Em um fim de tarde do dia 28 de março de 1968, no Rio de Janeiro, terminava uma das mais agitadas assembleias do Calabouço, restaurante frequentado por secundaristas e universitários que utilizavam o espaço para organizar as lutas, além de combater constantemente contra a extinção do próprio local, quando cinco pelotões de choque da Polícia Militar e da Força Aérea surpreenderam os jovens reunidos. A assembleia acabava de aprovar a realização de uma manifestação pública em uma das zonas mais importantes da cidade e, como de costume, os estudantes saíam “sempre armados de pedras, correntes, pedaços de pau, coquetéis molotov etc.”1. A polícia ataca e os estudantes decidem enfrentar.
Em meio a bombas de gás lacrimogêneo e cacetadas, um grupo de estudantes consegue romper o cerco e se dirige ao centro da cidade. O outro grupo, tentando fazer o mesmo, acaba encurralado em uma praça e a polícia tenta invadir o espaço do Calabouço. Estudantes que estavam no restaurante do Instituto de Cooperativa do Ensino (ICE), próximo ao Calabouço, sabem da invasão e atacam “os milicos com as próprias bandejas, onde era servida a comida, e as cadeiras das salas de aula”2, possibilitando o avanço dos que estavam encurralados na praça. A polícia recua até os carros de choque, o comandante ordena o uso da fuzilaria e o Calabouço é metralhado. Dois estudantes caem na tentativa de se proteger: um desmaiado e o outro, Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, morto.
No Brasil, 1968 começou em março. A morte de Edson Luís, com um tiro no coração, sensibilizou o país e resultou na explosão de uma enorme insatisfação social que se acumulava desde o golpe militar de 1964. Os estudantes ocuparam escolas, universidades e foram às ruas. A classe trabalhadora, buscando se reorganizar, realizou greves, combateu a burocracia sindical e a repressão da polícia. A música, o cinema, o teatro, questionavam a ditadura, os artistas se solidarizavam e lutavam ao lado de estudantes e trabalhadores. A ditadura “veio quente”, como diz a música, mas a sociedade “já estava fervendo” e 68, no Brasil, ficou marcado como o ano dos que sonharam e lutaram por outro mundo.
A ditadura civil militar
Além da conjuntura internacional explosiva, o fato de o Brasil viver sob um regime ditatorial irá interferir diretamente no desenvolvimento de 1968, principalmente por meio do uso da repressão, o que torna necessário uma rápida retrospectiva das causas e consequências desse evento.
Em 1961, Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), assumia a presidência do país. Sete meses depois o mesmo renunciaria por pressão de setores da burguesia que não viam com bons olhos algumas medidas nacionalistas do presidente. Jânio buscava, por meio da renúncia, causar uma comoção popular e voltar com plenos poderes. O Congresso acatou a renúncia, o povo não foi às ruas e Jânio capitulou. Começou, então, um combate da burguesia para impedir a posse do vice de Jânio, João Goulart, mais conhecido como Jango, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Com a “campanha da legalidade” um acordo foi realizado em que se criou o parlamentarismo no Brasil e, dessa forma, João Goulart foi empossado, mas com poderes limitados. Havia um grande temor da burguesia de que Jango cedesse às pressões do movimento camponês e operário.
Em 1963, realizou-se um plebiscito e o regime voltou a ser o presidencialismo. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o PTB apoiaram o governo e a política de reformas, em colaboração com setores da burguesia. As pressões salariais e pela reforma agrária aumentaram, a inflação cresceu vertiginosamente, a alta dos preços e a sabotagem da economia gerou falta de produtos no mercado. As tensões aumentaram. Manifestações de estudantes e trabalhadores exigiam reformas, os setores mais reacionários atacavam o governo, acusando-o de comunista. O governo nacionalista burguês de João Goulart, sob pressão do movimento de massas, foi mais longe do que desejaria quando tomou posse em pleno descontentamento da burguesia.
No dia 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, Jango organizou o Comício da Central, na Praça da República, localizada em frente à estação Central do Brasil. Nesse dia, em que 200 mil pessoas estiveram presentes, diversos decretos limitados ao estado democrático burguês e a uma política nacionalista foram aprovados. Entre eles, a nacionalização completa do petróleo e monopólio estatal da Petrobras, a reforma agrária, a reforma urbana, a legalização dos partidos operários e populares, entre os quais o PCB que estava na ilegalidade.
Para sobreviver, o governo de Jango só podia se apoiar no movimento de massas que se radicalizava. A luta pelas reformas de base estava indo além dos limites das reivindicações democrático burguesas e em contrapartida o PCB procurava frear o movimento para “não radicalizar a situação”. Tanto o PCB quanto o PTB, que eram as organizações mais fortes do movimento operário, sendo o PCB o principal, apoiavam o governo da suposta “burguesia nacional” de Jango contra o imperialismo norte-americano. Entretanto, a própria burguesia nativa, em grande maioria, já estava associada ao capital estrangeiro.
No dia seguinte ao comício os jornais burgueses alardeavam a instalação de uma “república sindical”, uma “ofensiva do governo de João Goulart contra as instituições democráticas”3. No dia 19, a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade mobilizou amplos setores da classe média reunindo mais de 500 mil pessoas em São Paulo. O golpe já estava sendo preparado e as manifestações da classe média eram os sinais.
