O título do artigo do ‘The Economist’ diz tudo: ‘Europa: mais dores, poucos ganhos’. Em toda a Europa, os governos estão lutando para manter enormes déficits sob controle.
Com essa finalidade, passam a fatura para a classe trabalhadora e classe média. Pouco a pouco, a verdade está começando a se evidenciar aos olhos dos trabalhadores, que enfrentam todo um período de cortes e ataques aos seus níveis de vida. E estão reagindo.
Como sempre, os trabalhadores franceses estiveram na vanguarda da ação militante, com greves gerais e manifestações de massa. Mas o movimento está começando em todas as partes. No sábado, 27 de novembro, houve uma manifestação de 100 mil em Dublin (Irlanda). A recente greve geral em Portugal teve apoio massivo (80-85%, segundo os dirigentes sindicais – a maior desde a Revolução dos Cravos).
Na Espanha, houve uma greve geral em 26 de setembro. Na Itália, houve manifestações massivas, convocadas pela central sindical CGIL e pela Federação do Metal, a FIOM. Na Grécia, realizaram-se de oito a nove greves gerais neste ano. Na Grã-Bretanha, houve manifestações de estudantes em todas as principais cidades em protesto à proposta de aumento das taxas estudantis.
Isso é só o começo. Indica que há efervescência em todos os níveis da sociedade e que deve encontrar sua expressão dentro das fileiras do movimento dos trabalhadores. Os dirigentes sindicais estão desesperados para chegar a um acordo com a burguesia, mas há um problema: a burguesia não tem nada para oferecer. Não somente não pode oferecer nenhuma contrapartida, como também não pode mais tolerar que continuem os benefícios conquistados pelos trabalhadores no passado.
Portanto, os dirigentes sindicais não têm outra opção além de convocar mobilizações. Contudo, nas condições atuais, mesmo as greves gerais não são mais suficientes. Por sua vez, a classe dominante não tem outra opção além de continuar seus ataques. Essa não é uma situação corriqueira. É um ponto de inflexão na história da Europa. E é, também, uma receita pronta e acabada para a reanimação da luta de classes.
A crise continua
Os anos de bonança se basearam em grande medida na gigantesca expansão do crédito, que se refletiu no enorme aumento dos níveis da dívida privada, antes da crise, e nos níveis sem precedentes da dívida pública, depois dela. Depois da farra, vem a ressaca. Os governos trataram de sair da crise mediante o estímulo de suas economias, o que somente significa que o mundo rico tem um monte de dinheiro para devolver. Esta é uma das razões pelas quais a recuperação se atrasará e haverá uma crise depois de outra.
À medida que os mercados se davam conta do estado real das finanças públicas no mundo desenvolvido, houve um crescente nervosismo ante o problema da dívida soberana, a dívida pública. E o problema vai aumentar muito mais. Em 2011, os montantes da dívida pública que vencerão nos EUA e na zona do euro serão ainda maiores que em 2010. Ascenderão a 3,5 trilhões, em comparação aos 3,1 trilhões, segundo a Bloomberg.
Neste momento a atenção se concentra nas economias periféricas da zona do euro (Irlanda, Portugal e Grécia). A corrente do capitalismo europeu está se rompendo por seus elos mais fracos. Mas a cada novo elo que se rompe a força da corrente se aproxima do limite de sua ruptura. Cedo ou tarde esse limite será alcançado.
Enquanto a União Européia e o FMI estavam negociando em Dublin os detalhes de um resgate para a Irlanda, os funcionários de Portugal e da Espanha estavam tratando de acalmar os nervos dos investidores garantindo que suas economias e bancos não necessitavam de um resgate semelhante. José Sócrates, o primeiro-ministro de Portugal, esperava que a ajuda prestada à Irlanda acalmaria os mercados porque seu país estava “claramente sofrendo efeito de contágio”.
O problema é que ninguém acredita neles. As preocupações pela dívida soberana continuam e o custo dos empréstimos, tanto para a Espanha quanto para Portugal, aumentou consideravelmente. A distância entre as taxas de juros dos bônus públicos de dez anos da Espanha em relação aos bônus alemães alcançou seu ponto mais alto desde a introdução do euro. Isto se assemelha aos gráficos colocados no leito de um paciente gravemente enfermo no hospital.
