1913-2013: O centenário de nascimento de Ted Grant

 

Companheiros, camaradas, amigos e leitores: este ano se assinala o centenário do nascimento de Ted Grant, falecido em 2006 aos 93 anos de idade. Ted Grant foi fundador da Corrente Marxista Internacional, que hoje se encontra construindo uma ferramenta política para a liberação dos trabalhadores e do povo pobre em mais de 30 países de todo o mundo. (Nota do editor: O presente artigo de Alan foi escrito em 13 de maio de 2003).

Companheiros, camaradas, amigos e leitores: este ano se assinala o centenário do nascimento de Ted Grant, falecido em 2006 aos 93 anos de idade. Ted Grant foi fundador da Corrente Marxista Internacional, que hoje se encontra construindo uma ferramenta política para a liberação dos trabalhadores e do povo pobre em mais de 30 países de todo o mundo. (Nota do editor: O presente artigo de Alan foi escrito em 13 de maio de 2003).
 
Ted foi um dos pioneiros do movimento trotskista e fundador da Corrente Marxista Internacional
 
Queremos nesta data tão especial recordar a um dos pioneiros do movimento trotskista internacional e o faremos publicando seus escritos e idéias mais relevantes que são de suma utilidade e reforçam com qualidade o arsenal teórico do marxismo.
 
O presente registro é um artigo de Alan Woods, redigido por ocasião do aniversário de 90 anos de Ted Grant, que destaca os dados mais notáveis de sua biografia e de sua rica história política.
 
(…)
 
Convidamos-lhes, então, a conhecer e a se aprofundar no pensamento de Ted em um momento em que a crise orgânica do capitalismo assinala a necessidade de se colocar as idéias do Socialismo Científico na linha de frente da luta.
 
A contribuição de Ted Grant ao marxismo
 
Este ano, Ted Grant celebrará seus noventa anos de idade. Durante toda a sua vida consciente defendeu firmemente as idéias do marxismo. Manteve firme o rumo e nunca, em nenhum momento, se desviou desta batalha, sequer duvidou da inevitabilidade da vitória final. É a personificação do fio intacto que une a geração atual com a rica tradição que se remonta à Oposição de Esquerda de Trotsky. Sempre desempenhou um papel muito ativo e de direção no movimento, onde não apenas defendeu as idéias do marxismo, também as desenvolveu e enriqueceu de forma profunda e criativa. Seus escritos são um rico tesouro de idéias e iluminam as questões candentes de nossa época.
 
Quando era jovem na África do Sul, Ted se converteu em marxista e se uniu ao Partido Comunista. Isto foi nos anos em que a burocracia estalinista estava consolidando seu poder na URSS. Um grupo de militantes do Partido Comunista Sul-Africano se opôs o estalinismo e virou para o trotskismo (bolchevismo-leninismo). Seguindo o caminho de outro homem extraordinário, Ralph Lee, Ted se uniu à Oposição Internacional de Esquerda dirigida pelo grande revolucionário russo Leon Trotsky. Abandonou a África do Sul para trabalhar no movimento revolucionário internacional e chegou à Grã-Bretanha nos anos 1930 onde viveu desde então.
 
Durante sua vida, Ted desempenhou muitos papéis, como descreveu em seu livro História do Trotskismo Britânico. Ele é a personificação do fio intacto que une a geração atual à rica tradição que se remonta à Oposição de Esquerda, ao Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky e, muito antes, a Marx e Engels.
 
Mas Ted Grant não é só um símbolo. Sempre desempenhou um papel muito ativo e de direção no movimento, onde não somente defendeu as idéias do marxismo, também as desenvolveu e enriqueceu de forma profunda e criativa. Seus escritos são um rico tesouro de idéias e iluminam as questões candentes de nossa época.
 
Os escritos de Ted abarcam uma enorme variedade de matérias, desde o fascismo à revolução colonial, desde a história da Internacional Comunista à Revolução Espanhola. A variedade de temas reflete seu conhecimento quase enciclopédico dos assuntos mundiais e que assombrou a muitos dos que tiveram a oportunidade de discutir com ele.
 