Apesar da disputa pela data oficial do golpe, é no dia 1º de abril que Jango é deposto. O fato de militares e defensores da reação comemorarem o dia 31 de março como data da “revolução” é uma tentativa de fugir de brincadeiras com o dia da mentira. “Durante muito tempo era possível saber a posição política de uma pessoa no Brasil a partir da forma como ela designava este fato. Se falava em “Revolução de 31 de março”, já sabíamos que era alguém que apoiava os militares. Se, ao contrário, se referia ao “Golpe do 1° de abril”, era alguém que se opunha ao arbítrio”4.
O fato é que, por mais que o regime militar buscasse oficializar o dia 31 como data da “revolução”, foi na madrugada do dia 1º de abril que tropas com o objetivo de derrubar Jango foram enviadas ao Rio de Janeiro. Jango foge para o Rio Grande do Sul e no dia 2 de abril é empossado como presidente o deputado Ranieri Mazzili, que logo seria substituído pelo marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. O jornal O Globo, em sua manchete, comemora: “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restabelecida”.
Enquanto a pequena burguesia, a burguesia brasileira, a burguesia imperialista e a imprensa, através dos jornais O Globo, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, entre outros, celebravam o fim da “ameaça comunista”, a classe operária não foi mobilizada por suas direções e as massas não foram chamadas às ruas para impedir a ascensão dos militares ao poder.
O golpe de 1964 foi “um golpe de classe, um golpe da burguesia contra a classe trabalhadora”5. Instaurou a ditadura civil militar, prendeu as principais lideranças do movimento operário e estudantil que tentaram combater o regime, atacou sindicatos, entidades estudantis etc. Para exemplificar os ataques da ditadura, vale destacar um dos retrocessos impostos aos trabalhadores, que foi a implantação do Fundo de Garantia que resultou no fim da estabilidade de emprego:
“Em 1966 foi instituído o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (Lei 5107/66), com o objetivo de pôr fim ao regime de estabilidade no emprego, garantido pela CLT. Inicialmente, a lei dispunha que o trabalhador, no ato da admissão, poderia “optar” pelo FGTS ou pela estabilidade adquirida após dez anos de trabalho, mas, na prática tal opção não existia, pois normalmente o FGTS era imposto pelo patrão.” (RUPP, 2017)
O movimento estudantil sofreu com o ataque a sua principal entidade, a União Nacional dos Estudantes (UNE), que foi incendiada na madrugada de 1º de abril, e a aprovação da Lei Suplicy, em setembro do mesmo ano, que impedia a participação das entidades estudantis existentes de fazer “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”6.
Os anos que seguiram, foram de reorganização do movimento estudantil e operário.
As primeiras lutas importantes que fazem parte dos eventos que antecedem 68, ocorrem em 1966, quando a UNE elege uma nova direção e começa a atuar mesmo na clandestinidade. Um plebiscito nacional é organizado contra a Lei Suplicy em 1965, e em 66, como medida de ação, os estudantes que rechaçam a lei começam a eleger suas próprias entidades da seguinte maneira: “onde havia condições para tal, os estudantes realizaram eleições clandestinamente e apoiaram as lideranças eleitas de Centros Acadêmicos [CA] agora ilegais. Onde isso era impossível, submeteram-se formalmente às exigências da lei, o que lhes dava acesso às verbas para custeio dos DA [Diretórios Acadêmicos], tratando, contudo, de manter a autonomia política dos seus movimentos. Também adotou-se soluções mistas, em que um DA legalmente eleito e com acesso à sede e verbas apoiava um CA efetivamente visto como a liderança local”7.
No dia 18 de setembro, a UNE chama greve geral dos estudantes e transforma o dia 22 no Dia Nacional de Luta Contra a Ditadura. Esse evento, com manifestações que eclodem por todo o país fica conhecido como Setembrada e tem como fato marcante o Massacre da Praia Vermelha, ocorrido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando a polícia invade a Faculdade de Medicina e expulsa os estudantes violentamente.
Em 1967 são organizadas lutas contra as políticas educacionais do governo. Um acordo secreto elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid na sigla em inglês) veio à tona em 1966 e ficou conhecido popularmente como o acordo MEC-Usaid. O plano tinha como objetivo a privatização do ensino público brasileiro, além de reduzir carga horária de algumas matérias, entre elas História, e cortar Filosofia, Latim, Educação Política, entre outras matérias, da grade escolar. Esse combate que iniciou em 1967 continuaria em 1968.
