Imagem: Arquivo pessoal

“A bala sempre atinge um corpo preto”

Igor Melo, 31 anos, está em estado grave. Passou por cirurgia, transfusões de sangue, perdeu um rim e está com o estômago e os intestinos bastante afetados. Igor estava na garupa de uma moto de aplicativo quando foi alvejado pelas costas por um policial.

O Estado não tem uma lei que diz que ser negro é crime, mas, nas ruas, prisões, becos e vielas, bairros proletários, a PM julga, condena e executa.

O autor do disparo é um policial militar reformado. Ele teria atirado após sua esposa reconhecer o condutor da moto como o assaltante de seu celular. Imagens de câmeras mostram o momento em que Igor embarca na moto por volta de 1h30 da manhã (o roubo ocorreu por volta das 23h). As câmeras mostram que, no trajeto, um carro passou a seguir a motocicleta. Igor disse a familiares que, minutos depois, ouviu disparos e caiu no asfalto. Ferido, ainda ligou para colegas de trabalho, que o levaram ao hospital.

Em dois depoimentos, o PM apresentou versões diferentes. Primeiro, disse que parou a moto em uma abordagem e que, nesse momento, o homem da garupa (Igor) tentou sacar uma arma, levando o policial a disparar para se defender. No entanto, o celular de sua esposa e a suposta arma que estaria com Igor não foram encontrados.

Além disso, o PM afirmou que motoristas relataram que os ocupantes da moto estavam fazendo um arrastão na estrada, mas nenhum pertence desses motoristas foi apresentado, e as imagens de câmeras, até o momento, não mostram nada disso.

Igor não tem passagem pela polícia. É pai de um menino de 2 anos, cursa Publicidade, trabalha no portal Vitrine Esportiva, que faz cobertura do futebol carioca, atua como inspetor em uma faculdade e, além disso, trabalha como garçom e ambulante no carnaval. Ele saía de um turno em um restaurante na Penha, de madrugada, quando chamou uma moto por aplicativo. Sua esposa declarou: “(…) O que fizeram com meu marido é racismo, é uma injustiça, a bala sempre atinge um corpo preto.”

Igor é conhecido no meio do futebol. Atletas, inclusive de fora do Brasil, estão se manifestando nas redes sociais denunciando o absurdo. O perfil oficial do Botafogo expressou solidariedade. Torcedores de outros times do Rio estão deixando a rivalidade de lado e se unindo nas redes sociais contra essa violência contra um trabalhador, como muitos dizem. Um protesto de torcedores na partida do Botafogo desta semana está sendo organizado.

O caso foi encaminhado para a Corregedoria da PM. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e a ministra Anielle Franco também acompanham o caso.

Sabemos que, na prática, não há um procedimento operacional padrão seguido pelas polícias. Protocolos e normas de abordagem são ignorados, e a força letal é utilizada mesmo em situações sem confronto. Parece que sempre é mais fácil puxar o gatilho usando o “critério” da cor da pele. Pouco importa se é um trabalhador voltando para casa no subúrbio ou um criminoso—atiram primeiro e perguntam depois. Se for negro, para os racistas, a vida humana vale menos.

Até a imprensa burguesa está apresentando o caso de Igor como um crime racista / Imagem: divulgação

As sequelas do tiro comprometerão a saúde de Igor e o sustento de sua família pelo resto da vida. E o policial que atirou, será punido com o rigor da lei? Ninguém sabe. O que se sabe é que os criminosos reinam no Rio de Janeiro protegidos por policiais. No mesmo dia do ocorrido com Igor, uma notícia revelou a participação de 25 policiais militares suspeitos de 18 homicídios, além de atentados e sequestros, a serviço da nova cúpula do jogo do bicho. Ou seja, policiais que trabalham como matadores de aluguel para a máfia. Sem contar os juízes e políticos.

A corrente Movimento Esquerda Socialista (MES-PSOL) defende que um instrumento de dominação como o Estado pode se tornar um mecanismo de justiça apenas por ajustes internos. Segue um trecho da nota do MES sobre o caso de Igor Melo:

“(…) É imperativo que as autoridades conduzam investigações rigorosas e imparciais, garantindo que os responsáveis por tais atos sejam devidamente punidos. Além disso, é necessário implementar políticas públicas que promovam a formação antirracista das forças de segurança e conscientizem a sociedade sobre os impactos do racismo estrutural. Somente através de ações concretas e do reconhecimento da gravidade do problema poderemos avançar rumo a uma sociedade mais justa e igualitária, onde casos como o de Igor Melo não se repitam.”

Nós também defendemos investigações policiais rigorosas. Aliás, somos favoráveis a todas as medidas que possam ajudar a reduzir a letalidade da ação policial, incluindo cursos e câmeras. Esse é apenas o programa mínimo. Mas será que o Estado pode ser um instrumento neutro ou progressista na resolução do racismo? Será que, por meio de reformas, os trabalhadores construirão uma “sociedade mais justa e igualitária”? Será que o objetivo da organização socialista é fortalecer a confiança nas forças policiais?

O racismo não é um acidente ou um desvio moral de maus policiais ou de policiais despreparados. O racismo é uma construção social da classe dominante, reproduzida até hoje para dividir a classe trabalhadora, justificar a repressão brutal nos bairros proletários e reforçar a disciplina da força de trabalho.

Nas manifestações de rua no Rio de Janeiro, as massas entoam a palavra de ordem: “Não acabou. Tem que acabar. Eu quero o fim da polícia militar.” Essa é uma ideia absolutamente clara de que a polícia não existe para proteger a população. Devemos partir desse grau de consciência política para explicar que o Estado não é um órgão neutro a serviço de todos, mas sim um instrumento de dominação de classe.

Os negros seguem escravizados pelo capital, submetidos a jornadas extensas, precarizadas e com baixos salários—além de serem caçados pela polícia racista. O Estado existe para garantir a reprodução do sistema capitalista. Suas instituições repressivas (polícia, exército, tribunais) servem para manter a ordem social que favorece a burguesia. Vacilar nessa posição é comprometer a radicalidade anticapitalista do movimento negro.

Defendemos um amplo engajamento dos coletivos dos movimentos negros na vigorosa campanha pelo fim da escala 6×1, assim como pelo fim da PM. Somos também pela construção organizada da autodefesa armada em bairros proletários, contra o crime e contra a polícia racista e corrupta.

Vamos na contramão do sistema. Vamos construir o Movimento Negro Socialista. Estamos empenhados em fazer a campanha Ser Negro Não é Crime ecoar pelas ruas.