Ted sempre se considerou discípulo fiel de Marx, Engels, Lênin e, naturalmente, desse grande revolucionário e mártir, Leon Trotsky, a quem habitualmente se referia como “o velho”. Sempre insistiu para que os companheiros jovens estudassem cuidadosamente as obras dos grandes mestres do marxismo e, antes de fazer uma nova análise dos acontecimentos atuais, sempre relia as obras básicas. Ocioso dizer que de forma alguma é secundário seu detalhado conhecimento de todos os aspectos do marxismo.
 
A importância da teoria
 
Esta atitude rigorosa para com a teoria sempre foi uma das características mais notáveis de Ted. Às vezes chegava a ser frustrante para os companheiros jovens apresentar seus artigos à exigente atenção de Ted, porque este sempre foi um perfeccionista e não economizava nenhuma crítica. Mas era assim como ele nos treinava na luta pela teoria marxista e pelo desenvolvimento de uma atitude implacável com relação aos princípios.
 
Foi esta atitude implacável para com a teoria que permitiu a Ted manter o rumo no difícil período de auge capitalista que se seguiu à II Guerra Mundial, quando as forças do verdadeiro bolchevismo-leninismo ficaram isoladas durante todo um período histórico.
 
Quando Trotsky foi assassinado em 1940 por um agente estalinista, as forças débeis da IV Internacional ficaram sem direção. Os dirigentes da Internacional não estavam à altura e demonstraram capacidade desigual ante as tarefas que a história lhes tinha deparado. Sucumbiram às pressões e abandonaram as idéias e os métodos do Velho. Mas Ted e seus companheiros da direção do PCR britânico se mantiveram firmes.
 
Os documentos programáticos do PCR nos anos 1940, praticamente todos escritos por Ted, demonstram um profundo conhecimento da nova situação mundial surgida depois de 1945. Estes documentos passaram pela prova do tempo e hoje em dia os marxistas os podem ler.
 
Sem nenhuma sombra de dúvida, pode-se dizer que de todos os seguidores de Trotsky, somente Ted compreendeu e seguiu realmente o método do Velho. Isso explica por que a tarefa de preservar as idéias, os métodos e as tradições do verdadeiro marxismo recaiu sobre Ted. Se não houvesse feito mais nada, somente isto haveria sido suficiente razão para que a geração atual de marxistas lembre-se dele.
 
Contudo, Ted não somente preservou as idéias e o método, também os aplicou brilhantemente aos acontecimentos que estavam se desenvolvendo no mundo. Enquanto outros que se reivindicavam trotskistas prognosticavam uma terceira guerra mundial logo ali depois da esquina ou teorizavam com a impossibilidade de uma nova crise capitalista, Ted estava analisando e explicando os novos acontecimentos. Resulta assombroso, por exemplo, que Ted não somente prognosticasse a vitória de Mao Zedong, como também explicou que programa Mao levaria à frente, antes mesmo que o próprio Mao o colocasse.
 
Quando Mao ainda escrevia sobre o longo período de capitalismo na China, Ted já explicava que se veria obrigado a nacionalizar os meios de produção a criar um estado à imagem e semelhança da Rússia de Stalin. Ainda mais assombroso foi quando Ted previu que a China de Mao inevitavelmente entraria em conflito com a Rússia estalinista. Fez esta previsão no final dos anos 1940 em um documento intitulado Resposta a David James, quando não havia o menor sinal de conflito entre Moscou e Pequim.
 
Para que esta previsão se tornasse realidade no conflito sino-soviético demorou mais de uma década. Como foi possível que Ted antecipasse este acontecimento mesmo antes que Mao chegasse ao poder? Baseou-se no que havia escrito Trotsky em 1928 nas discussões sobre o Anteprojeto do Programa da Internacional Comunista, quando Stalin e seu (então) aliado Bukharin colocaram pela primeira vez a teoria anti-leninista do socialismo em um só país.
 
Trotsky com sua assombrosa capacidade de previsão advertiu aos dirigentes do movimento comunista internacional que se a Comintern aceitava esta teoria equivocada seria o início de um processo que inevitavelmente levaria a uma degeneração nacional-reformista de todos os partidos comunistas do mundo, estivessem ou não no poder.
 