O resgate da Irlanda é um golpe ainda maior ao euro que o da Grécia, porque os principais bancos europeus têm mais dívida da Irlanda. Portugal é o próximo. De Portugal, o contágio se estenderá à Espanha. E, depois da Espanha, vem a Itália. A Grã-Bretanha não ficará para trás.
Onde estão os “brotos verdes”?
A crise do euro foi atribuída à “falta de confiança”. Mas essa é uma explicação que nada explica. Por que antes havia confiança e agora não? A resposta é que os capitalistas (também conhecidos como “investidores” ou “o mercado”) não vêem nenhuma perspectiva de rápida recuperação da economia mundial. De fato, em muitos aspectos, a crise internacional do capitalismo continua piorando. Já não se ouve falar de “brotos verdes”. O estado de ânimo é de pessimismo, misturado com repentinos ataques de pânico.
A peça chave na economia mundial continua sendo os EUA. Aqui, os sinais estão misturados, no melhor dos casos. A economia dos EUA cresceu mais rápido no terceiro trimestre do que se esperava: a um ritmo anual de 2,5%, contra uma estimativa inicial de 2%. Mas a notícia se viu envolta em sombras por uma avaliação sombria do FED (Reserva Federal – o Banco Central dos EUA) sobre a taxa de desemprego, que continuará alta durante mais tempo do que haviam previsto, baixando a 9% somente no final de 2011.
O mercado imobiliário dos EUA continua em depressão. O número de moradias de segunda mão vendidas nos EUA foi 2,2% menor em outubro que em setembro, e 25,9% menos que em outubro de 2009. As vendas de casas que estão em execução hipotecária ou em outras situações de dificuldades financeiras representaram 34% do total de outubro, quase a mesma proporção que em setembro.
Alguns economistas estão comparando isto com a situação de 1929-1949 ou de 1965-1982. A burguesia está compreendendo que não haverá uma recuperação séria no curto prazo. Enquanto isso, esperam que os mercados emergentes produzam lucros suficientes para resgatá-los. Mas, definitivamente, não há confiança real em nada.
O nervosismo da burguesia encontra sua expressão nas peripécias dos mercados bursáteis do mundo. Depois da recuperação em 2009, os mercados de valores estão novamente vacilantes. A burguesia sofre de uma espécie de esquizofrenia coletiva. Em determinado momento falam de deflação, no minuto seguinte se preocupam com o perigo da inflação. Os economistas não são capazes de formar uma opinião e dão conselhos contraditórios.
The Economist, recentemente, fez uma avaliação pessimista da situação:
“Se a perspectiva é de anos de baixo crescimento econômico, então esse sombrio dividendo da avaliação é provavelmente correto. Afinal, a recuperação dos benefícios em 2009-10 deve-se em muito à melhoria das margens de lucro. As empresas foram capazes de despedir pessoal a tempo e melhoraram a produtividade da força de trabalho restante. Mas isso não parece sustentável a longo prazo. Ou a economia se recuperará, e os custos trabalhistas subirão, ou o alto nível de desemprego terá um peso na demanda e as receitas se verão afetadas”.
As tendências protecionistas
As contradições estão emergindo em todos os níveis. Os bônus do governo agiram tradicionalmente como o refúgio seguro dos mercados financeiros. As dúvidas sobre a solvência dos bônus gregos ou portugueses somente significam que os investidores optarão pela segurança dos bônus públicos alemães ou os bônus do Tesouro dos EUA. Mas já que mesmo estes são vistos com suspeita, os burgueses recorrem cada vez mais a outro mais seguro: o ouro.
A irresistível ascensão do ouro, que alcançou seu ponto mais alto de todos os tempos, é o reflexo gráfico do temor à inflação entre os investidores e de sua falta de confiança nas moedas existentes. Eles sabem que no passado os governos utilizaram a inflação como uma forma de tratar a pesada carga da dívida, e também sabem que tais métodos conduzem inevitavelmente a uma explosão da inflação depois.
