A noção atual de guerra, que envolve, como diria o marechal alemão Erich von Falkenhayn, a participação ativa de toda a população, surgiu pela primeira vez na guerra civil americana. Em ambos os lados, o conjunto da população e da economia foram mobilizados e colocados a disposição dos respectivos comandos militares. As linhas férreas foram requisitadas para os esforços de guerra e enormemente expandidas graças a eles. A jovem indústria americana, sob intervenção direta nos dois lados da guerra, dedicou-se quase que exclusivamente a produzir armas, munição e outros equipamentos de guerra. Ou seja, a Guerra de Secessão dos EUA foi o primeiro conflito realmente moderno na história.
Como todos os demais importantes confrontos militares, este também foi uma extensão da política por outros meios. E por política, entenda-se luta de classes. Nascida a partir da primeira revolta colonial bem sucedida na história e também como a primeira república a ser proclamada em todo o mundo, a nação americana era também a única a se encontrar dividida entre dois sistemas distintos de produção: um plenamente capitalista, presente nos estados do norte, e outro escravocrata, similar ao que existia no Caribe e no Brasil, que imperava nos estados do sul. A disputa entre ambos pelo controle da máquina estatal e dos territórios recém conquistados no Oeste, ou seja, pelo futuro dos Estados Unidos, era a questão histórica que necessitava ser respondida. E após quatro anos de sangrentas batalhas, os capitalistas do norte saíram vitoriosos e passaram a comandar o destino do gigantesco país, e isso determinou o futuro do conjunto das demais nações do planeta.
Colônia de Povoamento x Colônia de Exploração
Muito embora tenha ocorrido quase um século após a independência, as origens da divisão entre Norte e Sul que terminaria em um banho de sangue estão justamente na forma como os ingleses empreenderam a conquista e ocupação, a partir do início do século 16, das Treze Colônias. O nome se refere a uma estreita faixa de terra na costa leste da América do Norte composta por treze pequenas colônias que formaram o embrião daquilo que, mais tarde, se tornaria os Estados Unidos. Assim como os demais poderes coloniais europeus, os britânicos estavam mais interessados em obter riquezas naturais e minerais que possibilitassem lucros imediatos. Logo que aportaram na região, os colonizadores não demoraram a constatar que não havia ouro ou especiarias à disposição. Por isso, nas primeiras décadas de presença colonial, Londres se limitou a criar alguns pequenos assentamentos na costa, como Jamestown, fundada em 1607 na costa do atual estado da Virginia.
O desinteresse inicial da coroa inglesa em explorar os novos territórios permitiu que colonos ingleses pudessem se instalar nos novos territórios e ali se estabelecerem com relativa liberdade. Entre esses colonos se destacavam os chamados puritanos, grupo de religiosos que defendiam que a sociedade inglesa estava irremediavelmente corrompida e desejavam fundar uma nova, livre de vícios de todo o tipo, nas colônias da América do Norte. Os primeiros puritanos chegaram na América a bordo do navio Mayflower, que aportou onde hoje é a cidade de Providence, em 1620. Ali, eles desenvolveram a agricultura, o comércio e mesmo algumas manufaturas, baseadas no trabalho livre, tal como ocorria na Inglaterra. A produtividade desse modelo econômico levou à formação de cidades relevantes, como Boston, Filadélfia e Nova York. As semelhanças com a sociedade inglesa e a prosperidade econômica dessas colônias fizeram com que parte da região ficasse conhecida como “Nova Inglaterra”.