Nesse momento, os dirigentes dos partidos comunistas ignoraram os avisos de Trotsky. Consideravam-se internacionalistas revolucionários e leninistas. Todos defendiam a revolução mundial. Como podia degenerar a Internacional Comunista em linhas nacional-reformistas? A idéia resultava simplesmente ridícula!
 
Um erro teórico mais cedo ou mais tarde se manifestará na prática em desastre. Lênin e Trotsky sempre compreenderam isso e Ted sempre repetiu incansavelmente a mesma idéia. Aqueles dirigentes arrogantes dos partidos comunistas que desdenharam o bom conselho de Trotsky em 1928, logo descobriram que ele tinha razão. Com Stalin, os partidos comunistas ficaram subordinados a Moscou e tiveram que colocar em prática a política que interessava a sua política exterior, ou seja, a política que interessava à burocracia soviética.
 
A degeneração nacional-reformista
 
Depois de acompanhar todas as viradas e mudanças ditadas pela burocracia moscovita, a Internacional Comunista foi dissolvida por Stalin em 1943, sem a convocação prévia de um congresso. A história da Comintern foi traçada e analisada por Ted em Ascensão e Queda da Internacional Comunista.
 
Depois da morte de Stalin, os partidos comunistas da Europa Ocidental, gradualmente, se separaram de Moscou e se tornaram cada vez mais independentes. Mas isto não significou um regresso à antiga posição do internacionalismo leninista. Quanto mais independentes eram os partidos comunistas de Moscou, mais dependentes se tornaram das pressões de sua “própria” burguesia nacional e do reformismo. Com a máscara do eurocomunismo chegaram a uma posição que praticamente era indistinguível do reformismo socialdemocrata. Em sua totalidade adotaram a posição do reformismo nacional.
 
Situação pior existia naqueles países onde os estalinistas haviam chegado ao poder. Cada uma das burocracias nacionais, começando pela iugoslava, afirmaram o seu direito de seguir seu próprio “caminho ao socialismo”. Realmente, cada uma das burocracias estava defendendo seus próprios e estreitos interesses nacionais frente aos interesses da burocracia de Moscou.
 
Caso extremo foi o conflito de interesses entre Moscou e Pequim. Este enfrentamento não tinha nada a ver com diferenças políticas de princípios, como imaginavam algumas pessoas. Simplesmente foi ditado pelo conflito de interesses das burocracias rivais da Rússia e da China. O enfrentamento não servia aos interesses da classe trabalhadora de seus respectivos estados.
 
Sem dúvida, Lênin haveria defendido a formação de uma Federação Socialista da URSS e da China, unindo o imenso potencial produtivo de ambos os países. Este passo seria do interesse dos povos da União Soviética e da China. Em seu lugar, tivemos o espetáculo repulsivo dos companheiros chineses e soviéticos “discutindo” suas diferenças na linguagem “fraternal” dos foguetes e da artilharia. Foi um crime contra o internacionalismo proletário e foi o resultado direto da teoria estalinista do socialismo em um só país.
 
A teoria marxista do Estado
 
Quiçá a contribuição mais importante de Ted à teoria marxista tenha sido na questão do Estado e seus escritos sobre o estalinismo na Rússia, no leste europeu e na China depois da II Guerra Mundial. Em seu extraordinário livro A teoria marxista do Estado (resposta a Tony Cliff), rebate de forma compreensível a teoria revisionista do “capitalismo de Estado” e demonstrou que era correta a análise de Trotsky da URSS como um Estado operário burocraticamente deformado.
 
Os acontecimentos posteriores no leste europeu, na China, e também as formas peculiares adotadas pela revolução colonial devido ao atraso da revolução socialista no ocidente, tudo isto foi explicado por Ted em suas análises sobre o fenômeno do bonapartismo proletário.
 
Atualmente, quando a queda do estalinismo na URSS provocou grande perplexidade no movimento operário internacional, os escritos de Ted sobre a questão mantêm toda sua força e validade. Em contraste, temos que procurar em vão em todos os periódicos e livros dos antigos partidos comunistas do mundo uma análise marxista séria. Preferem ignorar a questão ou se limitam a generalizações vazias que nada explicam.
 
