A Revolução Afegã de Saur 1978: o que alcançou e como foi esmagada

Publicamos abaixo artigo que discute a Revolução de Saur, ocorrida no Afeganistão em 1978, mostrando o desenvolvimento político e social do país ao longo do século 20 e as lutas dos trabalhadores afegãos. Para saber mais, recomendamos a audição do último episódio do Podcast da Esquerda Marxista, neste link.

Na mídia burguesa de hoje, o Afeganistão é retratado apenas em relação ao fundamentalismo islâmico, jihad, senhores da guerra e cartéis de drogas. Embora esses males sejam um triste fato da vida no Afeganistão hoje, nem sempre foi assim. 40 anos atrás, uma revolução quase sacudiu o país de seu atraso, apenas para ser jogado de volta para trás após a contrarrevolução fundamentalista apoiada pelo imperialismo. Para entender a situação atual no Oriente Médio, bem como a ascensão das forças reacionárias, é necessário entender a ascensão e queda da revolução de Saur no Afeganistão em 1978.

Contexto histórico

O Afeganistão é um país geograficamente importante. Como Engels observou:

“A posição geográfica do Afeganistão e o caráter peculiar do povo conferem ao país uma importância política que dificilmente pode ser superestimada nos assuntos da Ásia Central”.

O país liga a Ásia Central ao Sul da Ásia e sua posição geográfica desempenhou um papel muito importante nos assuntos do país, que permanece verdadeiro até hoje. No século 20, o país era uma zona tampão entre a Índia britânica e a Rússia czarista. Os britânicos tentaram ocupá-lo, mas não tiveram sucesso total. No entanto, eles conseguiram ocupar uma parte da região pashtun e colocá-la sob seu domínio através da Índia britânica. Mais tarde, essa ferida da divisão teria consequências significativas e foi usada pelos Estados Unidos e pelo Paquistão para conter a revolução e controlar o país.

No início do século XX, o emir Amanullah – um anti-imperialista inspirado pelo nacionalista Mustafa Kemal Ataturk da Turquia – tentou modernizar o Afeganistão, mas não teve sucesso. Como Trotsky observou sobre a situação na época:

“Aqui está outra nação do Oriente que merece uma menção especial hoje […]. É o Afeganistão. Eventos dramáticos estão ocorrendo lá e a mão do imperialismo britânico está envolvida nesses eventos. O Afeganistão é um país atrasado. O Afeganistão está dando o primeiro passo para se europeizar e garantir sua independência de forma mais civilizada. Os elementos nacionalistas progressistas do Afeganistão estão no poder e, por isso, a diplomacia britânica mobiliza e arma de tudo o que é de alguma forma reacionário, tanto naquele país como ao longo de suas fronteiras com a Índia e joga tudo isso contra os elementos progressistas em Cabul. Começando pelos decretos, através dos quais não só os burgueses, mas também as autoridades social-democratas na Alemanha proibiram as manifestações do Primeiro de Maio. Passando pelos acontecimentos na China e no Afeganistão, podemos ver em todos os lugares os partidos da Segunda Internacional por trás do trabalho de repressão e opressão. Pois, você sabe, o ataque contra Cabul organizado com recursos britânicos, ocorre sob o governo do pacifista MacDonald ” (Leon Trotsky, abril de 1923).

Além da agressão imperialista, o fracasso de Amanullah em modernizar o Afeganistão foi devido à ausência de uma burguesia nacional, a classe que realizou a revolução industrial na Europa e fundou os estados nacionais modernos.

Na época da revolução de 1978, o Afeganistão estava cercado por países importantes como a União Soviética, Irã, China e Paquistão. Mais tarde, esses países participaram ativamente da revolução e da contrarrevolução no Afeganistão.