Enquanto as colônias do norte se desenvolviam seguindo o modelo trazido da Inglaterra, as do sul, que possuíam um clima mais ameno, foram utilizadas pelos ingleses para o cultivo de tabaco, produto cada vez mais popular nos mercados europeus. Tal como ocorria no Caribe, o tabaco era cultivado em grandes propriedades de terra, chamadas em inglês de plantation, onde se empregava a mão de obra escrava africana. A proximidade das rotas de tráfico de escravos foi outro motivo que fez com que Londres estabelecesse as fazendas de tabaco nas colônias do sul. As cidades sulistas eram pequenas, o comércio muito fraco e as manufaturas quase inexistentes. A elite local, composta pelos grandes proprietários de terra, não tinha interesse em desenvolver qualquer atividade econômica que não estivesse estritamente relacionada com a manutenção do modelo escravocrata. O imenso contraste entre o desenvolvimento do norte e o do sul seria determinante tanto na origem quanto no desfecho da guerra civil.
A questão da Escravidão
Legalmente, a escravidão foi permitida em todas as treze colônias até o final do século 18 e começo do 19, quando a maioria das colônias do norte aboliram sua existência. Isso porque a escravidão jamais foi determinante para a economia criada nessas colônias. Ao contrário, à medida que as cidades cresciam e apareciam as primeiras indústrias, manter seres humanos em situação de escravidão tornou-se um entrave a ser eliminado. Afinal, um escravo não recebe salário, o que o impede de consumir os produtos que a burguesia precisa vender para obter lucro.
Mesmo antes da independência, a divisão entre as elites do norte e do sul a respeito da legitimidade da escravidão já existia. Cinco anos de guerra contra a Inglaterra durante a Revolução Americana (1776-1781) e a fundação da primeira república da história, os Estados Unidos da América não amenizaram essas diferenças. Na verdade, o abismo entre as elites de ambos os lados se acirrou consideravelmente após a independência.
Com a eliminação do poder colonial da coroa britânica, estava em questão o controle sobre o novo Estado e, ainda mais importante, qual seria o sistema econômico que seria adotado nos novos territórios que eram incorporados aos EUA graças à expansão para o Oeste. Com o aumento da população e a migração maciça para essas novas áreas, novos estados foram sendo criados, e sempre que um novo estado era admitido na União, a questão da escravidão voltava à tona, dividindo políticos nortistas e sulistas, muitas vezes dentro do mesmo partido.
Seria somente no ano de 1820 que o governo federal tentaria propor uma solução para o impasse que dividia o país. Nesse ano, o congresso aprovou a criação do Compromisso do Missouri, que determinava uma linha imaginária a partir do paralelo 36. Abaixo dela, a escravidão seria permitida e acima, ela estaria proibida. O então presidente James Monroe assinou a lei que estabeleceu a divisão. Por algumas décadas, o assunto foi dado como resolvido e o establishment do norte e o do sul mantiveram-se firmemente unidos na tomada das terras dos indígenas no Oeste e nas guerras contra o México, travadas em 1845 e entre 1846 e 1848, que resultaram na tomada de mais da metade do território do país latino-americano.
A história ensina que tratados, acordos e compromissos permanecem válidos apenas enquanto são convenientes para todas as partes envolvidas. E em meados do século 19, ficou claro que uma simples lei não bastaria para resolver uma questão histórica tão importante como a escravidão. Nessa época, o desenvolvimento econômico do norte era visivelmente superior ao do sul. Suas principais cidades já eram centros industriais importantes, sua agricultura era muito mais produtiva, possuía amplas e modernas linhas férreas e uma população mais de três vezes maior, estimada em 31 milhões de habitantes. Tamanha superioridade econômica garantiu o estabelecimento do modelo nortista, baseado em trabalho livre e assalariado, nos novos estados do Oeste, principalmente na Califórnia.
O Sul, com sua população de nove milhões, incluindo quatro milhões de escravos, e uma economia muito atrasada, não era mais capaz de fazer frente ao poderio da elite capitalista do Norte. A integração da economia nortista à dos estados do Oeste também fazia aumentar, a cada eleição, a presença de deputados e senadores contrários à escravidão no Congresso. Acuados e sem esperanças de reverter tamanhas desvantagens, os senhores de escravo sulistas começaram a se distanciar cada vez mais de Washington e mesmo a alimentar sonhos de separação.