Deveríamos assinalar que Ted Grant em 1972 realmente prognosticou o colapso do regime estalinista na Rússia e explicou por que era inevitável este processo. Até 1965, a burocracia russa ainda era capaz de desempenhar um papel relativamente progressista no desenvolvimento das forças produtivas sob a economia nacionalizada e planificada da URSS, embora a um custo muito elevado em termos de má gestão burocrática, corrupção, roubos e caos.
 
Mas o totalitarismo burocrático, em última instância, é incompatível com a economia nacionalizada e planificada. Finalmente, a burocracia minou e destruiu as conquistas que permaneceram da Revolução de Outubro. Em seu livro, Rússia, da revolução à contra-revolução, Ted analisa todo o processo desde 1917 até a queda da União Soviética e explica exatamente o que aconteceu.
 
Filosofia marxista e ciência
 
O conhecimento do marxismo por Ted Grant é imensamente amplo, desde a economia à história, desde a filosofia à ciência. Tem uma mente ágil e inquisitiva e pôs sua atenção em todo tipo de coisas que ultrapassam a esfera imediata da política. Recordo que há quarenta anos deu umas conferências sobre o materialismo dialético e a ciência, onde desafiou duas teorias do Universo rivais na época: a teoria do Big Bang e a teoria do estado estacionário.
 
Posteriormente, a última teoria mostrou-se equivocada. Fred Hoyle, o cientista britânico que primeiro colocou a teoria do estado estacionário, repudiou-a publicamente. Então foi aceita a teoria do Big Bang como “a única que se mantém de pé”, mas há muitas dúvidas e perguntas sem resposta. Ted continua convencido de que esta teoria finalmente será substituída por outra. Creio que tem razão.
 
Durante muitos anos Ted acompanhou os giros e mudanças das relações mundiais e deu muitas conferências sobre a questão. Graças à rigorosa formação que dele recebemos, a Corrente Marxista Internacional pôde encontrar seu caminho através do intrincado labirinto da política mundial e explicar cada nova mudança, desde as guerras dos Bálcãs à guerra no Afeganistão, e a última aventura criminosa do imperialismo estadunidense no Iraque.
 
Mas a obra de Ted não se ocupa unicamente da política mundial e da teoria em geral. Escreveu muito sobre as táticas do movimento da classe trabalhadora e sobre a construção de uma corrente revolucionária. Sua compreensão das questões táticas nunca foi uma questão secundária. Somente ele defendeu que na época atual o marxismo poderia se converter em uma força de massas através do trabalho sério dentro das organizações de massas da classe trabalhadora.
 
A idéia básica já foi explicada há muito por Lênin e Trotsky, mesmo por Marx e Engels, mas Ted explicou como se podia aplicar concretamente esta idéia no período atual. Esta questão permanece como um livro fechado com sete cadeados para aqueles que Ted chama de “cinqüenta e sete variedades de seitas”, que, por razões que somente elas conhecem, falam em nome do marxismo. Pior para elas.
 
O auge do pós-guerra e a luta de classes
 
O período mais difícil da vida de Ted foi o longo auge capitalista que se seguiu à II Guerra Mundial, quando as pequenas forças do verdadeiro marxismo revolucionário ficaram reduzidas a um punhado, isoladas das massas. A razão deste isolamento se encontra principalmente nas condições objetivas: o longo auge econômico nos EUA, Europa Ocidental e Japão.
 
Existem certos paralelismos entre este período e o longo auge do capitalismo antes da I Guerra Mundial. Condições similares costumam produzir resultados similares. O reformismo se viu reforçado em um período em que o desemprego parecia ser algo do passado. No auge geral, as recessões eram tão fugazes e superficiais que mal eram percebidas. Nestas condições os capitalistas puderam fazer grandes concessões.
 
Todos os representantes ideológicos da burguesia estavam convencidos de que o capitalismo havia solucionado seus problemas e que as recessões eram coisa do passado. Os dirigentes reformistas do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha e da Socialdemocracia européia abraçaram o keynesianismo. Os estalinistas logo enveredaram pelo mesmo caminho. E os supostos trotskistas, como Ernest Mandel e Tony Cliff, ecoaram as mesmas idéias.
 