De repente, as moedas dominam os noticiários. Se não estão preocupados com o euro ou o dólar, queixam-se do yuan. A China está sendo constantemente criticada por sua moeda subvalorizada, especialmente nos Estados Unidos. Sob a pressão dessas críticas, e com a finalidade de evitar medidas protecionistas, Pequim permitiu que o yuan subisse em relação ao dólar, mas o aumento foi tão pequeno que sequer foi notado.
O superávit por conta corrente da China se elevou a 102,3 bilhões de dólares no terceiro trimestre, o dobro do ano anterior e em torno de 7,2% do PIB. Com a subida das exportações chinesas a novos níveis, os governos ocidentais estão pressionando a China para que faça mais e “enfrente seus desequilíbrios comerciais”, isto é, que exporte menos e importe mais. Contudo, Pequim não parece ter nenhuma pressa para seguir esse bondoso conselho. A China é um exportador exitoso e, portanto, acumulou um superávit comercial considerável. A fim de manter suas exportações atraentes para os consumidores estadunidenses e europeus, os chineses fazem uso da depreciação de sua moeda como uma forma de baratear seus produtos.
Outros países estão tratando de seguir o mesmo caminho da China, exportando para ir à recuperação. Dito em outras palavras, isso significa exportar o desemprego. Mas há um pequeno problema aí: para que alguém possa exportar, outra pessoa deve agir como importador líquido; e para que alguém desvalorize sua moeda, alguém mais deve deixar que sua moeda suba. Esse é um caminho escorregadio que pode dar lugar a uma série de desvalorizações competitivas dos países, que intervêm para empurrar para baixo o valor de suas moedas e assim obter vantagens sobre seus rivais. O resultado poderia ser um protecionismo crescente enquanto os países se acusam mutuamente de “ganhar cotas de mercado artificialmente”.
Já se fala da guerra de divisas. Esta é uma situação extremamente perigosa. Recordemos que o que transformou a crise de 1929 na Grande Depressão foi precisamente o protecionismo e as desvalorizações competitivas. É neste contexto de volatilidade extrema em nível mundial que podemos ver a crise do euro.
Quem paga a conta?
Os governos estão andando na corda bamba, tratando de tranquilizar os mercados mediante a aplicação de cortes brutais em nome da “disciplina orçamentária”, tratando de não causar danos irreparáveis em suas economias. Mas isso é como tentar enquadrar o círculo. No final, os programas de austeridade na Europa não vão resolver nada, somente piorarão a crise. É muito possível que a recuperação se veja afetada pelo endurecimento da política fiscal, especialmente na Europa.
Os pacotes de resgate para a Grécia e Irlanda tinham por objetivo demonstrar aos mercados financeiros que o euro estaria a salvo em 2011, já que a existência de um enorme fundo de reserva significa que há um investidor de último recurso a postos para a dívida da zona do euro. Mas isso de forma alguma garante o futuro do euro.
Em 29 de outubro, os líderes da União Européia concordaram que deveriam reabrir os tratados para “estabelecer um mecanismo de crise permanente” que inclua “o papel do setor privado”. Os mercados tomaram isso como um sinal de que os possuidores de bônus se encarregariam de pagar os futuros resgates dos países da zona do euro com problemas. Imediatamente começaram a descarregar seus bônus de dívida dos países mais expostos, a saber, Irlanda e Portugal.
Em 21 de novembro, o governo irlandês cedeu finalmente à pressão da União Européia para buscar um resgate de emergência da UE e do FMI no valor de 85 bilhões de euros (115 bilhões de dólares). Quando o governo grego obteve o resgate de 110 bilhões de euros em maio e se criou um fundo de ajuda conjunto UE/FMI de 750 bilhões de euros para financiar isso, o mercado se recuperou. Mas desta vez as grandes agências de qualificação creditícia reagiram negativamente.
Se os irlandeses acreditavam que seriam recompensados pelos investidores depois de terem aceitado a oferta, desenganaram-se logo. Enquanto que depois do resgate da Grécia em maio os mercados se acalmaram por um tempo, agora houve uma queda não somente nos ativos irlandeses, como também nos de Portugal e Espanha. Quando foi anunciado o acordo na Irlanda o rendimento dos bônus inicialmente caiu a 7,93%, mas mais tarde a Standard & Poor’s rebaixou rapidamente a dívida pública irlandesa de AA- a A, e a Moody’s prometeu uma “rebaixa de vários pontos”.
