Não podemos pensar nas guerras do Oriente Médio apenas em termos religiosos. Existe sim um componente religioso nessa questão, porém, sua contribuição à situação caótica da região é diluída.
O Oriente Médio é vital para a economia mundial por ter as maiores reservas de petróleo do mundo, ser uma das principais rotas do comércio de mercadorias, e reter as maiores reservas de gás natural. Por se posicionar entre a Ásia, a Europa e a África, torna-se central para o comércio mundial, especialmente com a utilização do Canal de Suez, que permite a passagem direta entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho, encurtando a distância entre as regiões mencionadas. Caso contrário, seria necessário navegar ao redor da África para entregar produtos1.
As principais potências mundiais sabem muito bem disso, e essa sabedoria, aqui no sentido literal da palavra, é transformada em ações cujo objetivo é manter a tutela dessa região.
Falando sobre os atores dessas intervenções, não podemos deixar de mencionar os EUA. A maior potência imperialista tem uma lista enorme de atividades intervencionistas na região que levam a conflagrações armadas:
- Operação Ajax: onde a CIA orquestrou um golpe de estado no Irã para derrubar um governo eleito democraticamente. Essa intervenção custou aproximadamente 1 milhão de dólares da época. Estamos falando de 1953. Hoje isso representaria cerca de 10 milhões de dólares.
- Guerra Irã-Iraque (1980): Os EUA estavam preocupados com o avanço soviético na região e, ao mesmo tempo, queriam conter a revolução islâmica do Irã e proteger as reservas de petróleo da região, garantindo o acesso a esses recursos. Somente o apoio a Saddam Hussein custou aos trabalhadores norte-americanos aproximadamente 10 bilhões de dólares.2
- Invasão do Iraque (2003): a invasão do Iraque sob o pretexto de eliminar a possibilidade de acesso do país a armas de destruição em massa. Alguém ainda acredita nisso? Custou aos cofres públicos cerca de 3 trilhões de dólares. Dinheiro que, ao invés de ser investido em saúde, foi revertido para matança.3
- Apoio a grupos rebeldes na Síria: o programa “Train and Equip” que causou instabilidade na Síria custou aproximadamente 500 milhões de dólares.4
- Ajuda a Israel: por ano, Israel recebe aproximadamente 9 bilhões de dólares para servir de contrapeso às potências regionais.5
E isso é uma lista pequena e apenas do que veio a público até o momento e apenas do principal motor desestabilizador do mundo. Muito dinheiro deve vir das potências europeias e da China capitalista de hoje, sem termos dados sobre isso.
A guerra, por si só, é um evento lucrativo que gera empregos. Os contratos firmados para o fornecimento de armas para a região são um dos mais lucrativos do mundo, tendo como provedores a indústria armamentista mundial. Rússia, China, EUA e Europa, todos eles fornecem armas para Israel, Irã, Iraque, Arábia Saudita e companhia6. O comércio global de armas para a região representa aproximadamente 35% das importações mundiais de armas anualmente. Nos últimos 5 anos, a classe trabalhadora do Oriente Médio desembolsou aproximadamente US$ 150 bilhões, considerando números aproximados, pois muitos contratos possuem cláusulas de confidencialidade.7
Guerras, de forma geral, são muito lucrativas e, por serem muito lucrativas, criam uma superestrutura de lobistas que atuam nos congressos nacionais para manter a situação do jeito que está. A paz não gera dinheiro para os senhores da guerra, e, o pior, a paz pode gerar mais e mais questionamentos sobre a indústria bélica. Para isso, uma miríade de justificativas aparece, acusando o ser humano de ser uma máquina de matar. Pessoalmente, não conheço um ser humano que não prefira ter as contas pagas, comida no prato e uma casa para morar, porém, talvez vivamos no mundo da fantasia.
O pretexto religioso é muito utilizado como justificativa para as tensões na região. Existem sim pessoas fanáticas no mundo que seriam capazes de matar por religião, mas não existe sequer uma prova que eles sejam a maioria da população, ou uma parte significativamente relevante da população do Oriente Médio. O que existe sim é que essas pessoas, na conjunção dos interesses econômicos próprios com os interesses imperialistas, são utilizadas como fantoches no teatro de interesses global. Em troca de uma parcela menor, passam a ser arautos do imperialismo global da região.
O caso da nação criminosa de Israel, nesse momento, é exatamente esse. Caso os EUA não fornecessem um guarda-chuva de poderio militar, seria muito pouco provável que Israel tivesse o poder e a vontade política para cometer as atrocidades que comete na região, principalmente ao povo palestino. Em troca da possibilidade de ser um contrapeso às potências regionais como o Irã e manter a região sob um status policial, os EUA dão livre acesso aos interesses regionais de Israel, que são o controle de territórios importantes, tais como a Cisjordânia, com seus recursos hídricos e campos para a agricultura8, assim como alguns recursos minerais9 e, claro, a força de trabalho barata palestina que vive nessa região10.
Todos esses interesses têm uma coisa em comum: visam o enriquecimento de uma classe específica de suas sociedades. Em Roma, havia um ditado chamado “Cui bono?” que, em latim, significa “A quem beneficia?” ou “Quem ganha com isso?”, sugerindo que para se descobrir o autor de um crime deve-se investigar quem mais se beneficiou com o ocorrido. Não há dúvidas aqui que esses lucros ficam nas mãos de uma classe social, classe esta que domina outra ideologicamente e utilizando de aparatos repressivos.
A luta de classes é o principal motor histórico da humanidade e as guerras só acabarão com a vitória completa, a nível internacional, do proletariado sobre a burguesia. É preciso terminar com o sistema capitalista que atualmente nutre essa classe. O fim das guerras, não só no Oriente Médio, como no mundo todo, depende disso. Trata-se de condição “sine qua non” para uma era de prosperidade e liberdade mundiais.
- https://www.cnnbrasil.com.br/economia/conflito-no-oriente-medio-pode-impactar-economia-global-diz-especialista-a-cnn/?form=MG0AV3 ↩︎
- Todos os homens do Xá de Stephen Kinzer ↩︎
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/c84m8d4xdzgo ↩︎
- https://www.bbc.com/news/world-middle-east-28042309 ↩︎
- https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-diz-que-garantiu-us-87-bilhoes-de-novo-pacote-de-ajuda-dos-eua/ ↩︎
- https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47538464 ↩︎
- https://www.sipri.org/sites/default/files/2022-03/fs_2203_at_2021.pdf ↩︎
- https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce9856560d3o ↩︎
- https://news.un.org/pt/story/2019/08/1685021 ↩︎
- https://jacobin.com.br/2024/04/investigacao-a-luta-palestina-pelos-direitos-trabalhistas-em-israel/ ↩︎