Ted Grant adotou uma posição firme frente a esta tendência. Em um ensaio breve, mas magistral, escrito em 1958, Haverá uma recessão?, Ted responde aos argumentos dos keynesianos do ponto de vista da economia marxista clássica e nele afirma que o ciclo boom-recessão não desapareceu. No artigo assinalava que o financiamento keynesiano do déficit era intrinsecamente inflacionário e que, inevitavelmente, alcançaria seus limites e se converteria em seu contrário.
 
Nesse momento, quase todos rejeitaram as idéias de Ted, desde os economistas burgueses, passando pelos reformistas de direita e esquerda, até as seitas revisionistas que ridicularizaram sua posição qualificando-a de “recessionismo primitivo”. Os seguidores de Cliff na Grã-Bretanha (agora o SWP) diziam que a Grã-Bretanha e os EUA haviam conseguido estabelecer uma “economia armamentista permanente”, onde o gasto em armamentos havia conseguido eliminar as recessões, que a classe trabalhadora se rebelaria contra o capitalismo não devido às crises econômicas, mas devido à alienação.
 
A aceitação implícita dos argumentos da burguesia e do reformismo levou ao questionamento do papel central do proletariado na luta de classes. Quase todas as seitas na prática abandonaram a classe trabalhadora e o movimento dos trabalhadores em favor de “outras forças” – estudantes, camponeses, lumpenproletariado… Abandonaram o proletariado dos países capitalistas desenvolvidos porque estava “aburguesado”, “americanizado” e outras coisas pelo estilo.
 
Os acontecimentos revolucionários de maio de 1968 na França foram algo completamente inesperado para estas damas e cavalheiros. Haviam abandonado a classe trabalhadora francesa e concentrado toda a sua atenção nos estudantes. Havia somente quatro milhões de trabalhadores filiados aos sindicatos franceses, mas dez milhões de trabalhadores ocuparam as fábricas em um movimento magnífico. Na realidade, o poder estava nas mãos da classe trabalhadora. O presidente De Gaulle compreendia muito bem a situação e disse ao embaixador estadunidense: “Tudo acabou, tudo está perdido. Em poucos dias os comunistas estarão no poder”.
 
E isto era perfeitamente possível, mas os dirigentes do Partido Comunista Francês não tinham nenhum interesse em tomar o poder. Negaram-se a tomar o poder e a oportunidade foi perdida. Mas os acontecimentos na França demonstraram o equívoco total das seitas. Nesse momento eu me encontrava em Paris e pude ver a universidade da Sorbonne ocupada por estudantes e a todos os grupos de esquerda que tinham mesas no pátio central.
 
Todos tinham periódicos mensais editados antes do início da greve geral. Examinei as manchetes destas publicações e sua atitude para com a classe trabalhadora rapidamente se tornou evidente. As primeiras páginas estavam repletas de artigos sobre o Vietnã, Mao Zedong, Che Guevara – de tudo, exceto da classe trabalhadora francesa. A única exceção era o periódico de Lutte Ouvrière que, então, se chamava Voix Ouvrière. Durante todo este período Ted insistiu na perspectiva da revolução socialista e do papel dirigente da classe trabalhadora. Polemizou contra os críticos burgueses e reformistas de Marx e contra as idéias revisionistas de gente como Mandel e Cliff. Suas previsões se viram brilhantemente confirmadas pela recessão de 1973-74, pela greve geral revolucionária na França e pelos movimentos revolucionários de Portugal, Espanha, Grécia e Itália dos anos 1970.
 
Por último, mas não menos importante, as perspectivas de Ted para a Grã-Bretanha foram confirmadas com a grande virada à esquerda dos anos 1970, com uma vaga grevista e manifestações de massas contra as leis antisindicais do governo Heath, e com uma virada profunda à esquerda do Partido Trabalhista e dos sindicatos. Os ultra-esquerdistas que haviam abandonado o Partido Trabalhista ficaram boquiabertos. Não haviam compreendido nada e não foram capazes de prever nada. Em poucos anos, a tendência marxista do Partido Trabalhista, dirigida por Ted Grant, passou de um pequeno grupo à maior tendência trotskista do mundo.
 