No movimento operário, a situação possui algumas semelhanças. O aumento do desemprego e o arrocho salarial vai causar a indignação dos trabalhadores dos setores público e privado. O número de greves, que cai bruscamente a partir de 1964, começa a aumentar aos poucos e, em 1967, estados importantes economicamente, como Minas Gerais, registram movimentos relevantes:
“Em 6 de junho [de 1967] as professoras primárias recorrem à Justiça para receber seus salários e quatro dias depois começam sua greve. A greve, que mobilizou cerca de 4 mil professoras de 26 municípios do Estado, não pôde, contudo, resolver o problema que ainda em agosto dava motivo a algumas manifestações de rua. Em 7 de julho é a vez dos funcionários municipais de Belo Horizonte [capital de Minas Gerais] se mobilizarem para receber seus salários em atraso. Ainda em julho, começam a surgir protestos dos empregados do sistema bancário estatal contra o programa de fusão dos bancos estatais que, de resto, acabou produzindo desemprego no setor. (…)
“No setor privado, estes problemas assumem proporções ainda maiores. Em abril de 1967 a Mannesman dispensou cerca de 600 operários (…). Em junho, quando se inicia a campanha eleitoral, começa também uma greve por atraso do pagamento por parte dos mineiros de Ibirité e São João del Rei (Cia. Siderúrgica Nacional) que deverá durar perto de um mês e meio. Em novembro começa o movimento dos operários da Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas de Barão de Cocais, também por salários atrasados. Em dezembro surgem vários casos de protestos por atraso de pagamento do ‘13º salário’.” (WEFFORT, 1972, p. 32)
Com greves e manifestações estudantis, o Brasil se preparava para entrar em 1968 acompanhando uma série de países que fizeram desse ano um dos mais marcantes na história da humanidade.
Estudantes em cena
“— Padre, morreu um estudante aqui no [Restaurante] Calabouço.
— Chame a polícia.
— Impossível. Foi ela que o matou.” (Diálogo entre um trabalhador do Calabouço e o padre Vicente Adamo em 28 de março de 1968)
Os primeiros embates de 68 iniciaram ainda em janeiro com a luta dos excedentes, estudantes que atingiam a média necessária nos vestibulares para acessar ao ensino superior, mas que não entravam por falta de vagas. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza, Recife, Salvador, foram palco de assembleias que reuniam facilmente 5 mil pessoas nas universidades e as passeatas, nas principais cidades, costumavam contar com cerca de 10 mil estudantes, numa conjuntura onde havia cerca de 200 mil universitários em todo o Brasil.
A juventude estava extremamente radicalizada, disposta a enfrentar a repressão policial que se intensificava a cada dia. José Genoíno, presidente do DCE da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 68, apresenta um interessante relato que evidencia o nível de radicalização dos estudantes na época:
“… tínhamos decido começar a passeata na Praça José de Alencar. A polícia anunciou que não haveria passeata. Cercou a praça. Quer dizer, nós não podíamos entrar na praça em massa. Aí tivemos de diluir, dispersar o pessoal em grupos e entrar lá dentro, sem ser em passeata, para montar a passeata dentro da praça e, aí, romper o cerco. E funcionou perfeitamente. O pessoal entrou normalmente, de ônibus, andando. O grupo de autodefesa tinha preparado coquetéis molotov e entrou na praça com eles dentro de carrocinhas de sorvete. Daí, quando sentimos que já havia bastante gente lá, alguém subiu na estátua do José de Alencar, deu um grito, que era o que a gente combinava pro pessoal se juntar, aí o pessoal dos coquetéis de molotov entrou em ação, abriram duas ruas para a gente sair e lá fomos nós por elas. (…) [os policiais] não contavam com nossa audácia, com nossa determinação e com a nossa organização.”8
Com esse mesmo ímpeto atuavam os jovens do Calabouço, no Rio de Janeiro, onde diariamente circulavam cerca de 4 mil estudantes secundaristas. Na verdade, o restaurante apelidado pelos próprios jovens de Calabouço, fazia parte de um complexo criado na Era Vargas, “depois da Segunda Guerra Mundial, sob pressão da UNE, com o objetivo de atender os estudantes de origem humilde, provenientes, em sua maior parte, do interior do país”9. No complexo havia, além do restaurante com um preço popular, sapataria, barbearia, entre outros serviços. Em 1964 um interventor da Ditadura foi colocado para gerenciar o lugar e nos meses que seguiram, estudantes, quadros da UNE e da União Metropolitana dos Estudantes (UME) foram presos ou desapareceram e a presença da juventude no Calabouço diminuiu drasticamente.
Com a reorganização do movimento estudantil, os jovens retomam o espaço e fundam a Frente Unida de Estudantes do Calabouço (Fuec). Os secundaristas, que passavam boa parte do tempo no espaço, logo começaram a entrar em contato com os universitários organizados, o que tornou o restaurante em um local de debate e de mobilização do movimento estudantil.
A existência de um lugar que reunia uma enorme quantidade de jovens, num período de radicalização no Brasil e no mundo, era inaceitável para a ditadura e os ataques ao Calabouço não tardaram a começar. O primeiro enfrentamento acontece quando é decidida, sem apresentar qualquer justificativa, a demolição do Calabouço. Apesar da resistência, o restaurante é derrubado e os estudantes iniciam uma campanha para pressionar o governo a reconstruir o lugar.
A “Operação Pendura” entra em ação. Os jovens se reúnem em grupos de dez e juntos vão a um restaurante caro da cidade, comem bem – o consumo de bebidas alcoólicas e cigarros são proibidos pela Fuec, e quando todos terminam, um dirigente sobe em uma mesa e faz um discurso que conclui pedindo para colocar a conta em nome do MEC. A operação se espalha por todo o Rio de Janeiro. Em alguns restaurantes, os donos, quando percebem o que está ocorrendo, chamam a polícia e tentam trancar os estudantes, mas sem sucesso. Um novo Calabouço é construído.