Começa o Conflito
Em 1859, um fervoroso abolicionista chamado John Brown tentou instigar uma revolta de escravos no estado da Virgínia, o mais rico dos estados sulistas. Por dois dias, ele e seus companheiros mantiveram o controle sobre um arsenal do Exército americano, na esperança de que pudessem armar os escravos das fazendas próximas. Mas como já havia alertado o também abolicionista Frederick Douglass, a empreitada estava destinada ao fracasso. Logo, tropas do Corpo de Fuzileiros Navais, comandadas pelo coronel Robert E. Lee, o mesmo que lideraria o maior dos exércitos sulistas na guerra civil, retomaram o arsenal e prenderam Brown e seus simpatizantes. Brown seria executado em dezembro do mesmo ano.
Embora de pequenas proporções, o acontecimento serviu para insuflar o temor dos escravocratas em relação à possibilidade de uma revolta maciça de escravos, que terminaria da mesma forma que a que deu origem ao Haiti, em 1804. A popularidade da memória de John Brown, sobretudo entre os trabalhadores das grandes cidades do Norte, fez com que muitos no Sul temessem que o abolicionismo “radical” se tornasse um fator decisivo em futuras eleições. E não estavam enganados. Na eleição presidencial do ano seguinte, o candidato mais popular no Norte era Abraham Lincoln, um dos fundadores do partido Republicano e um conhecido abolicionista. Dada a considerável vantagem populacional nortista, a vitória do candidato era bastante provável. E no dia 06 de novembro de 1860, Lincoln foi anunciado como o novo presidente americano.
Apenas um mês depois, a Carolina do Sul, estado sulista onde a população de escravos negros superava a de brancos livres, anunciou sua saída dos Estados Unidos. Em janeiro de 1861, Mississipi, Florida, Alabama, Georgia e Louisiana fizeram o mesmo. Em fevereiro, foi a vez do Texas declarar a separação. Após o bombardeio do forte Sumter, na Carolina do Sul, e a convocação de 75 mil voluntários por Lincoln para conter a revolta, Tennessee, Arkansas, Carolina do Norte e a Virginia se retiraram da União. Juntos, os treze estados formariam um novo país: os Estados Confederados da América, criado para ser uma pátria de escravocratas. O político e fazendeiro escravocrata Jefferson Davis, ex-senador pelo estado de Mississipi, foi declarado o primeiro presidente.
As preparações para a Guerra
Desde os primeiros momentos, a vantagem material e logística estava toda com o Norte. Suas indústrias lhe garantiram um poder de fogo superior durante todo o conflito. Seus estaleiros permitiram a fabricação de muitos navios de guerra, além da conversão de embarcações mercantis para serem usadas no conflito. Rapidamente, a marinha da União bloqueou toda a costa sulista, da Virgínia até o Texas, reduzindo a quase zero as importações de munições, armas e suprimentos que não eram fabricados no Sul. Esse bloqueio naval se provaria decisivo na derrota final da Confederação.
Outra vantagem importante dos nortistas era a diplomacia. Abraham Lincoln era abolicionista, e embora tivesse tentado um acordo com os escravagistas do sul para evitar a guerra, sua determinação em combater os rebeldes que queriam a secessão apenas para manter seus escravos conquistou a simpatia das populações de vários países europeus, sobretudo do Reino Unido e da França. Além disso, às vésperas da guerra, os Estados Unidos já eram um país poderoso o suficiente para derrotar qualquer intervenção europeia a favor dos confederados, e estes jamais obtiveram reconhecimento oficial de nenhum país do mundo.