Isto mostra a relação vital que existe entre teoria e prática. Uma teoria correta permitirá um progresso sério sempre que venha acompanhada de táticas e métodos corretos e da vontade de triunfar. Ted possuía todas estas qualidades e uma capacidade maravilhosa para transmiti-las aos demais, particularmente à juventude. Seu entusiasmo e seu inquebrantável otimismo sempre eram contagiosos. Nunca ficou abatido nas situações mais difíceis. Isto faz parte de seu caráter alegre e forte, mas somente parcialmente. O verdadeiro segredo de Ted Grant é que estava completamente imbuído da teoria marxista e isto lhe dava a força e a inspiração necessárias para superar todas as dificuldades.
 
O marxismo e o movimento operário
 
Ted sempre foi uma pessoa acessível. Sempre teve o dom de conectar imediatamente com os trabalhadores e sindicalistas, de ouvir pacientemente seus problemas e opiniões, e depois lhes dar sugestões concretas de como agir. Conhece o movimento operário e sindical como se fosse a palma de sua mão e este conhecimento sempre lhe permitiu dar conselhos corretos sobre os problemas práticos do trabalho cotidiano. Mas para Ted o principal sempre eram as perspectivas gerais. Sempre há a se considerar os objetivos gerais do movimento.
 
Jimmy Dean, um maravilhoso trabalhador trotskista, veterano de nosso movimento, amigo íntimo de Ted até sua morte no ano passado, costumava dizer: “Não podes gritar mais alto do que permite tua garganta; se o tentares, somente conseguirás perder a voz”. A velha geração compreendia muito bem a necessidade de ter um senso de proporção e a necessidade que tinham as pequenas forças do marxismo revolucionário de estabelecer vínculos firmes com a classe trabalhadora e lançar raízes no movimento operário.
 
Desafortunadamente, para alguns elementos estas idéias é um livro fechado a sete chaves. Muitos dos que se autodenominam trotskistas cometeram muitos erros por pensar que para construir um partido revolucionário é suficiente proclamá-lo. Se somente isto fosse necessário, então qualquer pequeno sectário na história teria sido maior que Marx, Engels, Lênin e Trotsky juntos. Na realidade, a relação entre a classe, o partido e a direção é muito mais complexa.
 
Durante um prolongado período histórico, a classe operária construiu suas organizações de massas. Não as abandonará facilmente. Antes de fazer isto, tentarão muitas vezes transformar as organizações tradicionais. Somente em última instância este processo levará à formação de novos partidos de massas, que normalmente surgem de cisões das velhas organizações. Este fato é evidente para todo aquele que se proponha estudar a forma como se criaram os partidos de massas da Internacional Comunista depois de 1917, a partir de cisões dos velhos partidos socialdemocratas.
 
Os grupos sectários às margens do movimento operário fazem muito ruído, mas não têm a menor concepção de como chegar à classe trabalhadora ou de como construir um partido revolucionário de massas. Para se fazer isto é necessário um trabalho sistemático e paciente nas organizações de massas da classe trabalhadora, como Lênin explicou muito bem em O Esquerdismo, doença infantil do comunismo e como Trotsky o repetiu mil vezes em seus escritos dos anos 1930. As seitas ultra-esquerdistas somente sabem repetir como papagaios esta ou aquela frase de Lênin e Trotsky, retirando-as do contexto e sem compreendê-las. Mas não conhecem absolutamente o método dialético utilizado por Lênin e Trotsky. Em conseqüência disto, estão permanentemente condenados à esterilidade. Com suas palhaçadas desacreditaram o nome do trotskismo. Como disse Ted, estão construindo “partidos revolucionários de massas nas nuvens, compostos de três homens e um cachorrinho”.
 
Ted sempre teve um grande senso de humor. Tem a capacidade de rir de quase tudo. Ri às gargalhadas da estupidez de Bush e Blair, de Reagan e Thatcher, e da loucura das palhaçadas das seitas que fazem estripulias nas margens do movimento operário. Desde que o conheço não me lembro de um só momento em que estivesse deprimido ou pessimista. Alguém que o conheceu os anos 1940 disse-me certa vez: “Veja: Ted Grant seria otimista mesmo se estivesse caindo de um penhasco”. O comentário é um pouco cruel, mas confesso que é pertinente. Ted sempre foi completamente irrefreável.
 