Afeganistão e a revolução colonial

Em muitas partes do mundo, incluindo o país vizinho do Paquistão, 1968 foi o ano de movimentos de massa e protestos. O Afeganistão não foi uma exceção. O ano de 1968 viu uma onda de greves de estudantes e trabalhadores. As demandas dos alunos incluíam reforma educacional e curricular, protestos contra as políticas de admissão, etc. Por sua vez, as demandas dos trabalhadores incluíam aumentos salariais, melhores condições de trabalho, férias, menos horas de trabalho e seguro médico.

A renomada historiadora da história afegã, Louise Dupree descreveu a situação nestas palavras:

“O apoio ocasional dos estudantes – em alguns casos, até mesmo o apoio dos alunos do ensino fundamental – à greve dos trabalhadores surpreendeu muitos em Cabul”.

O nível de consciência entre os alunos era alto:

“Em algumas salas de aula, os alunos muitas vezes se recusam a ouvir opiniões antimarxistas, e uma atmosfera foi criada em que poucos acadêmicos podem discutir favoravelmente qualquer coisa relacionada ao Ocidente”.

A revolução é contagiosa e Dupree admite isso dizendo:

“O estado existente das comunicações hoje incentiva, creio eu, o aumento de manifestações de trabalhadores e estudantes em todo o mundo. As notícias de uma ‘batida policial’ em Berkeley, de uma rebelião em Columbia ou de estudantes e trabalhadores nas barricadas de Paris varrem o mundo em horas – e cada cidade e muitos vilarejos no Afeganistão têm sua cota de rádios transistores. Os distúrbios estudantis no Afeganistão podem ser vistos como uma extensão e parte da agitação estudantil geral em todo o mundo”.

Os comentários sobre o efeito das revoltas operárias em todo o mundo são verdadeiros, mas por trás de toda a agitação estava também o trabalho organizado do PDPA (Partido Democrático Popular do Afeganistão), pois era estratégia do partido realizar um trabalho político entre os trabalhadores.

Marx não se concentrou muito nos problemas da revolução nos países coloniais, pois a imaginou primeiro nos países industrializados avançados. Isso não foi por acaso, pois, naquela época, a Europa estava no centro da revolução mundial.

Nos países coloniais e ex-coloniais, é impossível progredir com base nas antigas relações sociais. Em todos esses países, os problemas da revolução democrática nacional, da revolução agrária, da liquidação dos resquícios feudais e pré-feudais não podem ser resolvidos nos moldes das revoluções burguesas clássicas, como a de 1789, na França. A burguesia dos países coloniais também havia chegado tarde demais em uma situação em que as relações capitalistas já estavam dominando o globo. Por esta razão, a burguesia nacional nos países coloniais foi incapaz de desempenhar qualquer papel progressista como a burguesia ocidental desempenhou no desenvolvimento da sociedade capitalista em seus respectivos países centenas de anos antes.

A burguesia desenvolveu-se tarde demais no Afeganistão e era muito fraca para desempenhar um papel progressista / Foto: domínio público

A burguesia nos países coloniais é muito fraca. Seus próprios recursos são muito limitados para competir com as economias industriais do Ocidente capitalista. Em suma, eles estão ligados por mil laços à velha sociedade de um lado e ao imperialismo de outro, tornando-os assim uma força de defesa do status quo. Assim, a história colocou a tarefa da revolução democrática nacional contra os resquícios feudais e a revolução socialista contra a burguesia simultaneamente sobre os ombros do proletariado.

A podridão das relações sociais, a relativa fraqueza do imperialismo e o poderoso crescimento da indústria e estabilização da China no período pós-guerra, após a Revolução Cultural, levaram a grandes convulsões sociais e revoluções nos países coloniais. Mas a degeneração stalinista da Revolução Russa e a deformação stalinista da Revolução Chinesa desde o seu início, apesar de suas conquistas, significou, por sua vez, que a revolução nos países coloniais começou com limitadas perspectivas nacionais e com deformações fundamentais logo de saída.

