Até que ponto pode-se dizer que a economia está se recuperando de fato?
A revista The Economist recentemente consagrou uma capa ao nosso país intitulada “O Brasil decola”. Em seu editorial é salientada a capacidade de recuperação do Brasil frente à crise mundial, bem como é ressaltado um futuro promissor para a nossa economia:
“Sua economia está crescendo de novo com uma taxa anualizada de 5%. E deve crescer ainda mais nos próximos anos em função do petróleo do pré-sal e também pela demanda dos países asiáticos de alimentos e minério das terras brasileiras. (…) Para 2014 estima-se que o Brasil será a quinta economia do mundo superando Grã-Bretanha e França”.
Da parte do governo brasileiro divulgam-se previsões otimistas que apontam para um crescimento de 5% em 2010 como também um crescimento nos Investimentos Externos Diretos para US$ 35 bilhões no ano que vem. Exalta-se também os dados de recuperação de empregos e consumo.
Se é fato que não podemos brigar com os números, tampouco podemos nos iludir com eles. A festejada recuperação econômica e as previsões cintilantes para o futuro escondem muitos aspectos importantes que dizem respeito ao Brasil e sua interação com a economia internacional.
Como conseqüência dos enormes estímulos fiscais anti-crise recentes a dívida pública em 2009 deve crescer em 6% sua proporção em relação ao PIB, ampliando ainda mais o endividamento do Estado. O gasto público e as isenções fiscais foram o motor da relativa recuperação econômica. Todavia não se pode prosseguir com tal política indefinidamente sob pena de estrangular o orçamento público.
Nuvens e trovoadas
Ao mesmo tempo a conjuntura internacional ainda é nebulosa. Ninguém pode afirmar que o capitalismo entrou num novo período de céu azul. Há nuvens e trovoadas no céu que podem indicar novas tempestades. E quem diz isso não são apenas os marxistas, mas sim os próprios economistas do “establishment”.
O presidente do BC americano, Ben Bernanke, é um desses. Mesmo com todo o auxílio ao sistema bancário dos EUA ele lamenta o fato do crédito continuar estancado: “Mas infelizmente a diminuição dos empréstimos vai estancar a recuperação, ao restringir o consumo e a habilidade de algumas empresas de financiar suas operações”.
A persistência do desemprego nos EUA que chegou à cifra de 19% na parcela mais jovem da população faz com que Bernanke conclua: “A melhor coisa que posso dizer sobre o mercado de trabalho é que a piora tem sido mais lenta”.
Já Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, que ganhou fama mundial por ter “previsto” a crise, não apenas é pessimista em relação a uma efetiva recuperação como aponta a possibilidade de novos choques.
Para Roubini, a política do governo americano que derrubou as taxas de juros e tornou o dólar barato para o resto do mundo torna atraente a migração de capitais para outros locais em busca de valorização. Por mais irracional que isso possa parecer, os capitalistas voltaram a criar bolhas especulativas, praticando o chamado “carry trade”. Esta última operação consiste em tomar dívidas em dólares e aplicar recursos em ações, commodities, moedas, empreendimentos, etc. por todo o globo. Essa é a razão crucial da recente entrada em massa de dólares no Brasil que tende a valorizar o real e que o governo em vão busca combater com o aumento do IOF.
Essa mesma política que inundou os mercados de dólares visou a recuperação econômica dos EUA. Todavia ela é uma faca de dois gumes, pois ao mesmo tempo ela coloca em questão o papel do dólar – que cada vez mais tem seu valor “derretido” – como moeda mundial, ao mesmo tempo em que causa inflação e aumento do déficit norte-americano.
Até que ponto isso vai ocorrer? Para Roubini uma hora os EUA vão ter que subir os juros e com isso voltar a valorizar o dólar. Com isso, todos aqueles que se endividaram na moeda americana vão começar a vender seus ativos e parar de investir para cobrir suas dívidas. Desta forma, podemos ter nova turbulência semelhante à de Setembro de 2008. Trocando em miúdos: o grau de financeirização e especulação do capitalismo contemporâneo não admite qualquer cenário tranqüilo para o futuro…
E o Brasil?