A ditadura não desiste do plano de fechar o lugar e embates entre estudantes e repressão irão culminar com o assassinato de Edson Luís no dia 28 de março:
“Segundo o relato de dezenas de testemunhas, o comandante da tropa de choque, tenente Alcindo Costa, sacou sua pistola 45 e fez diversos disparos. Um deles atingiu o peito do estudante Edson Luís de Lima Souto. Percebendo a gravidade do ferimento, alguns de seus companheiros, em desespero, levaram Edson para a Santa Casa, na rua Santa Luzia. Mas nada pôde ser feito para salvar a vida do estudante de apenas 18 anos e origem modesta. O médico Luís Carlos Sá Fortes Pinheiro atestou que Edson Luís chegara morto ao hospital.” (ZAPPA e SOTO, 2018)
Saindo da Santa Casa, os jovens levam o corpo do Edson até a Assembleia Legislativa, na praça Tiradentes. No meio do caminho as fileiras dos companheiros de Edson engrossam com milhares de pessoas que passam pelo local. A passeata dura cerca de vinte minutos, a tensão é grande e a polícia não quer permitir que os manifestantes cheguem no destino que desejam. Elinor Brito, presidente da Fuec relata a situação dramática:
“Eles queriam tomar o corpo da gente e impedir a entrada na assembleia. A gente disse: ‘Tá morto, a gente bate com a cabeça do Edson na barriga dos policiais e eles vão recuando.’ E eles foram dando para trás.”10
O corpo de Edson é colocado no saguão da Assembleia. Os Deputados presentes tentam convencer os estudantes da desocupação do saguão e que o corpo seja levado para o Instituto Médico Legal (IML), para ser submetido a autópsia. Os estudantes sabiam que se Edson fosse levado para o IML, a chance de seu corpo desaparecer seria grande. Após acaloradas discussões, a maioria dos presentes decide pela permanência do corpo ali, “onde seria velado até o dia seguinte em meio a um clima extremamente tenso [com] gritos de revolta”11 e protesto.
No dia seguinte, cerca de 60 mil pessoas participam do sepultamento de Edson Luís. Sua camisa, ensanguentada é carregada como um estandarte. No dia 30 de março, manifestações explodem por todo o país em solidariedade aos estudantes do Calabouço. Em Goiânia, a ditadura faria mais uma vítima, seu nome era Ivo Vieira. O “maio de 68” começava no Brasil.
No dia 1º de abril, o clima tenso e radicalizado que havia tomado conta do país se intensificou por conta da “celebração do quarto aniversário do golpe militar”. As Forças Armadas, as polícias Militar e Civil se mobilizaram, ocuparam locais estratégicos nas principais cidades, entretanto, mesmo assim, não conseguiram impedir as inúmeras manifestações que se alastraram de norte a sul.
Em Belém, estudantes foram retirados à força da universidade para impedir algum tipo de mobilização; em Recife, 2 mil saíram às ruas em um ato proibido; protestos tomaram conta de Maceió e Salvador; Em Fortaleza, os manifestantes destruíram o prédio do Serviço de Informações dos Estados Unidos; Em Natal, todas as universidades entraram em greve; em Brasília, onde uma ocupação de estudantes havia começado no final de março, os estudantes foram cercados pela polícia e resistiram; em Goiânia, um policial civil invadiu a Catedral Metropolitana, onde se reuniam estudantes, e feriu dois deles; nos Estados da Bahia e Minas Gerais, estudantes foram baleados pela polícia, causando a revolta da população.
No Rio de Janeiro não foi diferente e a única exceção nesse dia foi São Paulo, onde a polícia decidiu não proibir as mobilizações, mas o número de policiais que acompanharam os atos era quase proporcional ao número de manifestantes.
No dia 4, a missa de sétimo dia de Edson Luís, celebrada na Igreja da Candelária, no centro do Rio, acabou terminando em confusão quando a cavalaria da Polícia Militar investiu contra as pessoas que deixavam a igreja. Padres tentaram proteger a população usando seus corpos como escudo e foram agredidos igualmente, causando comoção e indignação da população. Nos dias que seguiram, “passeatas, ocupação de prédios e greves passaram a movimentar as principais capitais”12 e os estudantes se radicalizaram cada vez mais.
A vez dos operários: as greves de Contagem e Osasco
“…Eu acho graça desses caras, contrariam a lei numa porção de coisas. Na hora de pagá o aumento querem se apoiá na lei. Vai se preparando, Tião. Num dou duas semanas e vai estourá uma bruta greve que eles vão vê se paga ou se não. (…) Se não pagá, greve… Assim é que é…” (Eles não usam black-tie, Gianfrancesco Guarnieri)
Os estudantes foram os primeiros nos combates de 1968, o prenúncio das mobilizações operárias. Não demorou muito para que greves entrassem no calendário do ano que abalou o mundo, sendo duas as mais importantes. Elas ocorreram nas cidades de Contagem, em Minas Gerais e Osasco, em São Paulo.
Essas greves ocorreram no coração industrial do país da época, mobilizaram mais de 21 mil operários e foram as primeiras manifestações de força da classe trabalhadora após o golpe de 64. Para entender a real importância desses movimentos é preciso considerar, do ponto de vista da organização operária, o peso do governo ditatorial que, através do Ministério do Trabalho, interveio em inúmeros sindicatos, destituindo diretorias eleitas pelos trabalhadores. Além da implacável perseguição aos trabalhadores que participaram de greves, com demissões, listas negras e prisões, o que desarticulou por longo tempo o movimento operário. Há também, como fator, o peso da traição do PCB, que mesmo durante o regime militar, buscou realizar alianças com os setores dito “progressistas” da burguesia, se recusando a combater ao lado dos trabalhadores para pôr fim à ditadura e ao capitalismo.