Em 24 horas, o diferencial de juros das dívidas públicas irlandesa, portuguesa e espanhola em relação aos bônus alemães havia se tornado maior que antes do anúncio do acordo. O diferencial de juros dos bônus espanhóis alcançou seu nível mais alto desde o lançamento do euro em 1999. Em outras palavras, o resgate tinha fracassado antes mesmo que a tinta secasse no papel em que havia sido escrito. A razão é simplesmente porque os credores internacionais não acreditavam que esses países fossem capazes de pagar suas dívidas. Eles sabem que o último acordo não eliminará as dívidas da Irlanda, apenas as refinanciará.
Isso foi semelhante ao que aconteceu em 2008, quando os esforços frenéticos para reviver os bancos norte-americanos somente produziram recuperações temporárias. Depois do resgate do Bear Stearns, em março de 2008, houve tantos protestos que o governo estadunidense não estava disposto a salvar o Lehman Brothers em setembro. Agora, a Alemanha enfrenta o mesmo dilema. É a Alemanha que tem o controle da UE. Foi a Alemanha que (contrariada) pôs a mão no bolso para tirar do apuro a Grécia e a Irlanda. Mas isso tem seus limites.
Da Irlanda a Portugal…
Depois da Irlanda, os mercados estão agora dirigindo sua atenção aos países ibéricos, Portugal principalmente. Em 23 de novembro Portugal estava pagando mais de quatro pontos percentuais que a Alemanha para obter dinheiro emprestado. Isso é similar ao que a Grécia estava pagando em meados de abril, apenas algumas semanas antes de seu resgate.
Portugal é outra economia européia débil: sofre de crescimento lento e de um grande déficit orçamentário. É claro que Portugal se verá obrigada a seguir o caminho da Irlanda. Com o objetivo de agradar aos mercados, o governo socialista liderado por José Sócrates anunciou um pacote de cortes. Como resultado, foi convocada uma greve geral, que foi apoiada amplamente. Mas a questão não é se Portugal procura um resgate e sim quando.
Contudo, todos esses planos de salvamento e resgate não solucionarão nada. Se fosse o caso de que a Irlanda, Grécia e Portugal somente necessitassem pedir emprestado uma certa quantidade de dinheiro efetivo para ajudar-lhes a resolver suas dificuldades, o plano de resgate da UE poderia funcionar. Mas os mercados estão convencidos de que os problemas são mais profundos e que, de fato, esses países são insolventes; isto é, em linguagem clara: não podem se permitir sequer pagar os juros das dívidas e muito menos pagá-las.
Os homens de dinheiro suspeitam que as dívidas dos bancos irlandeses estão em situação muito pior do que se admitiu até agora e estão preocupados com a decisão do governo de Dublin de setembro de 2008 de garantir todas as dívidas desses bancos. Essa precipitada decisão pode terminar custando mais que o prometido empréstimo da UE/FMI de 85 bilhões de euros, sobretudo enquanto os depósitos bancários continuarem saindo do país, como está ocorrendo.
Portanto, estão exercendo pressão insuportável sobre o governo irlandês para empurrá-lo a um orçamento de austeridade antes que sejam convocadas as eleições gerais. A situação é similar na Grécia, onde o governo, tendo levado adiante uma severa política de cortes, agora se encontra ante a impossibilidade de aumentar os impostos suficientemente ou crescer rápido o suficiente para financiar a grande quantidade de empréstimos.
Na Irlanda, Brian Cowen ainda tem que aprovar o orçamento de 2011 no início de dezembro. Ele era o ministro das finanças enquanto a bolha da Irlanda crescia e primeiro ministro quando ela explodiu; sua credibilidade agora é zero. Após repetidas negativas de que estava procurando um resgate, assinou um acordo humilhante que não somente compromete a Irlanda a pagar uma fatura enorme, como também dá à UE prerrogativas para ver se cumpre sua palavra.