E não eram apenas materiais e diplomáticas as desvantagens sulistas. Sua pequena população, muito menor que a do Norte, tornava uma guerra de longo prazo algo impraticável para os confederados, como a história não tardaria a mostrar. Além disso, a ausência de boas estradas e linhas férreas tornava a organização de linhas de suprimento um pesadelo logístico. Do ponto de vista militar, muitos estados sulistas possuíam milícias treinadas e armadas para conter possíveis revoltas de escravos, e muitos homens estavam acostumados a usar armas de fogo, especialmente os que viviam ao oeste do rio Mississipi. Isso deu certa superioridade em combate aos confederados na primeira metade da guerra. Outro aspecto que melhorava um pouco o cenário para os sulistas era o talento militar de seus comandantes, em particular o general Robert E Lee.
1861 – Os primeiros tiros são disparados
O primeiro grande encontro de armas entre Norte e Sul ocorreu em uma localidade conhecida como Manassas, no norte da Virgínia, no dia 21 de junho de 1861. As forças da União se dirigiam para Richmond, capital do estado e que havia sido escolhida como sede do governo central da Confederação. No total, o general Irvin McDowell conduziu aproximadamente 34 mil soldados da União. Contra eles, marcharam 35 mil confederados, comandados pelo general Pierre Beauregard, um escravocrata de origem francesa da Louisiana. Os nortistas tomaram a iniciativa da batalha, atacando o flanco esquerdo dos rebeldes, que começaram a recuar.
Quando o desfecho do combate parecia ser favorável aos nortistas, o general Thomas Jackson, da Virgínia, conduziu sua brigada na defesa das linhas rebeldes. Talentoso comandante de armas, Jackson defendeu suas posições e liderou o contra ataque que forçou os soldados da União a recuar. No caminho das tropas de fuga, estavam centenas de funcionários do governo federal e mesmo civis que haviam saído de Washington para assistir ao combate. Por seu desempenho na batalha, Jackson ficaria conhecido como Jackson “Paredão”.
O primeiro grande confronto da guerra deixou claro que a guerra se arrastaria por muito tempo, e que exércitos muito maiores do que os que se enfrentaram perto de Manassas seriam necessários para qualquer um dos lados almejar a vitória. Os meses seguintes viram poucos combates expressivos em terra, mas nesse período a marinha da União conseguiu bloquear a foz do rio Potomac, que cruzava Richmond e era um importante canal de comunicação na Virginia.
1862 – McClellan e os interesses da elite do Norte
A maioria das grandes batalhas da guerra civil americana foram travadas na primavera e no verão. O inverno e mesmo o outono deixavam as estradas e muitas vezes as linhas férreas impróprias para o transporte de suprimentos e tropas. No ano anterior, o general George McClellan foi nomeado comandante do Exército do Rio Potomac, principal força militar da União na Virginia. No inverno de 1861-1862, ele submeteu suas tropas a uma rotina intensa de treinamentos, o que aumentou o moral das tropas nortistas, que ainda não haviam se recuperado do desastre do ano anterior.
De nada adianta uma tropa bem treinada se, ao soar das cornetas, o comandante não sabe o que fazer com elas ou não está disposto a lutar. Lincoln sabia disso, e por isso, sua relação com McClellan não demorou a ruir. Por vezes, repetia aos seus subordinados que o exército rebelde encarregado de proteger Richmond, conhecido como Exército da Virginia do Norte, superava as tropas sob seu comando em uma escala de três para um. Muitos oficiais sob seu comando se espantavam com tal crença, e mesmo diante de repetidos relatos de batedores que contradiziam essas estimativas, o general não alterou sua postura. Talvez não haja nenhum outro exemplo na história militar de uma força maior e muito mais bem armada cedendo a iniciativa do combate ao inimigo mais fraco como o Exército do Rio Potomac sob o comando de George McClellan.