O PDPA

O Partido Democrático Popular do Afeganistão foi fundado em 01 de janeiro de 1965, na casa do líder e principal quadro do partido, o escritor e jornalista Nur Muhammed Taraki. O objetivo do partido foi descrito nestas palavras:

“Sabemos que lutamos por algumas classes contra algumas classes e que vamos construir uma sociedade com base em princípios sociais, no interesse dos trabalhadores, desprovida de exploração individual” (Discurso ao primeiro congresso do PDPA).

Mas logo após sua fundação, o partido enfrentou uma cisão em 1967, principalmente no que dizia respeito à questão da oposição à monarquia.

Os dois principais grupos que surgiram, batizados com nomes que caracterizavam seus papéis políticos – embora ambos seguissem as linhas teóricas da União Soviética – foram: o Parcham (A Bandeira), orientado mais para o nacionalismo, cuja base estava principalmente na pequena burguesia urbana, com um trabalho mais concentrado nas forças armadas. Por outro lado, o foco da fração Khalq (A Massa) estava nas linhas de classe e sua base estava no operariado urbano e no campesinato pobre.

Existe um mito popular, mesmo entre alguns setores da esquerda, de que o PDPA não tinha nenhuma base de massas. Mas historiadores afegãos sérios não concordam com essa posição e são da opinião de que o PDPA teve sim o apoio das massas, mesmo na zona rural do Afeganistão. Além disso, há evidências de que o PDPA conseguiu estabelecer círculos de estudo na região pashtun, do outro lado da fronteira com o Paquistão.

A revolução

Em 1973, Mohammed Daoud Khan – um primo do emir e pashtun no que se referia à orientação política – chegou ao poder por meio de um golpe palaciano, com o apoio ativo do Parcham e do exército. Isso encerrou oficialmente a monarquia. Daud tinha relações estreitas com a União Soviética. No início do regime de Daud, os comunistas gozavam de liberdade de atividade. Mas após a reunificação do PDPA em 1977 e sua crescente influência na burocracia civil e militar, torna essa partido em uma ameaça ao regime.

Em 18 de abril de 1978, o sindicalista e líder do Parcham, Mir Akbar Khyber, foi misteriosamente assassinado. Milhares de pessoas se reuniram em seu funeral em Cabul. A morte e o funeral de Mir Akbar Khyber foram um aviso ao regime e com isso, a luta de vida ou morte entre o regime e o PDPA se intensificou. Dez dias depois, em 28 de abril de 1978, o PDPA assumiu o poder estatal em um golpe, desta vez liderado pela fração Khalq.

O poder foi conquistado na Revolução Saur por meio de um golpe militar, não de uma insurreição popular. Foto: Cleric77

É interessante obrservar que nenhuma das frações do PDPA tinha qualquer perspectiva e não esperava uma revolução no futuro próximo no Afeganistão. O mesmo acontecia com a União Soviética. A revolução foi uma surpresa também para a burocracia soviética. Ela foi provocada pela supressão do PDPA dentro do regime de Daud e tornou-se uma simples questão de sobrevivência para o PDPA. Após o assassinato de Mir Akbar Khyber, o expurgo contra os comunistas foi acelerado. O regime prendeu membros do partido, incluindo o líder do partido Nur Muhammad Taraki,  no dia 26 de abril. Este foi um movimento fatal do regime de Daud.

Na manhã seguinte, uma operação planejada especificamente para o caso de tais eventos, foi iniciada pelo PDPA. Cerca de 250 tanques e veículos blindados participaram do golpe e oficiais, membros do partido, assumiram o comando das forças terrestres e aéreas. Às 17h30, o poder estava nas mãos dos rebeldes A Rádio Cabul, assim como os aeroportos de Bigram e Cabul, estavam sob seu controle. Naquela noite, a vitória da revolução foi anunciada na Rádio Cabul e Taraki sai da prisão vitorioso.