Contagem e Osasco, em 68, eram cidades que apresentavam alta concentração industrial e que fazia pouco tempo que haviam conquistado sua autonomia. Osasco, até 1962 era um bairro de São Paulo e Contagem, até 1963, de Belo Horizonte. Isso permitia uma mobilização nas próprias cidades e nas cidades das quais elas se separaram. A indústria dessas cidades estava muito próxima da população, possuía uma alta concentração de capitais em poucas empresas e havia uma clara predominância da indústria pesada (material de transporte, material elétrico, metalurgia, etc.). As semelhanças entre a estrutura industrial de Contagem e Osasco podem ser vistas na tabela (abaixo).
A primeira greve a estourar foi a de Contagem, que duraria nove dias. Desde 1967 a região de Belo Horizonte era atingida por uma aguda crise de desemprego que resultaria numa série de mobilizações, já citadas anteriormente, e agitações sindicais, onde os trabalhadores buscavam criar oposições aos sindicatos enquadrados pela ditadura. Essas mobilizações continuaram em 1968 e no setor público, por exemplo, no dia 11 de abril,
“cerca de 500 operários municipais tentaram invadir o edifício da Prefeitura para exigir o pagamento de um tradicional empréstimo de véspera da Semana Santa que lhes fora negado esse ano. Na iniciativa privada, pouco antes da greve de abril cerca de vinte pequenas empresas se viram obrigadas a fechar as portas por más condições financeiras (entre estas se encontrava a Minas Aço que causou escândalo por ter dispensado sem indenização seus 170 trabalhadores). Na mesma época, a A.E.I. efetuou seu programa de redução de pessoal, despedindo 230 trabalhadores de um total de 300. Em fins de fevereiro entram em greve os 3.500 operários da ACESITA reivindicando o cumprimento do anterior reajuste de salários. Em março, o Sindicato dos Metalúrgicos denunciava que a Industam havia despedido cerca de 40 operários em bases fraudulentas…”13
A greve de Contagem inicia no dia 16 de abril, às 7 horas da manhã, quando os operários da Belgo-Mineira começam a ocupar a fábrica e, em seguida, elegem uma comissão de 25 pessoas que são responsáveis por negociar com a empresa. O estourar da greve surpreende a própria empresa, a imprensa e, inclusive, a direção sindical. A comissão e diretores discutem soluções, mas sem chegar a um lugar comum. A Delegacia Regional do Trabalho (DRT) entra em ação e declara a greve ilegal, permitindo que a polícia invada o lugar para desocupar a empresa. Uma série de ações para esvaziar o movimento iniciam, incluindo a visita de funcionários à casa de grevistas, ameaçando as famílias de que todos os que continuarem no movimento irão perder o emprego.
No dia 17, os operários decidem abandonar a ocupação e dirigem-se ao sindicato e às 18 horas do mesmo dia a Polícia Militar ocupa a empresa. Até aquele momento, a greve atingia apenas uma seção da Belgo-Mineira e, o Ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, informado da situação, não achava necessário negociar pessoalmente.
No entanto, no dia 19, os trabalhadores da Sociedade Brasileira de Eletricidade entram em greve, aumentando o risco de uma expansão do movimento. O ministro faz sua declaração acusando os trabalhadores de “grupos de provocadores que mantiveram engenheiros presos sob o pretexto de obter um imediato aumento de salário”14. Ele também faz um chamado aos sindicatos oficiais para que controlem o movimento e, ao fim de seu discurso, o ministro destaca a necessidade das autoridades de manterem a ordem de qualquer forma.
No dia 20, é realizada a primeira assembleia de todos os grevistas, após a adesão de mais uma empresa, a Mannesman, com cerca de 4.500 funcionários. “Da assembleia, é formada uma comissão de greve e de piquetes, com o intuito de reforçar o movimento”15. Um dos líderes da greve na Mannesman, Ênio Seabra, havia concorrido à direção do sindicato, mas seu nome, junto de mais quatro membros da chapa, teria sido impugnado no processo. Desde então, o grupo organizado por Seabra fazia parte da “oposição sindical” e, a partir do dia 20, Seabra se tornaria a principal liderança do movimento.
Ainda no mesmo dia, Jarbas Passarinho participa da assembleia dos trabalhadores, é vaiado quando apresenta a proposta de aumento salarial de 8%, sendo que os trabalhadores exigiam 25%, e ao final do seu discurso explica sua intenção sem meias palavras: “se as condições se agravarem, passando para a provocação e o desafio, vai haver luta e perderá quem tiver menos força, embora não queiramos fabricar e nem nos transformarmos em cadáveres” (WEFFORT apud O ESTADO DE S. PAULO, 1968).
A greve amplia ainda mais no dia 22, chegando ao seu auge, com a adesão de dez novas empresas. Nesse dia, a assembleia busca organizar melhor o movimento, prepara novos piquetes, busca contatos em outros Estados e elege representantes de todas as fábricas para o comitê que dirige o movimento.
