A crise queima em fogo lento

Zigue-zague do índice Dow Jones, que mede a variação da bolsa de Nova York

Há uma crise do capitalismo no mundo inteiro. Isto já se tornou lugar comum. Para os analistas, jornalistas e economistas burgueses, trata-se, a todo momento, de enxergar os sinais de recuperação. Outros, pequeno-burgueses impressionistas, enxergam em cada mudança o fim do mundo, seja em um cataclismo global econômico, seja no retorno triunfante do fascismo ou de uma ditadura teocrática que se espalhe pelo mundo.

Estas visões pequeno-burguesas têm sua expressão maior na ficção científica, nos filmes “pós-apocalípticos”, “fim do mundo pelos zumbis” etc. No entanto, os marxistas olham o mundo a partir da ciência histórica – a história do mundo é a história da luta de classes. E a crise atual pode ser explicada a partir daí.

Relembremos: a crise de 2008-2009 foi causada pelo excesso de produção em relação à demanda efetiva – demanda dentro do sistema capitalista, evidentemente. O capital produz mais que o mundo pode comprar, não o que o mundo necessita.

Dois dados de 2018 ilustram que esta situação se mantém – o primeiro, que a venda anual de smartphones (telefones inteligentes) caiu em relação a 2017. Uma constatação surpreendente, pois a maioria da população mundial continua sem acesso à internet e o acesso via telefone é o mais simples e mais barato. O segundo, que a maior empresa varejista do mundo, a Amazon, destrói milhões de dólares em mercadorias todo ano porque não encontra mercado para produtos com defeitos simples como pequenas falhas de pintura, amassados mínimos etc. Isto é “preferível” comercialmente do que vender uma geladeira com um amassado mínimo por uma fração do preço do produto sem defeitos.

Assim funciona o sistema capitalista. E, neste esquema, os lucros vêm caindo. Empresas menores são engolidas por maiores. O investimento total cai, as relocalizações e desindustrializações se tornam a moda. E onde os governos “mais autoritários” ou “mais confiáveis” tentam levar mais a fundo as “reformas estruturais”, ou seja, a destruição de direitos trabalhistas e previdenciários, a crise política renasce com força.

Na Hungria, a revolta contra a “lei dos escravos”, que posterga por 3 anos o pagamento de horas extras efetivamente trabalhadas, corre solta pelo país, apesar de toda a censura e da repressão. Na França, o aumento dos impostos para os pobres (impostos sobre consumo) e a redução dos impostos para os ricos (impostos sobre a renda e propriedade) levou a uma revolta generalizada que não consegue ser contida (a revolta dos coletes amarelos). Na Argentina, as greves e manifestações sacudiram o país após o acordo de Macri com o FMI.

É neste contexto que a especulação corre solta nas bolsas de valores e moedas. O exemplo maior pode ser dado pela variação do índice Dow Jones, que mede a variação da bolsa de Nova York no último ano:

Se olharmos bem, a variação entre o máximo (26.828 pontos em 03.set) e o mínimo (21.792 em 24.12) é de 23%. A especulação corre solta, mas ela tem um fundo econômico e político – o ataque da burguesia contra a classe operária e a dificuldade de vencer a resistência da classe.

A política de Trump para “resolver” o problema dos EUA não consegue unificar toda a burguesia norte-americana. A crise do muro e a paralisação parcial do governo são a face explícita dessa dificuldade. A tentativa de exportação da crise para os outros países tem consequências – o investimento externo, por exemplo, caiu no Brasil:

“As operações de investidores estrangeiros no segmento Bovespa, contudo, mostram saída líquida de 1,1 bilhão de reais no acumulado do ano até 9 de janeiro, mas sem uma tendência única durante os pregões, conforme dados da B3. Em 2018, o resultado ficou negativo no ano em 11,5 bilhões de reais.”1

Mas o investimento não cai só no Brasil. Cai no mundo inteiro. A Arábia Saudita, para resolver o problema, tenta privatizar o seu petróleo, ou pelo menos parte dele. A China anunciou, no começo deste ano, a criação de “fundos de investimentos estrangeiros” com regras privilegiadas. Mas nada disso resolve o problema enquanto não se consegue implementar reformas como a Hungria ou destruir todo o sistema da previdência. E mesmo quando conseguem, o investimento continua caindo com uma simples mudança nas regras de tributação dos EUA. Afinal, na “pátria-mor do capitalismo” a jornada de 60 horas de trabalho por semana generaliza-se enquanto cai o salário médio. Quanto tempo dura isso? Se depender das direções dos sindicatos no mundo inteiro, a crise continua queimando lenta, com espasmos, sem uma resistência real. Mas, tal qual na Hungria e na França, a classe operária joga-se no movimento ainda que sem direção. Esta será construída nas lutas que se abrem neste ano de 2019, no Brasil e no mundo.

Editorial do jornal Foice&Martelo 130.