo. Salientamos o papel nefasto que o governo federal, por meio de Dilma e ainda, obviamente, Lula, mas expresso diretamente pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, que envia tropas militares, da marinha e aeronáutica (!) para impedir o movimento sindical e social denunciar o crime (esse sim!) do leilão do campo de libra, bem como articula banco de dados e “gabinetes móveis de inteligência” entre a polícia federal e as polícias de SP e RJ, especialmente durante as manifestações, impedindo a livre manifestação. Nesse sentido é que se justifica a nova ofensiva da burguesia para tentar reduzir a maioridade penal e reproduzir a lógica de ampliar a criminalização da juventude e dos trabalhadores.
Por fim, dentro de um consenso mais geral, houve uma boa polêmica sobre a Ação Penal 470, que traz diferentes perspectivas de análise. No entanto, um caso chamou bastante atenção – o debate sobre a tal teoria do domínio do fato. Explicamos que longe de ser um caso específico aos “mensaleiros”, ela é um precedente contra os movimentos sociais. Nilcio Costa, advogado do MST, ressaltou que tal entendimento já vinha sendo usado contra o MST, de forma mais emblemática em 2003, quando da criminalização de dirigentes do MST no Pontal do Paranapanema, por serem, justamente, líderes e supostamente possuírem o “domínio dos fatos” ocorridos.
Vejam abaixo uma notícia da época, que já apontava o problema da interpretação burguesa desta teoria criminalista, que foi usada agora no STF na ação penal 470, sendo que seu uso roteiro e em busca de legitimação, abre precedentes gravíssimos para ainda maior intensificação da criminalização dos movimentos sociais.
A reportagem explica os perigosos precedentes desta lógica, ensinou muito bem o advogado Patrick Mariano. Ressalta-se também, que dentre os presos, estava um dos próprios advogados do MST, Roberto Rainha. Ou seja, a “teoria do domínio dos fatos”, aplicada em sua generalidade, provoca a própria generalização da subjetividade dos Juízes, que, em sua esmagadora maioria, a utilizará para criminalizar as lideranças populares de forma ainda mais arbitrária e seletiva.
Portanto, para aqueles que acham que a Ação Penal 470 em nada tem a ver com a criminalização dos movimentos sociais, fiquemos mais atentos para compreender a criminalização a partir da luta de classes, e o papel cumprido pelo STF ao atacar não os “mensaleiros”, mas uma organização política que historicamente é identificada como uma organização da classe trabalhadora, o PT! Como já explicamos há tempos, este é o objetivo desta ação penal, buscando deslegitimar as organizações dos trabalhadores.
O Movimento das Fábricas Ocupadas, que no dia 5 de dezembro terá 4 de seus ex dirigentes ameaçados pela justiça e respondendo processos que podem levá-los a prisão, possui muito claro isso, e convoca, assim, para que todos se somem à campanha contra a criminalização do Movimento das Fábricas Ocupadas, entendendo-a como parte da necessária unidade muito mais ampla para combater a criminalização dos movimentos sociais e os desafios na dinâmica da luta de classes.
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http://www.anovademocracia.com.br/no-14/986-onze-camponeses-condenados-no-pontal
Onze camponeses condenados no Pontal
Ano II, nº 14, outubro de 2003 – José Ricardo Prieto
O juiz Átis Araújo de Oliveira não descansa de seu afã de perseguir o movimento camponês da região do Pontal do Paranapanema. Até junho de 2003, 23 prisões decretadas por ele contra lideranças camponesas da região haviam sido derrubadas por instâncias superiores, o que não o impediu de dizer aos representantes do Movimento dos Sem Terra (MST) que, quantas prisões fossem revogadas, outras tantas seriam decretadas.
Em sentença proferida pelo juiz no dia 10 de setembro, são condenados 11 camponeses: Diolinda Alves de Souza, Roberto Rainha, José Eduardo Gomes de Moraes, Manoel Messias Duda, Zelito Luz da Silva, Sérgio Pantaleão, José Rainha Junior, Valmir Rodrigues Chaves, Felinto Procópio dos Santos, Márcio Barreto e Cledson Mendes. As condenações são por formação de bando e quadrilha e a pena para todos foi fixada em dois anos e oito meses de prisão, ficando os camponeses impedidos de recorrer do julgamento em liberdade.