Há muitos anos, quando eu era um jovem estudante, Ted me perguntou quais eram as qualidades mais importantes que se necessitavam para ser um revolucionário. Pensei em mim mesmo: quiçá a coragem e um nível político alto? Ted sorriu e me disse: senso de proporção e de humor. Esta resposta expressa em poucas palavras o caráter de Ted.
 
Com a passagem dos anos, compreendi o verdadeiro significado destas palavras. Um revolucionário necessita compreender o que é possível ou impossível em um momento determinado. Necessita compreender como se move a classe trabalhadora e adaptar-se a ela, sem perder de vista em nenhum momento as perspectivas gerais e os princípios. É necessário captar o ritmo da história e tentar acompanhar seus passos. Isto é uma arte que não se pode aprender nos livros de texto. Implica, por um lado, o conhecimento profundo do método dialético e, por outro, a experiência necessária que se ganha ao se apalpar o movimento operário.
 
Durante sua longa e ativa vida, Ted Grant frequentemente se encontrou isolado e em situação aparentemente impossível. Por exemplo, quanto o antigo PCR foi destruído por Healy em 1949. Ocorreu o mesmo durante os anos mornos da década dos anos 1950 e início dos anos 1970. Também em 1991, quando foi destruída a tendência Militant por um desvio ultra-esquerdista de parte da direção. Isso aconteceu em uma situação objetivamente muito difícil, mas para Ted e para aqueles que o seguiam não nos preocupou em absoluto. Sabíamos que, com as idéias, métodos e perspectivas corretas, finalmente triunfaríamos. E isto se pôde ver na marcha dos acontecimentos.
 
Fé no futuro socialista da humanidade
 
A queda da União Soviética espalhou o pessimismo e a desorientação no movimento dos trabalhadores. Mas Ted não retirou conclusões pessimistas. Sua fé no futuro socialista continuou tão firme quanto antes. Disse que o capitalismo não ofereceria um futuro para o povo russo e fez o seguinte e extraordinário prognóstico: a queda do estalinismo somente seria o primeiro ato de um drama mundial que seria seguido por um segundo ato ainda mais dramático: a crise global do capitalismo.
 
Quando Ted fez esta previsão audaz há mais de uma década, muitos ficaram céticos. No meio do auge econômico dos EUA dos anos 1990, quando era moda dizer que o capitalismo havia solucionado seus problemas e que nunca mais haveria outra recessão (o “novo pragmatismo econômico”), Ted prognosticou uma nova recessão que desembocaria no período mais convulsivo e turbulento da história mundial. Agora somos nós os que deveríamos perguntar aos defensores do capitalismo: quem tinha razão e quem estava equivocado?
 
Ultimamente está na moda nos jornais burgueses citar Marx novamente. Perguntam-se nervosamente se o velho Karl não tinha razão afinal de contas. Nós já respondemos a esta pergunta há muito tempo. No momento atual, a autoridade moral e política da tendência marxista internacional fundada por Ted Grant nunca foi tão alta. Nossa página web www.marxist.com conseguiu um êxito assombroso em curto espaço de tempo. Com quase dois milhões de visitas o mês, nos convertemos em ponto de referência para muitos socialistas e comunistas, trabalhadores e sindicalistas, de todo o mundo. Livros como Razão e Revolução e Rússia: da revolução à contra-revolução, receberam grande acolhida e são considerados contribuições originais e importantes à teoria marxista.
 
Ted agora já não está mais tão ativo, embora fosse este o seu desejo, por motivos de saúde, mas sua mente está clara e alerta, e sua convicção na vitória final do socialismo não obscureceu. Neste aniversário queremos render homenagem a este grande homem do marxismo-leninismo internacional e lhe desejamos muitos anos mais de luta exitosa pela maior causa da humanidade: a luta pelo socialismo mundial, para a qual contribuiu durante tanto tempo.
 
Traduzido por Fabiano Adalberto