Em determinado momento, McClellan esteve a apenas seis quilômetros de Richmond. As forças sob seu comando eram quase cinco vezes maiores do que as que dispunham os confederados, que ainda não contavam com seu comandante, que estava doente. Mas o general nortista não apenas se recusou a atacar, alegando, mais uma vez, que o inimigo possuía a vantagem numérica, como conseguiu ser derrotado em uma sequência de batalhas iniciadas pelo novo comandante das tropas que defendiam a capital confederada, o general Robert E Lee. Além de incompetência e covardia, a passividade de McClellan tinha outro motivo: ele desejava concorrer à presidência dos EUA contra Lincoln. E embora sem dúvida essa decisão fosse motivada por ambições pessoais, ela refletia o desejo da elite do Norte de se livrar de Lincoln.
Ao contrário do que afirma a historiografia americana oficial, Lincoln era odiado por seus pares na política, inclusive em seu próprio partido. Eles o consideravam “radical” por ter se posicionado a favor da abolição da escravidão ao longo de toda a sua vida. E as elites capitalistas do norte jamais tiveram a intenção de iniciar uma guerra pela liberdade dos escravos negros. Além de compartilharem o racismo dos senhores de escravos do sul, os industriais e banqueiros do norte temiam que uma guerra total contra o sistema escravocrata estimularia os trabalhadores do norte a se revoltarem contra a opressão que sofriam em suas mãos. Por isso, desde antes do começo do conflito, os capitalistas e seus representantes em Washington demonstraram uma falta de entusiasmo pela guerra e defendiam um acordo com os confederados.
Esse desinteresse no conflito, somado à notável incompetência de muitos generais nortistas, inclusive McClellan, custaria muito caro aos soldados da União. Na batalha de Antietam, travada no estado de Maryland, em setembro de 1862, as tropas nortistas sofreram duas mil baixas a mais do que as sulistas, mesmo sendo mais de duas vezes mais numerosas. Isso porque McClellan, mesmo diante de uma linha de defesa rebelde prestes a entrar em colapso, recusou-se a ordenar uma ampla ofensiva, preferindo lançar vários pequenos ataques contra o exército confederado, todos derrotados.
1862 – A emancipação dos escravos
A nomeação do general Robert E Lee para o comando do Exército da Virgínia do Norte teria consequências sérias para a União. Talvez o general mais talentoso do conflito, Lee venceu a maioria das batalhas que disputou durante a guerra, derrotando exércitos quase sempre maiores e mais bem armados. Além de forçar as tropas da União a se retirarem das proximidades de Richmond, suas tropas derrotaram a União mais uma vez próximo à cidade de Manassas e capturaram o distrito estratégico de Harpers Ferry, forçando a rendição de mais de doze mil soldados da União. Tamanha sequência de reveses não melhorou muito com o triunfo militar em Antietam. Afinal, apesar dos rebeldes terem se retirado, as forças nortistas sofreram muito mais baixas, e o general McClellan se recusou a perseguir as tropas de Lee, mais uma vez alegando que suas forças eram inferiores em número.
A desmoralização tomava conta das fileiras nortistas. Os jornais mais importantes de Nova York, Boston e Filadélfia começavam a questionar o papel de Lincoln na condução da guerra, e conspirações começavam a emergir em Washington para derrubá-lo. Consciente de que algo necessitava ser feito para salvar a União, Lincoln decidiu transformar em realidade o seu antigo sonho: a emancipação dos escravos. A ideia era acrescentar a causa da abolição entre as principais bandeiras do conflito, que até o momento estava praticamente restrito à manutenção da integridade territorial dos EUA. Lincoln sabia que alguns dos melhores oradores, líderes sindicais e populares do país eram abolicionistas convictos, e se a abolição fosse incluída na ordem do dia, a causa da União ganharia mais força a ponto de superar os desastres dos dois primeiros anos e renovar o espírito de luta no Norte.
A medida foi apresentada como uma “necessidade militar” para enfraquecer os confederados, podendo ser revertida após o fim do conflito. Somente uma alteração constitucional poderia pôr fim à escravidão, que deveria ser aprovada pelo Congresso, que estava cada vez mais indisposto com o “radical” Lincoln. Para obter a desejada abolição, Lincoln sabia que suas tropas precisavam obter um grande triunfo militar, mas a competência do general Lee e a incompetência de seus próprios generais lhe negariam essa oportunidade por algum tempo.