O texto da sentença é revelador de que as prisões tem caráter político, apesar das declarações do juiz de que ele se utilizou de critérios técnicos. Na sentença, o juiz condena os camponeses por terem algum parentesco com José Rainha ou por comporem a Cocamp (Cooperativa dos Assentados em Reforma Agrária do Pontal). Não são apontados na sentença os supostos crimes cometidos pelos camponeses ou atos que implicassem a participação em algum crime.
No trecho referente a Roberto Rainha, por exemplo, lê-se: “O réu Roberto Rainha é o irmão de José Rainha (líder máximo), sendo que de nada adiantaria tal acusado negar qualquer vinculação com o movimento, pois é óbvio que as têm. Vive junto com o líder máximo. É claro que esse esforço, tanto desse réu, quanto do principal líder José Rainha em lhe dar suporte material é para ter a seu lado pessoa de mais estreita confiança (irmão) e devidamente instruída.”
Referindo-se a Sérgio Pantaleão, o juiz diz: “O réu Sérgio Pantaleão, apesar de negar ter qualquer ascendência no movimento, é desmentido por ele mesmo quando concede entrevista como coordenador regional e responsável pela mudança do acampamento de um local para outro. Informando, contudo, que está nas fileiras do movimento há cerca de três anos.”
“O réu Valmir Rodrigues Chaves faz parte do MST há dez anos e é o presidente da Cocamp.” Como se ser presidente de uma cooperativa de produção fosse um crime. Para os latifundiários e esse juiz seu servidor deve ser, pois, uma vez organizados e produzindo, os camponeses ameaçam a existência do latifúndio.
Segundo Patrick Mariano Gomes, um dos advogados que defendem os camponeses, a promotoria e o juiz lançam mão da teoria alemã (que não é usada no Brasil) chamada do “domínio dos fatos”, segundo a qual os líderes são considerados capazes de controlar a ação das massas e, portanto, são responsáveis pelas mesmas. Daí, não importa que o suposto crime não tenha sido cometido pelos “réus”: estes são responsáveis pelas ações de outrem. Com certeza os acusadores pensam que criminalizando e encarcerando as lideranças camponesas estarão também aniquilando os movimentos de luta pela terra. Não suspeitam que a tendência é de crescimento dos movimentos e sua radicalização, uma vez que, cada dia mais, se agudizam as contradições entre latifundiários e camponeses.
Como José Rainha, sua esposa e seu irmão, Roberto Rainha, estão presos, existe a preocupação de que o juiz, em sua perseguição desenfreada, determine que seus filhos, João Paulo e Sofia, sejam enviados à Febem, ainda mais depois que João Paulo declarou à imprensa ter orgulho de seus pais.
Antes da condenação de 10 de setembro, José Rainha já havia sido condenado a iguais dois anos e oito meses de prisão por porte ilegal de arma. Rainha foi preso em 2002, acusado de estar portando uma espingarda calibre 12. Na ocasião, o motorista do carro em que Rainha viajava de carona disse ser o dono da arma, mas o líder do MST é que foi preso e, agora, condenado pelo “crime”.
Esta sentença se soma à de 10 de setembro e Rainha ainda aguarda o julgamento de cerca de oito processos em Teodoro Sampaio. A julgar pela disposição do juiz, será condenado em todos. Entretanto, o responsável por atirar em José Rainha em 2002 continua solto.
Presos desde 11 de julho deste ano, Rainha e Felinto Procópio permaneceram primeiro, na Penitenciária II de Presidente Venceslau. Depois, sob pretexto de que estariam sendo ameaçados por outros presos, foram transferidos para o Centro de Reabilitação Penitenciária de Presidente Bernardes, o presídio de maior segurança do país, onde ficaram separados e praticamente incomunicáveis. Não podiam portar objetos de uso pessoal, como livros e textos, e circulavam no presídio com pés e mãos algemados, além de não receberem visitas.
A ameaça, segundo o departamento jurídico do MST, tinha procedência, mas isso não justifica que os camponeses tenham sido “protegidos” dessa maneira.
Por último, os camponeses foram transferidos para o presídio de Dracena, também no interior de São Paulo, onde permaneciam até o fechamento dessa edição.