No dia seguinte, o governo apresenta a sua proposta e declara “guerra” à greve, caso os trabalhadores não aceitem. A insatisfação nas bases era enorme, as perdas salariais chegavam a 30% desde 1964, tornando a pauta de luta contra o arrocho salarial na principal reivindicação. Mas apesar de toda a disposição, a direção do movimento era vacilante, dependente da estrutura oficial dos sindicatos e não conseguia apresentar nenhuma saída além de esperar uma proposta do governo.
A repressão policial se intensifica, 1.500 policiais são enviados para Contagem e qualquer aglomeração de pessoas na cidade é dispersada com violência, boletins são proibidos de circular e as empresas intensificam as ameaças nas casas dos trabalhadores. A partir do dia 23 a greve entra em refluxo e no dia 26 é encerrada. Apesar da aparente derrota, Costa e Silva anuncia, no 1º de maio, um aumento de 10% dos salários no país, rompendo com a política do arrocho. A greve de Contagem conquista uma vitória parcial.
“Osasco é o exemplo”
No dia 1º de maio, cerca de 20 mil pessoas se reúnem na Praça da Sé, no centro de São Paulo. O governador do Estado, Abreu Sodré, pega o microfone e afirma que o ato é a prova de que em nosso estado a democracia respira. Os manifestantes, indignados, começam a vaiar e jogar objetos no governador. Sodré é atingido por uma pedra e é retirado do palco, os manifestantes tomam conta do local e uma faixa com os dizeres “Operários, estudantes. Unidos para libertar o Brasil do imperialismo” é aberta. Entre os manifestantes, os trabalhadores de Osasco marcam presença.
Em fins de maio e começo de junho a temperatura sobe ainda mais no país. Diferente de Contagem, a greve de Osasco é programada, organizada e iniciada por conta das decisões tomadas pela direção sindical dos metalúrgicos da região. As comissões de fábrica que surgem em Contagem durante a greve, serão formadas em Osasco durante o processo eleitoral para o sindicato. Mas, mesmo possuindo uma direção mais ligada à base, ela irá se manter nos limites impostos à estrutura sindical herdada do varguismo, como veremos mais adiante.
No final de junho, quatro faculdades de Osasco são ocupadas pelo movimento estudantil. Quando começa a greve, no dia 16 de julho, às 9 horas da manhã, na Cobrasma, o clima político já é extremamente tenso. Até o final da manhã as empresas Barreto Keller, Braseiros, Granada (essa do setor químico) e Lonaflex já aderiram à greve. Panfletos, contra o arrocho salarial, contra o FGTS, a lei anti-greve e a ditadura dos patrões, assinados pelos “grevistas” e não pelo sindicato, são distribuídos. Os trabalhadores reivindicam um aumento salarial de 35%, contrato coletivo de dois anos e reajustes salariais trimestrais.
No segundo dia de greve, mais uma empresa adere ao movimento, a Brown Boveri. Para prestar solidariedade, aparecem representantes da UNE e da União Estadual dos Estudantes (UEE) e representantes de 12 sindicatos de São Paulo. Uma das características dessa greve, foi a participação dos “operários-estudantes”, o que resultou numa aproximação muito maior entre movimento dos trabalhadores e as lutas que o movimento estudantil travava desde o início do mês. Estudantes universitários e secundaristas de Osasco, de São Paulo e de outras cidades da região metropolitana organizavam passeatas e coleta de dinheiro em apoio aos operários grevistas.
A greve já contava, no segundo dia, com a participação de seis das onze principais empresas da região e com uma disposição e organização enormes por parte dos trabalhadores. A debilidade da greve estava justamente nas direções, que organizaram uma estratégia equivocada para salvar o próprio sindicato de uma possível intervenção por estar ligado à organização da greve. Quando o governo começou a pressionar o sindicato, os dirigentes, no desespero de perder o sindicato, tentaram resolver a situação por conta própria e declararam a irresponsabilidade do sindicato perante a greve. A ditadura não acreditou, obviamente, e os trabalhadores foram confundidos com as posições dúbias do sindicato.
Desde o primeiro dia da greve tropas da Polícia Militar já estavam se movimentando em quantidade para Osasco. Diferente de Contagem, onde o governo foi surpreendido, a DRT de Osasco já estava ciente das mobilizações dos trabalhadores da Cobrasma e demais empresas. Nesse caso também, a ditadura foi mais enérgica e no terceiro dia de greve decidiu que era hora de pôr fim ao movimento. Os operários resistiram durante o dia inteiro, mas na madrugada, a Cobrasma foi invadida pela polícia e 400 trabalhadores foram presos. O sindicato também foi invadido e posto sob intervenção, e o líder, José Ibrahim, fugiu para evitar a prisão.