Isso provocou agitação na Irlanda sobre a “perda de soberania”. O jornal Irish Time perguntou abertamente se o levante da Semana Santa de 1916 tinha sido em vão. Não parecem entender que a verdadeira soberania se encontra no todo-poderoso mercado, contra o qual não tem sentido protestar.
A crise política rapidamente emergiu. O Partido Verde, companheiro de coalizão do Fianna Fail de Cowen, declarou que abandonará o governo em janeiro, forçando eleições antecipadas, embora não antes de sete de dezembro, para ajudar assim a aprovação do orçamento de 2011. Portanto, vão tomar parte no plano de quatro anos de redução do déficit orçamentário a 3% do PIB em 2014, e, dessa forma, cumprir os termos do plano de resgate da UE/FMI. Sequer isso poderá ser suficiente para conseguir a aprovação do orçamento.
Olli Rehn, o comissário econômico europeu, insistiu para que Bruxelas não interferisse na política irlandesa, mas acrescentou que “a estabilidade é importante”. O orçamento terá outra dose de austeridade, incluindo seis bilhões de euros em cortes de gastos para 2011, aumentos de impostos e cortes salariais no setor público, além de uma redução no salário mínimo.
O acordo provocou uma crise no Fianna Fail, que tem um índice nas pesquisas de opinião de 17%, seu nível mais baixo. Fianna Fail, o partido dominante na Irlanda desde a independência do país na década de 1920, dirige-se à maior derrota eleitoral de sua história. É por essa razão que alguns em seu grupo parlamentar estiveram pedindo a renúncia de Cowen. Fianna Fail, provavelmente, será substituído por uma coalizão do Fine Gael e o trabalhismo.
Portanto, a crise econômica se converte imediatamente numa crise política nacional. É isso o que queríamos dizer quando previmos que todos os esforços para restabelecer o equilíbrio econômico iriam destruir o equilíbrio social e político.
…e de Portugal à Espanha
A Espanha subiu como um foguete e veio abaixo com a mesma rapidez. Da mesma forma que a Irlanda, que experimentou um auge febril da construção de moradias, terminou em colapso. Ainda recentemente, em 2007, a economia espanhola teve uma das maiores taxas de crescimento da Europa. Esses dias terminaram. Quando a bolha da construção desinflou arrastou toda a economia abaixo com ela. Em 2009, era a nona economia do mundo. Logo será a décima-segunda, atrás da Rússia, Índia e Canadá.
Em 2010, quando outras economias européias começaram a experimentar algum tipo de crescimento raquítico, a economia da Espanha se contraiu. A OCDE prevê que o PIB da Espanha se reduzirá levemente este ano e crescerá somente 0,9% no próximo. Da mesma forma que Portugal e Grécia, seu crescimento é baixo e o desemprego supera 20%. Há alguns dias, o diretor do Banco da Espanha, Miguel Fernández Ordóñez, admitiu: “O contágio se espalhou à dívida grega, à dívida portuguesa e, em menor escala, à nossa própria dívida, assim como à Itália e mesmo à Bélgica”.
Embora a dívida nacional da Espanha fosse somente de 53% do PIB no ano passado – 21 pontos abaixo da média da UE – agora está firmemente na mira dos especuladores. Para começar, os bancos espanhóis estão muito expostos em Portugal e as dívidas das famílias espanholas e das empresas estão muito acima da média européia. O déficit por conta corrente continua sendo superior a 4% do PIB. A magnitude das perdas nos créditos imobiliários dos bancos e das caixas econômicas é desconhecida.
Os bancos espanhóis têm cerca de 200 mil moradias de construção recente como parte de 60 bilhões de euros em bens de raiz tomados como dívida por ativos com devedores insolventes. Muitas delas serão colocadas à venda no mercado abaixo de seu valor em 2011, deprimindo ainda mais os preços imobiliários. Os mercados temem que a economia espanhola deixe de crescer. Em 2011, prevê-se que o aumento do PIB da Espanha será menor que 1%. O desemprego supera 20%, enquanto que a inflação é mais alta que na Alemanha.