1862-1863 – Mais reveses para a União
Depois de ser forçado a retirar-se de Maryland, após a batalha de Antietam, Lee concentrou suas forças nas proximidades de Richmond, pois uma nova ofensiva nortista contra a capital rebelde era iminente. E agora, o Exército do Rio Potomac tinha um novo comandante: Ambroise Burnside, um oficial conhecido pela incompetência tática. Mas apesar da fama ruim do general, Lincoln decidiu substituir McClellan após este se recusar a perseguir os rebeldes depois de Antietam.
Burnside decidiu tomar o caminho mais curto para Richmond, que passava pela cidade de Fredericksburg, às margens do rio Rappahannock. O plano de Burnside não contava com o degelo da neve, que aumentou o nível das águas do rio e tornou uma travessia rápida impossível. Os nortistas tiveram que recorrer a pontes móveis para cruzar o rio, e o tempo necessário para a construí-las permitiu a Lee marchar até Fredericksburg, onde suas tropas tomaram posição atrás de grossos paredões de pedra localizados em colinas nos arredores da cidade. Mesmo diante de posições defensivas tão formidáveis, Burnside decidiu atacar. Entre 11 e 15 de setembro de 1862, suas tropas se lançaram várias vezes contra os paredões, defendidos por canhões e infantaria armada com rifles. Mais de 12 mil soldados da União estavam mortos, feridos ou capturados ao final da batalha.
O desastre em Fredericksburg obrigou Lincoln a substituir Burnside por Joseph Hooker, que assumiu o comando em 1863. Embora um pouco menos inapto como general, Hooker se destacou pelo gosto pela vida mundana. Uísque e prostitutas eram comuns em seu quartel-general (daí o termo “Hookers”, que se refere a prostitutas no inglês americano). Dessa vez, o plano da União era atacar e destruir o exército de Lee, para depois marchar até Richmond. A estratégia de Hooker era utilizar seu exército de 130 mil soldados para atacar Lee, que tinha aproximadamente 60 mil homens sob seu comando, pela frente e pela retaguarda. Mas o astuto comandante sulista tinha seus próprios planos. Mesmo confrontado com uma força muito mais numerosa, Lee dividiu suas tropas, enviando uma parte para atacar as posições nortistas próximas a Fredericksburg e outra, sob o comando de Jackson “Paredão”, para investir diretamente contra Hooker, que estava acampado próximo a Chancellorsville. O resultado foi uma impressionante vitória que, em apenas seis dias entre maio e abril, destruiu mais uma tentativa da União de alcançar a capital rebelde. Contudo, o resultado mais importante foi o crescimento da soberba de Lee, que passou a acreditar na invencibilidade de suas tropas. Isso teria consequências desastrosas na campanha militar seguinte.
1863 – A Batalha de Gettysburg
Empolgado pelos impressionantes sucessos em Fredericksburg e Chancellorsville, Lee recorreu ao presidente Jefferson Davis para que este autorizasse uma nova invasão do território da União. O alto comando sulista se opunha à ofensiva, argumentando que não seria possível apoiar o exército de Lee fora do território confederado. Alguns propuseram que parte das tropas do Exército da Virginia do Norte fossem enviadas ao oeste, para deter a implacável ofensiva dos nortistas, que atacavam os confederados a partir do rio Mississipi. Mas o respeito que Davis sentia por Lee era enorme, e este obteve a autorização que desejava.
Dessa vez, o plano de Lee era marchar pelo oeste de Maryland até o estado da Pensilvânia, um dos mais ricos do Norte. Seu plano era atacar a capital do estado, Harrisburg, a fim de atrair o Exército do Rio Potomac. Lee e seus subordinados calculavam que, se conseguissem destruir a principal força militar da União em uma batalha decisiva, travada no território nortista, Lincoln seria forçado a aceitar uma proposta de paz e reconhecer a Confederação. Com esse plano em mente, Lee conduziu seus 70 mil homens em direção à Pensilvânia.
