O Dia da Independência da Argentina, celebrado no dia 9 de julho, foi marcado este ano por uma série de protestos contra a inflação e o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), firmado no começo do ano. A atual crise política argentina se aprofundou nos últimos meses, mas tem sido desenvolvida há algum tempo, desde o governo anterior, de Mauricio Macri. Esse implementou uma série de reformas fiscais visando o ataque aos serviços públicos e aos direitos dos trabalhadores. Essa orientação se estende durante o atual governo de Alberto Fernández, que aprofunda a submissão a organismos internacionais de controle econômico.
A tensão política se expressou pelo recente atrito entre setores do governo argentino da Frente de Todos ligados ao presidente Alberto Fernández, representante da ala burguesa mais “respeitável” dos peronistas, e a vice-presidente Cristina Kirchner, representante da ala kirchnerista mais à “esquerda” do movimento. A crise se aprofundou com as negociações para o pagamento da dívida com o FMI. No governo anterior, do presidente Macri, a Argentina obteve um empréstimo de US$ 57 bilhões do FMI. Agora, com a atual impossibilidade de cumprir os objetivos de pagamento, o governo da Frente de Todos reabriu as negociações com o organismo internacional.
Esta negociação provocou uma cisão no governo, tendo como catalisador a renúncia de Maximo Kirchner, filho de Cristina Kirchner, da presidência da bancada da Frente de Todos no Congresso em fevereiro. Apesar de ainda permanecer como deputado da ala governista, a renúncia acentuou as diferenças entre Fernández e Kirchner. O presidente anunciava como inevitável a negociação com o FMI, e que o acordo firmado pelo governo era o melhor dentro das possibilidades do país. Enquanto isso a vice-presidente fez críticas às condições de negociação, que prevê um programa de austeridade severo e uma maior sujeição do país ao FMI por meio de inspeções trimestrais.
A dança das cadeiras no governo argentino
Com a cisão da Frente de Todos em duas alas, de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner, o que se presenciou nos meses seguintes à aprovação do acordo com o FMI foi uma disputa interna intensa, tendo o movimento kirchnerista aproveitado a impopularidade do acordo e da crise econômica para ampliar sua influência dentro do governo.
No Ministério do Desenvolvimento Produtivo, o ministro Matías Kulfas foi afastado do cargo no começo de junho. Ligado à ala de Fernandéz, o nome de Kulfas teria sofrido pressão pela ala de Kirchner, sendo substituído por Daniel Scioli, embaixador argentino no Brasil, e segundo lugar nas eleições presidenciais de 2015, em que perdeu para Macri.
No Ministério da Economia, o ministro Martín Guzmán pediu renúncia no começo de julho, por pressões causadas pela crise econômica e política, e foi substituído pela economista Silvina Batakis, ligada aos kirchneristas.
O início das trocas de cadeiras foi na Secretaria de Comércio Interior, em que Roberto Feletti pediu renúncia tendo como motivação o deslocamento da pasta do Ministério do Desenvolvimento Produtivo para o Ministério da Economia.
Feletti era ligado à ala kirchnerista, e o Ministro da Economia na época (Martín Guzmán) era questionado publicamente por Cristina Kirchener. Feletti foi substituído por Guillermo Hang, que entrou no final de maio e saiu em julho. Anteriormente ocupava a cadeira de diretor do Banco Central da Argentina e era considerado próximo de Guzmán. Hang, depois de 44 dias na Secretaria, foi substituído por Martín Pollera, ligado à nova Ministra da Economia, Silvina Batakis, e à ala kirchnerista.
Com a troca de cadeiras, a ala kirchnerista aumentou sua influência no governo, ao mesmo tempo que expôs a debilidade das suas críticas ao plano do FMI. As críticas do kirchnerismo ao acordo com o órgão apenas são uma variação da tentativa de administrar o capitalismo em um país dominado que passa por uma crise econômica e política.
Em fevereiro, quando Maximo Kirchner renunciou à presidência da bancada do Frente de Todos no Congresso, ele afirmou em carta pública que seu pai, o ex-presidente Néstor Kirchner, pagou US$ 9,8 bilhões ao FMI, a totalidade da dívida que o país tinha com o órgão, para desvincular as políticas econômicas de sua supervisão. Porém, no dia 11 de julho, após os protestos do Dia da Independência, a Ministra da Economia Silvina Batakis anunciou uma série de medidas para reduzir os gastos públicos, cumprir as metas acordadas com o FMI e acalmar o mercado financeiro.
As perspectivas para o próximo período
Apesar das divergências internas na Frente de Todos, o acordo entre o governo argentino e o FMI foi firmado em março, e rapidamente aumentou as tensões internas e a insatisfação popular em relação às condições de vida.
Como uma das políticas de austeridade está o corte dos subsídios alguns serviços, como água e eletricidade. O gás subiu entre 18,5% e 25% (dependendo da região), a eletricidade contou com aumento de 16% e a água cerca de 32%. Tudo isso contribuiu para uma inflação atual de cerca de 60%, com previsão de chegar até final do ano entre 80% a 100%.
As condições precárias da população argentina acompanham a crise internacional do capitalismo e têm sido acentuadas com a pandemia do coronavírus. O índice de pobreza tem aumentado, sendo de 25% em 2018, passando para 35% em 2019, chegando a 43% em 2020, e atualmente se mantendo em cerca de 40%. Percebe-se que apesar da pandemia acarretar uma série de complicações para uma economia já debilitada, a pobreza teve um aumento mesmo antes da pandemia, durante o governo de Frente de Todos.
A eleição de Frente de Todos, em 2019, foi uma forma de canalizar toda a insatisfação popular frente ao governo de Macri, com suas políticas de ataque aos serviços públicos e aos direitos dos trabalhadores, para uma via institucional, lembrando que nesse período, entre setembro e novembro de 2019, ocorriam protestos de massas no Equador, na Colômbia e no Chile.
Agora a ira popular começa a ganhar ânimo, com protestos de massa durante a aprovação do pacote do FMI, em março, e no Dia da Independência, em julho. Os jornais da grande impressa relembram com receio do Argentinazo, movimento de massas que ocorreu em 2001 que derrubou o presidente Fernando de la Rúa.
É bom lembrar que os problemas que passa a economia argentina são problemas estruturais do sistema econômico capitalista. A recessão, a inflação, o desemprego, a miséria e o ataque aos serviços públicos e aos direitos trabalhistas estão na ordem do dia. Nos Estados Unidos há uma inflação de 8,6%, a maior taxa dos últimos 40 anos. No Brasil, a inflação está em 10% e subindo cada vez mais, além do aumento expressivos nos índices de fome e miséria. O Equador passou por três semanas de manifestações no mês de junho contra o aumento nos preços de combustíveis e a deterioração das condições de vida.
Na Argentina se evidencia o que vem ocorrendo em diversos países. A esquerda reformista tenta implementar de maneira mais “suave” as medidas de austeridade e ataque à classe trabalhadora que demandam os capitalistas. Enquanto isso, a luta das massas se expressa buscando a garantia de condições mínimas de existência, que não se encaixam nas políticas do “mal menor” de interesses do capital financeiro e de seus organismos, como o FMI.