O que acontecer na Espanha terá efeito crucial no futuro do euro. The Economist expressou isso sem rodeios num editorial intitulado: “Para deter a crise do euro, Zapatero deve retomar a reforma espanhola”. Isto é, o governo socialista deve levar adiante medidas de austeridade para reduzir o déficit orçamentário. Zapatero está obrigado a cumprir as ordens do mercado. Ele levou a cabo cortes de gastos e aumentos de impostos numa tentativa de reduzir o déficit orçamentário de 11% do PIB, em 2009, a 6% no próximo ano. Cortou os salários dos funcionários públicos em 5% e elevou o IVA enfrentando uma greve geral.
Graças a um acordo com o Partido Nacionalista Basco, o minoritário governo de Zapatero foi capaz de aprovar um orçamento de austeridade para 2011. Mas os mercados não estão satisfeitos. Queixam-se de que Zapatero é demasiado leniente e o pressionam. “Cada vez que os mercados internacionais fazem um pouco de pressão sobre a dívida, o governo espanhol indica que vai fazer alguma reforma”, diz Juan Rubio-Ramírez, economista espanhol da Universidade de Duke. “E quando as águas da pressão baixam, ele relaxa”.
Os planos de Zapatero para elevar a idade de aposentadoria de 65 a 67 anos e para reformar o mercado de trabalho são considerados pela burguesia como excessivamente tímidos. Querem abolir completamente o sistema de negociação salarial centralizada. Queixam-se de que a reforma da previdência tenha sido adiada para o primeiro semestre de 2011 e de que as discussões sobre os mecanismos da negociação coletiva sejam demasiado lentas para o gosto da burguesia. Também exigem a reforma do sistema de saúde. O mercado exige que Zapatero se incline à sua vontade e se sacrifique em seu altar.
Os sindicatos responderam com uma greve geral. Zapatero se encontra entre a cruz e a espada. O que está fazendo não satisfaz a ninguém. Beneficia pouco aos patrões e prejudica muito aos trabalhadores. Como resultado, a posição dos socialistas nas pesquisas de opinião desabou e Zapatero se dirige a uma humilhação eleitoral. Cada vez mais terá de depender dos deputados nacionalistas burgueses bascos e catalães, que exigirão pagamento por seu apoio. Parece certo que o PSOE perderá as próximas eleições gerais em 2012, preparando a vitória da direita com o Partido Popular.
Alemanha – o país chave da Europa
Visto que os governos tomaram a decisão de financiar as perdas de seus grandes bancos, sua solvência está totalmente vinculada ao balanço destes últimos. O problema é que ninguém sabe a quantidade de dívidas impagáveis dos bancos. De acordo com a agência de crédito Moody’s, as instituições que controla alcançarão níveis de dívida de 1,8 trilhões de dólares em 2011. A essa cifra há que se acrescentar os bancos que não estão na lista da Moody’s. Dessa forma, a quantidade total será muito maior. Ninguém sabe quanto.
Isso se aplica particularmente aos bancos europeus, que enfrentarão enormes refinanciamentos em 2011. Nos anos de auge, esses bancos ganharam grandes quantidades de dinheiro com a especulação. Agora, esperam que suas perdas sejam indenizadas pelos bancos centrais. Estes últimos são vistos como uma espécie de cornucópia – uma cornucópia mágica que lhes facilita toda a liquidez necessária. Mas os recursos dos bancos centrais não são ilimitados.
Espera-se agora que a Alemanha esgote todo o seu dinheiro e seu crédito para recuperar toda a zona do euro. Se fosse apenas um problema da Grécia, Irlanda e Portugal, talvez isso fosse possível. Contudo, a Espanha é um assunto completamente diferente. É a quarta economia da zona do euro, com um PIB e uma população maior que aqueles três países juntos. Os 750 bilhões de euros do Fundo Europeu de Estabilidade Européia não foram projetados para proteger a Espanha, nem os outros países débeis da zona euro. Em maio passado, quando foi criado, parecia pouco provável que necessitasse ser usado.
