A Suécia registrou, na semana entre 13 e 20 de maio, a maior taxa per capita de mortalidade por Covid-19 do mundo. Segundo estudo divulgado pelo site Our World in Data, o índice está 12%, acima dos Estados Unidos e da Espanha e muito superior ao dos demais países da Escandinávia. Lá o governo adotou a chamada “imunidade de rebanho”, o que significa deixar o vírus propagar-se livremente até que cerca de 70% da população tenha contato com ele e (supostamente) crie anticorpos.
Essa teoria é a mesma já defendida várias vezes por Bolsonaro e Trump. Ela também chegou a ser cogitada por Boris Johnson, que voltou atrás após um relatório do Imperial College de Londres estimar em 260 mil as mortes que ocorreriam no Reino Unido se a estratégia fosse adotada.
O governo socialdemocrata da Suécia, no entanto, decidiu que não decretaria quarentenas e manteve escolas, comércios, fábricas e restaurantes abertos. Pacientes e profissionais de saúde diagnosticados com o vírus foram orientados a voltar a trabalhar, equipamentos de segurança não foram fornecidos e os testes foram considerados sem importância.
Como consequência, na semana citada acima registrou-se no país 6,08 mortos por dia para cada 1 milhão de habitantes. Já o Reino Unido contabilizava 5,57, a Bélgica, 4,28 e os Estados Unidos, 4,11.
Melhor sistema de saúde do mundo?
Na maior parte dos meios de comunicação internacionais explicou-se repetidas vezes que a Suécia podia se dar ao luxo da “imunidade de rebanho” porque teria um dos melhores sistemas de saúde do mundo. A verdade, no entanto, é que uma série de cortes e privatizações desde os anos 1990 deterioraram o setor no país.
O número de leitos hospitalares é o mais baixo por mil habitantes entre todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com o Conselho Nacional de Saúde e Bem-Estar da Suécia, o país tinha 4,3 mil leitos de terapia intensiva em 1993 e, em 2018, o número caiu para 574. Já a quantidade de centros de emergência caiu no mesmo período de 115 para 71.
Essa destruição está intimamente ligada à privatização dos serviços públicos suecos, iniciada nos anos 1980, aprofundada nos anos 1990, durante a crise de 2008 e que persiste até hoje.
Empresários e bancos primeiro
Ao expor a população livremente ao vírus sem levar em conta a escassez de leitos de terapia intensiva, os hospitais mal equipados, a equipe médica sobrecarregada, as casas de idosos despreparadas e as instalações de saúde esgotadas devido a décadas de cortes e privatizações, o governo sueco mostra suas verdadeiras prioridades.
Enquanto mais de 100 mil pessoas perderam seus empregos desde o início de março, levando a taxa de desemprego a 13,5%, as grandes empresas do país receberam € 58 bilhões em subsídios e os bancos contarão com um suporte de liquidez de até € 129 bilhões.
Tudo isso é uma receita explosiva para a luta de classes, só contida pela traição dos líderes do movimento trabalhista. Mas não será possível segurar a revolta eternamente. Em breve, uma nova onda de cortes deverá ser realizada para tentar equilibrar o orçamento público e manter os lucros dos capitalistas. Além disso, o número de mortes deverá subir cada vez mais.
Jacob Wallenberg, chefe da família mais rica da Suécia, disse em uma entrevista ao Financial Times que está “morto de medo das consequências para a sociedade”. Ele acredita que, se a crise for prolongada, a taxa de desemprego pode chegar de 20% a 30% e que haverá uma contração da economia na mesma proporção. “Não haverá recuperação. Haverá agitação social. Haverá violência. Haverá consequências socioeconômicas: desemprego dramático”. Em outras palavras, esse capitalista está morrendo de medo da luta de classes.
A traição dos dirigentes operários
Até o momento, toda as medidas de defesa dos trabalhadores vieram da base. O presidente da Confederação Sindical Sueca, Karl-Petter Thorwaldsson, declarou que “não faltava nada” entre as medidas tomadas contra o coronavírus no país. Já o Partido de Esquerda apoiou os bilhões de euros doados aos bancos e às grandes empresas sem críticas. Essa não é uma postura nova, mas piorou com o clima de unidade nacional durante a pandemia. O presidente do partido chegou a dar o seguinte conselho em uma transmissão ao vivo:
“Compre comida para apoiar pequenas empresas, ouça as autoridades, adie a visita de sua avó, cuide-se, lave as mãos, mantenha distância, pense nos idosos, ofereça ajuda a velhos amigos, faça com que sua casa pareça agradável, plante sementes em vasos para poder colher pepinos e tomates no verão, quando a crise terminar.”
Com esse tipo de orientação vinda de quem deveria liderar a luta de massas, os trabalhadores definitivamente só podem contar com sua própria organização.
Por um mundo socialista
Na Suécia, assim como em muitos países, multiplicam-se redes para ajudar quem não pode sair de casa para comprar suprimentos ou para levar comida aos funcionários da saúde. Essas ações contrastam com a ganância de quem acha que milhares de vidas são um preço que vale a pena ser pago para manter a “economia funcionando”, ou seja, para manter os lucros dos capitalistas.
Pandemias podem acontecer em qualquer sociedade, mas é o sistema capitalista que fez com que essa pandemia causasse tanto estrago e levasse a uma crise econômica de tal magnitude.
Em uma economia nacionalizada e planejada, a produção poderia ser rapidamente reorganizada para fornecer tudo o que a assistência médica precisasse. E, em um mundo socialista sem nações, os Estados cooperariam para ajudar uns aos outros a resolver todas as crises.
Um mundo socialista, livre de fronteiras nacionais, com uma economia nacionalizada planejada e administrada pela democracia dos trabalhadores: é por isso que lutamos.
Fonte: https://www.marxist.com/the-slipping-mask-of-swedish-capitalism.htm