A estratégia de Lee começou a dar errado quando, no primeiro dia de junho de 1863, uma divisão de cavalaria nortista surpreendeu a vanguarda de seu exército próxima à cidade de Gettysburg, um povoado sem qualquer importância militar. Contra todas as expectativas, as tropas da União conseguiram deter o exército confederado por todo o dia, o que deu tempo para que o restante do Exército do Rio Potomac, agora comandado pelo general George Meade, pudesse posicionar seus 90 mil soldados nas colinas ao redor de Gettysburg.
Após uma investida mal sucedida contra o flanco direito da União no dia 02 de junho, Lee convocou seu estado-maior para informar-lhes que havia decidido mudar de estratégia. Agora, seu objetivo era destruir o centro das linhas nortistas, localizado atrás de um extenso paredão de pedra. Um de seus mais talentosos comandantes, o general James Longstreet, protestou, dizendo que a estratégia era muito parecida com a que Burnside havia utilizado em Fredericksburg, e o desfecho seria provavelmente o mesmo. Lee deu de ombros, confiante que estava na invencibilidade de suas tropas.
No dia 03 de junho de 1863, mais de 15 mil soldados sulistas marcharam por mais de um quilômetro em direção às linhas nortistas, sob um intenso fogo de artilharia que podia ser ouvido em Washington, a mais de oitenta quilômetros de distância. Ao final da batalha, quase trinta mil confederados estavam mortos, feridos ou capturados. O Sul perdeu em Gettysburg a capacidade de realizar qualquer ofensiva contra a União, e passaria a se limitar a um papel estritamente defensivo.
1864-1865 – A derrocada do Sul
No dia seguinte ao impressionante triunfo do Exército do Rio Potomac, as tropas da União conquistaram outra importante vitória ao conquistar a cidade de Vicksburg, no estado de Missisipi, um dos mais importantes portos no rio de mesmo nome. A tomada da cidade garantiu a divisão do território confederado em dois, no sentido leste e oeste. Divididos e com cada vez menos soldados, os sulistas começavam a se desesperar, e muitos, como James Longstreet, já sabiam que a guerra estava perdida.
Ambos os triunfos militares devolveram à Lincoln o apoio quase unânime do público nortista, que o reelegeu presidente nas eleições de 1864. Contra ele, concorreu o ex-general George McClellan, responsável por tantos fracassos militares na fase inicial da guerra. Uma de suas primeiras medidas no começo de seu segundo mandato foi promover a comandante geral das tropas da União o general que forçara Vicksburg a se render: Ulysses S. Grant.
O general Grant traçou um plano para impor uma derrota definitiva aos rebeldes. A União concentraria suas forças em duas ofensivas: uma começaria no sul do Tennessee e marcharia pelo estado da Geórgia em direção à costa do Atlântico, com o objetivo de destruir a infraestrutura que mantinha as tropas confederadas, enquanto outra concentraria seus esforços na destruição do exército de Lee, para só depois avançar sobre Richmond.
O avanço sobre a Geórgia, que ficaria conhecida como “Marcha Rumo ao Mar”, foi comandada pelo general William Sherman, um dos mais famosos comandantes de toda a guerra. Seus 60 mil homens derrotaram com facilidade todas as tropas sulistas que encontraram pelo caminho. Seria na cidade de Atlanta, onde os rebeldes concentraram um grande número de tropas, que Sherman e seus homens enfrentariam um teste mais severo. Por sete meses, as defesas confederadas resistiram ao sítio imposto pelas forças da União, impondo um terrível sofrimento aos civis locais. Finalmente, a cidade caiu, e Sherman prosseguiu sua marcha até a cidade litorânea de Savannah, conquistada com facilidade. De lá, o general seguiu para o norte, devastando os estados da Carolina do Sul e do Norte em direção à Virgínia, com o objetivo de unir-se à Grant.