A inserção do Brasil na chamada “globalização” teve como contrapartida o caráter cada vez mais aberto da nossa economia, tornando-a dependente e suscetível às oscilações dos desejos dos capitais internacionais e do mercado mundial.
A partir das últimas décadas os fluxos de capitais para dentro e para fora do Brasil são cada vez mais violentos, imprevisíveis e de curto prazo. Isso acontece pela forma com que o capitalismo atual é dominado em larga escala por operações financeiras especulativas. Mesmo os fluxos de capitais que em tese são produtivos (fábricas, construções, etc.) também são cada vez mais voláteis e menos estáveis. Isso ocorre porque o cálculo econômico dos capitalistas envolve diferentes possibilidades de lucro que podem se dar não apenas em diferentes países como em diferentes tipos de atividade (comércio, produção, ativos financeiros).
Ao mesmo tempo, do ponto de vista comercial, reforça-se a opção pela exportação de produtos agrícolas e minerais. Neste ano de 2009, depois de 31 anos, a exportação desse tipo de produto voltou a superar a exportação de manufaturados e semi-manufaturados. As exportações beneficiadas por um “boom de commodities” foram uma das principais responsáveis pelo crescimento brasileiro dos últimos anos. Todavia, esta opção pelos mercados externos implica num atrelamento de nossa economia às oscilações de desempenho do mercado mundial.
Quando aceita-se a lógica do capital é forçoso conviver com uma profunda contradição. As forças produtivas do capitalismo de hoje não permitem qualquer projeto “autárquico”, isto é, um projeto pautado no isolacionismo e na defesa de um mercado interno fechado. Por outro lado, a crescente abertura comercial, financeira e produtiva implicam em profunda instabilidade na medida em que os países tendem a perder o poder soberano de planejar e dirigir os rumos de sua economia. E isto é agravado no caso do Brasil e outros países dependentes economicamente que nunca internalizaram os centros de decisão tecnológica, fontes de financiamento e grandes monopólios multinacionais como fizeram os países imperialistas.
O recente “milagre brasileiro” pré-crise só é compreensível à luz da conjuntura internacional. O crescimento estrondoso das exportações, o crédito abundante de bancos estrangeiros, os novos investimentos externos produtivos foram decisivos.
A vinda da crise pôs tudo isso em questão. A intervenção pronta do governo brasileiro conseguiu mitigar a coisa via gastos públicos, incentivos e também pela política dos bancos públicos de bancar crédito farto que pressionaram inclusive os bancos privados a abrir as suas “torneiras”. Diga-se de passagem que só não tivemos problemas de ativos podres e ultra-especulação em nosso sistema financeiro privado por que os nossos bancos convivem há muito tempo com a lucratividade dos títulos públicos otimamente remunerados que tornam desnecessário que busquem aplicações mais arriscadas como nos EUA.
Todavia não existe uma saída exclusivamente brasileira para a crise. E isso não apenas porque dependemos de exportações e de investimentos externos ou pelo fato de que o papel do setor público tem limites. O próprio investimento privado produtivo voltado ao nosso mercado interno também sofre oscilações num capitalismo cada vez mais integrado em que as opções de valorização do capital se abrem nos cinco continentes. Ainda mais quando sabemos que o capitalismo brasileiro tem um peso gigantesco de empresas multinacionais cujo capital pode facilmente migrar daqui e se integrar aos diferentes circuitos de valorização.
Tudo o que expusemos acima não implica, por outro lado, que não haverá uma recuperação mais duradoura. Isso pode perfeitamente acontecer. Tudo dependerá da conjuntura internacional de um capitalismo que cada vez menos reconhece fronteiras nacionais. É possível ainda que o Brasil consiga confirmar as previsões otimistas que citamos para 2010. Mas sustentar tais resultados para o futuro é algo que está muito além de nossos limites.