Cem mil nas ruas contra a ditadura
Uma das manifestações mais importantes de 1968, da história da luta contra a ditadura e até da história do Brasil, aconteceu no dia 26 de junho, antes da greve de Osasco. A Passeata dos Cem Mil, no Rio de janeiro, aconteceu após uma crescente radicalização da sociedade, de um aumento substancial das manifestações nas escolas, nas ruas e, ao mesmo tempo, foi uma resposta direta à repressão que se intensificava a cada dia. Três eventos foram marcantes no que diz respeito à repressão policial:
“Em 19 de junho, houve enfrentamentos entre estudantes e a Polícia Militar, no Palácio Capanema, então sede do Ministério da Educação (MEC), no Centro, com a prisão do líder estudantil Jean-Marc von der Weid e outros cem estudantes. No dia seguinte, alunos obrigaram o Conselho Universitário da UFRJ, no campus da Praia Vermelha, a debater a situação do ensino superior, e mais de 300 estudantes foram presos no campo do Botafogo, onde sofreram espancamentos e humilhações. Mas o pior estava por vir: no dia 21 ocorreu um dos maiores conflitos entre o movimento estudantil e as forças de segurança do governo militar até então. O episódio ficou conhecido como Sexta-feira Sangrenta. Dezenas de feridos, cerca de mil presos, depredações e veículos incendiados. Até hoje o número de mortos é incerto.”16
A Sexta-feira Sangrenta começa como uma manifestação em resposta à violência policial do dia 20. A polícia não autoriza a passeata, realiza investidas, mas os estudantes reagem, chegando a enfrentar a cavalaria com bolas de gude, que faziam os cavalos tombar. A população que vivia nos prédios ao redor apoiou os jovens jogando, das janelas de seus apartamentos, objetos na polícia e, aqueles que passavam na rua, ajudavam jogando pedras e outros objetos. A polícia respondia com tiros e lançava bombas de gás lacrimogêneo. A Sexta-feira Sangrenta foi terminar apenas no fim da tarde.
Pode-se dizer que a Passeata dos Cem Mil foi o ápice de 1968, reunindo trabalhadores, estudantes e o conjunto da população. A polícia e o exército não interferiram na passeata. As faixas continham críticas à repressão realizada nos dias anteriores, algumas lembravam a morte de Edson Luís e outras traziam os dizeres “Abaixo a Ditadura”, deixando claro que existia uma vontade de pôr abaixo um regime que só servia para manter, pela força, uma minoria no poder. Cem Mil pessoas foram às ruas no Rio de Janeiro, mas em cidades como Salvador, por exemplo, 20 mil se manifestaram e o mesmo número tomou as ruas de Fortaleza no dia, além de outras cidades.
Uma comissão foi formada no dia, a Comissão dos Cem Mil, e conseguiu dialogar diretamente com Costa e Silva, mas com a intransigência da ditadura e a incapacidade do movimento de mobilizar as mesmas forças nada de definitivo seria arrancado. Apesar da diminuição da quantidade de pessoas nas passeatas que seguiram, as coisas não chegaram a “esfriar”. Como foi mostrado anteriormente, a greve de Osasco ocorre depois da passeata do dia 26 de junho e mesmo depois da greve alguns momentos marcam o segundo semestre do ano.
No entanto, o que ocorre é um aumento da repressão. A polícia começa a criar pretextos que justifiquem reprimir o movimento estudantil e operário. Foi assim que aconteceu o episódio da Batalha da Maria Antônia, rua central de São Paulo, onde se localizava duas importantes faculdades: USP e Mackenzie, uma em cada lado da rua.
O que foi divulgado como um confronto entre os estudantes “mackenzistas” contra os “uspianos”, foi uma provocação organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). De acordo com José Dirceu17, presidente da UEE na época, e um dos principais dirigentes nesse episódio, durante dois dias os estudantes das duas faculdades tentaram evitar o conflito. Cerca de 100 estudantes ligados ao Dops e ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC) continuaram as provocações até que o confronto se tornou inevitável com o uso de rojões, foguetes, coquetéis molotov e tiros. Durante o confronto, o estudante da USP, José Guimarães levou um tiro na cabeça, acirrando ainda mais o conflito. A “batalha” continuou até o prédio da USP ser incendiado.
O último evento marcante de 1968, ocorreu na pequena cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo, onde mais de 700 estudantes se reuniram para o 30º Congresso da UNE no sítio Muduru. O Congresso, clandestino, reuniu as principais lideranças do movimento estudantil do país, como José Dirceu (UEE), Vladimir Palmeira (UME) e Luís Travassos, presidente da UNE. O que deveria ser mais um congresso de estudantes que trataria, principalmente, do combate à ditadura, acabou chamando a atenção dos moradores da cidade que acabaram acionando o Dops. O jornal Folha de São Paulo, na nota “Congresso da UNE: Todos presos”18 relata: “os habitantes de Ibiúna notaram a presença de jovens desconhecidos, que iam à cidade comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes, despertando suspeitas ao adquirir mais de (…) 200 [cruzeiros] de pão de uma só vez.” Mesmo conseguindo a liberdade no período posterior, os estudantes presos foram todos fichados pela polícia.
Costa e Silva começou o ano declarando que havia terminado “a fase repressiva” do regime e ele iniciaria a “fase construtiva”. Se ele construiu algo, foi uma máquina de repressão responsável pelo extermínio físico de centenas de jovens e trabalhadores, criada a partir do Ato Institucional nº 5, o AI-5. Em dezembro de 1968, o Congresso foi fechado, marcando o início dos anos de chumbo da ditadura. As organizações “de esquerda”, como algumas Dissidências do PCB, Ação Popular (AP), Aliança Nacional Libertadora (ALN), Política Operária (Polop), Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8), seguem o caminho da luta armada, organizando guerrilhas urbanas e rurais, cooptando boa parte dos jovens dirigentes do movimento estudantil. Essa tática resulta no isolamento do movimento operário e no extermínio físico de centenas, além de criar o pretexto que a ditadura precisava para reprimir qualquer tipo de movimento.