Até agora, a Alemanha vem respaldando os resgates, embora maldiga isso constantemente. Mas, estará disposta a pagar pela Espanha? Merkel e seu ministro de finanças, Wolfgang Schäuble, estão bem conscientes de que cada vez mais há ressentimentos na Alemanha acerca dos resgates. Também sabem que o Tratado de Maastricht de 1992 não continha provisões para resgates, um fato que o Tribunal Constitucional alemão poderá assinalar a qualquer momento. A revista Bild perguntava recentemente: “Primeiro os gregos; em seguida, os irlandeses… Então, vamos ter de pagar por todos na Europa?”.
Sentindo a pressão, exigem que os tratados da UE devem ser modificados para dar caráter permanente ao Mecanismo Europeu para a Estabilidade Financeira. Sem isso, o fundo de resgate expirará em 2013. Mas a modificação dos tratados é assunto complicado. Custou muito tempo conseguir que a Constituição européia fosse aprovada em referendos nacionais, que logo fracassaram. E a insistência alemã sobre esse ponto está causando fricções com outros governos que não estão interessados nos referendos da UE devido aos problemas políticos internos que acarretam.
Merkel disse que o euro está numa situação “excepcionalmente grave”. Schäuble agregou que “nossa moeda comum está em jogo”. O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, chegou a sugerir que, se o euro não sobreviver, tampouco sobreviverá a União Européia. Para aplacar o eleitorado alemão, e com a finalidade de lutar contra a impressão de que são demasiado generosos com o dinheiro alemão, exigiram que os futuros planos de resgate devam incluir providências para a reestruturação da dívida que imponham algumas perdas aos investidores. Essa modesta proposta imediatamente deixou os investidores bem irritados.
Os mercados não podem ser controlados pela legislação e estão decididos a mostrar quem é o chefe. De repente, a Alemanha fica em silêncio sobre a necessidade de “fazer os especuladores pagar”. A Comissão Européia pediu que se elaborassem propostas para esse mecanismo, mas nada disse a respeito. Da mesma forma, Herman Van Rompuy, o presidente do Conselho Europeu, não há muito tempo advertiu que o euro estava numa “crise de sobrevivência”. Para quem é membro consultor para a realização de mudanças necessárias nos tratados, ficou em silêncio.
Todos estão tratando de apaziguar os mercados e de não se inimizarem com eles. Na atualidade, juram por todos os deuses que o atual possuidor de bônus não terá que pagar pelo resgate da Irlanda. Seja como for, não têm a menor idéia de como poderia funcionar um regulamento “anti-especulador”. Steven Vanackere, o ministro de Assuntos Exteriores belga, sugeriu que deveriam deixar de chamar o mecanismo de “solução da crise” e passar a denominá-lo de “mecanismo de estabilidade”. Mas o próprio Vanackere não está muito convencido de que isso possa funcionar: “É como chamar o ministro da guerra de ministro da paz ou de ministro da defesa”, disse.
A Europa no ponto de inflexão
A ameaça dos mercados de bônus não apenas pende sobre as cabeças dos países débeis, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha. Lança-se sobre toda a Europa e ameaça desmoronar o euro. Quando o euro foi lançado em dezembro de 1995 assinalamos que os Estados membros tinham economias tão radicalmente diferentes que se encontrariam ante a impossibilidade de marchar ao mesmo ritmo e com as mesmas políticas fiscais e monetárias. Explicamos que era impossível unir economias que estão puxando em diferentes direções. E previmos que, numa crise, o euro desabaria em meio a recriminações mútuas. Esta situação está sendo alcançada rapidamente.
Durante algum tempo parecia que a zona do euro poderia ter êxito. Na base de um auge geral do capitalismo mundial, os capitalistas europeus foram capazes de chegar a um acordo de cavalheiros. Mas, agora, tudo mudou. O resgate da Irlanda vem dar-nos a razão sobre o euro. Agora, a União Européia está tratando desesperadamente de deter a propagação do contágio que ameaça a própria existência do euro. O The Economist recentemente advertiu: “Quando os recursos se tornam escassos, as disputas sobre o que se deve repartir se tornam muito mais intensas”. Isso diz tudo em poucas palavras.