Enquanto Sherman destruía a infraestrutura do interior da Confederação, Grant comandou pessoalmente a destruição do Exército da Virgínia do Norte. Foram necessárias muitas batalhas sangrentas, e mesmo alguns reveses, como a batalha de Cold Harbor, para que o exército de Lee fosse finalmente reduzido a frangalhos. Mesmo colocado diante do desastre, o general sulista ainda conseguiu escapar do cerco de Grant, abandonando a capital Richmond, que foi ocupada logo depois, no dia 02 de abril de 1865.
O objetivo de Lee era juntar-se às tropas que ainda resistiam na Carolina do Norte, mas Grant se antecipou às intenções do general confederado e enviou uma tropa para interceptar a vanguarda rebelde. Ciente de que não havia mais nada a ser feito, Lee partiu para encontrar os generais nortistas e oferecer a rendição de seu exército. No dia 09 de abril de 1865, depois de quatro anos de terríveis batalhas, o Exército da Virgínia do Norte rendeu-se ao Exército do Rio Potomac. Os demais efetivos confederados não demoraram a fazer o mesmo. Os canhões silenciavam, mas nem todos os conflitos cessaram com eles. Restava ainda uma tortuosa tarefa: reconstruir o país.
Reconstrução e Legado da Guerra Civil
A derrota da elite escravagista do sul foi uma tarefa necessária e progressista. A vitória sobre os confederados poderia ter vindo consideravelmente mais cedo, se não fosse a má vontade da burguesia do Norte, que desejava uma mudança gradual, sem conflitos que despertassem “ideias perigosas” na classe operária das grandes cidades. Mesmo assim, o próprio Marx enviou uma carta à Lincoln, parabenizando-o pelo triunfo em Gettysburg e reconhecendo o importante papel cumprido pelo presidente americano na luta contra a escravidão nos EUA.
Enquanto ocupou a presidência americana, Lincoln foi absolutamente odiado pelo establishment de ambos os lados do conflito. Sem o apelo que ele fez pessoalmente, à revelia dos membros de seu próprio gabinete, à luta pela abolição do horror que era a escravidão, a guerra teria se estendido muito mais tempo, e talvez sequer tivesse sido vencida.
Mas o fim das batalhas não significou o fim do sofrimento para os mais de quatro milhões de negros que haviam sido libertados do calvário da escravidão. Abandonados em meio a um sul devastado pela guerra, cercados por uma população branca majoritariamente ressentida e hostil e sem qualquer apoio econômico do governo federal, os negros viram-se ocupando postos de trabalho que pouco se diferenciavam dos que existiam antes da guerra. A perseguição que lhes moveram os supremacistas brancos, através de organizações como a Ku Klux Klan, forçaram milhões a migrarem para o Norte ou para o Oeste, onde também foram recebidos com hostilidade e racismo pela população local.
A burguesia americana não lutou por quatro anos para salvar os negros do sofrimento das correntes e do trabalho forçado. Afinal, durante décadas antes da guerra civil, eles próprios haviam lucrado muito com o tráfico de escravos e fornecendo empréstimos e capital aos fazendeiros sulistas. A verdadeira origem do conflito estava na existência de dois modos de produção antagônicos: o capitalismo e a escravidão. Apenas um poderia continuar a existir e guiar o destino do país, e o capitalismo, historicamente superior, venceu. Não é exagero afirmar que a guerra civil foi o último episódio da Revolução Americana iniciada em 1776. Somente a partir de 1865, com a derrota final dos escravocratas, surgiram de fato os Estados Unidos da América, o colosso da América do Norte que, em pouco tempo após o fim dos combates, tomaria da Europa o posto de centro do capitalismo mundial.