“Aprendendo e ensinando uma nova lição”
Há muito o que aprender com 1968, com os seus erros e acertos. As lições deste ano tão importante são fundamentais para que a classe operária e juventude saibam como atuar na luta de classes ainda hoje: os que lutaram em 68 não conseguiram resolver uma questão fundamental para hoje ainda, que é a necessidade de uma direção e de um partido revolucionário capaz de ajudar a classe operária na tomada do poder em suas mãos.
O ano de 1968 brasileiro carrega suas características próprias: luta contra a ditadura, uma classe operária que se reorganiza após o golpe, um movimento estudantil que está forjando novas direções. Mas é inegável que este movimento esteve conectado com o que ocorria no mundo. Como afirmamos na introdução da América Socialista nº 12, da edição brasileira:
“Em geral, na história, em cada país a luta que se desenvolve entre as classes aparece de uma forma particular, ‘nacional’ por assim dizer, com as peculiaridades da história ou elementos próprios de cada país ou região. É a forma nacional de uma luta de classes que tem um conteúdo internacional. Em 1968, isto se expressou de uma maneira espetacular, como elemento de clarificação do que sempre explicaram os marxistas que é a unidade internacional da luta de classes.”
Uma questão interessante, é durante todo o ano, aqueles que se mobilizaram, levaram faixas que faziam referências à Guerra do Vietnã, ao Maio Francês, as lutas nos Estados Unidos etc.
Os estudantes foram o exemplo do quão são sensíveis os jovens às tensões da luta de classes. Também demonstraram como a juventude é a ponta de lança do movimento, por não carregar o peso da traição das velhas direções. Os trabalhadores, por meio das greves de Contagem e Osasco, demonstraram que mesmo após sofrer duras derrotas, eles são capazes de se reorganizar, não importa a força do golpe. A classe operária possui uma fonte inesgotável de energia por conta do papel que ocupa na produção e essa é a única classe genuinamente revolucionária capaz de transformar a sociedade.
Durante 1968, e nos anos seguintes, pichações com os dizeres “Osasco é o exemplo” iriam aparecer pelos muros das cidades brasileiras. Cinquenta anos após as lutas de jovens e trabalhadores contra a ditadura e o capitalismo, a mensagem que os revolucionários deveriam fazer aparecer pelas cidades do Brasil e do mundo é semelhante: 1968 é o exemplo.
Artigo publicado originalmente na revista América Socialista 13, de setembro de 2018.
Referências:
1 SARDINHA, Geraldo Jorge. Calabouço: rebelião dos estudantes contra a ditadura civil-militar em 1968. S. Paulo: Ed. do Autor, 2016, p. 57
2 Ibid., p. 58
3 PONTES, J. A. V.; CARNEIRO, M. L. 1968, do sonho ao pesadelo. S. Paulo: O Estado de S. Paulo, 1985, p. 9
4 FLORENT, Adriana Coelho. Um suave azulejo: o retrato ambivalente da nação em “Fado Tropical” de Chico Buarque. USP, S. Paulo, 2007, p. 4 apud MAUÉS & ABRAMO, 2006, p. 20
5 RUPP, Luiz Gustavo Assad. Reforma e contrarreforma trabalhista. Esquerda Marxista, 2017. Disponível em https://www.marxismo.org.br/content/reforma-e-contrarreforma-trabalhista/?highlight=1964. Acesso em: 25 jun. 2018.
6 Lei nº 4.464, de 9 de novembro de 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L4464.htm?TSPD_101_R0=1734bb0787506c5a720b43a480da2aadca900000000000000009e5af9bfffff00000000000000000000000000005b3277fa006811be8d. Acesso em: 25 jun. 2018.
7 Do Golpe ao congresso de Ibiúna (1964 – 1968). Comissão da verdade PUC-SP. Disponível em: http://www.pucsp.br/comissaodaverdade/movimento-estudantil-periodizacao-1964-68.html. Acesso em: 25 jun. 2018.
8 REIS, D. A.; MORAES, P. 1968: a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008, p. 178, 179.
9 SARDINHA, Geraldo Jorge. Calabouço: rebelião dos estudantes contra a ditadura civil-militar em 1968. S. Paulo: Ed. do Autor, 2016, p. 33.
10 VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018, p. 107.
11 ZAPPA, R.; SOTO, E. 1968: eles só queriam mudar o mundo. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 72
12 Ibid., p. 92.
13 WEFFORT, Francisco C. Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco, 1968. S. Paulo: Cadernos Cebrap, n. 5, 1972, p. 33.
14 WEFFORT apud Jornal do Brasil. 20 abr. 1968.
15 REZENDE, A. P. História do movimento operário no Brasil. S. Paulo: Ática, 1990, p. 77.
16 O GLOBO. 20 jun. 2018. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/passeata-dos-cem-mil-ha-50-anos-foi-apice-dos-protestos-contra-ditadura-22804625#ixzz5JZKo5HTo. Acesso em: 25 jun. 2018.
17 REIS, D. A.; MORAES, P. 1968: a paixão de uma utopia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008, p. 150.
18 FOLHA DE S. PAULO. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_13out1968.htm. Acesso em: 28 jun. 2018.