O futuro do euro depende exclusivamente da Alemanha e do Banco Central Europeu – que são efetivamente a mesma coisa. A Alemanha é a economia mais forte da Europa e está obrigada a financiar as perdas da zona euro. Contudo, essa carga é provavelmente maior do que pode suportar. O euro está, dessa forma, destinado a cair e ninguém sabe até onde. Alguns estimam que o euro poderia cair 15% ou mais frente ao dólar nos próximos 6 a 12 meses, mas ninguém sabe ao certo.
Agora, há temores reais de que a crise do euro se espalhe ainda mais na União Européia. A Europa enfrenta um longo período de incerteza, crise, especulação e austeridade. Países como a Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia estarão sob pressão para intensificar ainda mais os ataques aos padrões de vida.
Embora a Grã-Bretanha não forme parte da zona do euro, não pode se manter à margem da crise européia em geral. Viu-se obrigada a participar no resgate da Irlanda, não por altruísmo, mas pela exposição dos bancos britânicos e por outros interesses na economia irlandesa. Como uma queda em dominó, a hora da Grã-Bretanha chegará. E embora ninguém goste que seja mencionado, a saúde das finanças da América do Norte não é melhor que a da Europa.
Os reformistas acreditam que seja possível voltar à época do auge econômico que se seguiu à II Guerra Mundial e que permitiu à burguesia da Europa e dos EUA fazer grandes concessões à classe trabalhadora para dissipar o vapor da luta de classes. Mas isso agora é impossível. Todos os mecanismos normais para se sair de uma recessão já foram utilizados durante o auge. As taxas de juro estão próximas do zero e não podem ser reduzidas mais. O déficit massivo descarta a possibilidade de obras públicas em grande escala.
A denominada expansão quantitativa (quantitative easing) – emissão de papel moeda – é uma medida desesperada que ameaça com uma explosão da inflação no próximo período. Por outro lado, as tentativas de reduzir o déficit com cortes do gasto público reduzirão a demanda e poderão precipitar uma nova recessão. Em outras palavras: “todos os caminhos levam à ruína”.
Portanto, o colapso do euro pode desencadear uma crise financeira geral que pode colocar um ponto final abrupto à presente débil “recuperação”, precipitando uma recessão nova e ainda mais pronunciada em escala mundial. Trata-se de uma possibilidade. Mas, mesmo no melhor dos casos, a Europa enfrentará um período prolongado de estancamento, como o Japão nos últimos dois decênios, com baixo crescimento, alta taxa de desemprego e queda dos padrões de vida.
É lugar comum dizer que a história se repete. A causa imediata da Revolução Inglesa no século XVII e da Revolução Francesa no século XVIII foi o enorme déficit do gasto público. Nos dois casos, a pergunta final foi a mesma: quem pagará? Em todas as partes a classe dirigente quer colocar todo o peso de sua bancarrota nas costas da classe trabalhadora, da classe média e dos setores pobres e vulneráveis da sociedade: os desempregados, os enfermos, os anciãos e os inválidos.
As greves gerais e manifestações na França, Grécia, Espanha e em outros países são os primeiros sinais de um renascimento do movimento operário europeu. Este é apenas o início do começo de um grande drama histórico. As greves e manifestações são importantes porque levam as massas à ação e lhes permite sentir seu próprio poder. Mas, por si mesmas, nada resolverão. Os capitalistas estão atacando os trabalhadores não por gosto ou porque são pessoas malvadas, mas porque não têm alternativa. A máscara sorridente do “capitalismo de face humana” caiu para revelar o verdadeiro rosto da burguesia.
Em todos os lugares há um crescente questionamento do capitalismo e um crescente interesse pelas idéias do socialismo e do marxismo. Ontem, no decurso de uma manifestação estudantil no centro de Londres, a palavra revolução estava pintada na coluna de Nelson. É somente uma palavra, mas revela como está se desenvolvendo a situação.
Encontramo-nos num período totalmente novo que vai ser mais similar à década de 1970 e ao período entreguerras que às últimas três décadas. A única coisa que mantém de pé este sistema capitalista decrépito e enfermo é a inércia temporária das massas. Serão necessários grandes acontecimentos para sacudir esta inércia. Mas os grandes acontecimentos estão na ordem do dia.
Londres, 02 de dezembro de 2010