A Revolução de Saur – Saur é o nome do mês de abril no calendário afegão, mês da primavera – não foi como a Revolução Bolchevique de outubro de 1917, na Rússia, onde o poder foi tomado por um levante em massa de trabalhadores e camponeses liderado por Lenin e Trotsky. Para caracterizar tal fenômeno, como vimos no Afeganistão, o marxista britânico Ted Grant desenvolveu o termo bonapartismo proletário. É uma situação em que o capitalismo e o latifúndio foram abolidos e os altos comandos da economia foram nacionalizados, mas o poder não está nas mãos dos trabalhadores e, em vez disso, é detido por uma ditadura policial militar de partido único.

Ted Grant descreveu o golpe como tal:

“O golpe foi precipitado pela tentativa de Daud de suprimir toda a oposição. Seu regime derrubado tinha sido um regime feudal-burocrático de partido único. A classe trabalhadora do país não tinha organizações sindicais.

Se a revolução tivesse assumido a forma saudável de um movimento das próprias massas, o resultado teria sido muito diferente do que realmente aconteceu no Afeganistão. O golpe de abril de 1978 foi baseado em um movimento da elite do exército, dos intelectuais e das camadas superiores da pequena burguesia urbana.

Eles organizaram o golpe antes de tudo como uma medida preventiva diante das tentativas de extermínio que estavam sendo preparadas contra os membros do partido e suas famílias. Eles agiram por autopreservação, embora também com a ideia de trazer o Afeganistão para o mundo moderno”.

Os líderes da Revolução de Saur seguiram o modelo da União Soviética / Foto: Cleric77

Encontrando-se no poder após o colapso do regime apodrecido anterior, os oficiais, combatidos pelo imperialismo e pelas classes feudais, só podiam encontrar apoio entre o operariado e as massas trabalhadoras empobrecidas. Eles encontraram um modelo adequado na União Soviética, que tinha uma economia planificada, mas que, convenientemente para os líderes do partido, tinha um sistema político totalitário de cima para baixo.

A luta pela emancipação do Afeganistão

O PDPA herdou um país em condições adversas. Os problemas sociais eram profundos e amplos. Era um dos países mais pobres do mundo. Na época da revolução, a população do país era de cerca de 15,1 milhões, dos quais apenas 14% viviam em centros urbanos. O restante dos 13 milhões vivia em áreas rurais e 1,5 milhão da população rural eram nômades.

O analfabetismo era surpreendentemente alto, afetando 95% da população. Um país sem litoral, com uma área total de 160 milhões de hectares, dos quais apenas 12%eram aráveis, 60%da terra arável era deixada sem cultivo a cada ano, em parte por causa da falta de água e em parte por causa da ineficiência do sistema feudal atrasado, que dominava o campo. Era uma condenação contundente do imperialismo e das classes feudais, que tinham dominado o país até então.

O governo do PDPA estimou que 45% das terras aráveis ​​estavam nas mãos de 5% dos proprietários de terras. Os camponeses e agricultores viviam em condições miseráveis ​​sob o peso de carregadas dívidas, principalmente devidas a proprietários individuais e grandes agricultores.

O campo era socialmente atrasado, com códigos de conduta tribais misturados a uma forma distorcida do Islã. Social e economicamente, o clero era fraco e vinha das camadas mais baixas da sociedade. Uma infraestrutura física estava quase ausente. O fato de que em 1978 nem uma única aldeia tinha eletricidade, revela as péssimas condições da infraestrutura. Em termos de saúde, educação, comunicações e outras infraestruturas sociais e físicas, o Afeganistão era um dos países mais atrasados ​​do mundo.

A base industrial era fraca e a produção industrial constituía apenas 17% do PIB, o que poderia atender apenas 10-15% da demanda consumidora por açúcar, têxteis, calçados etc. O proletariado industrial era de apenas 40 a 50 mil e estava concentrado em quatro ou cinco centros urbanos. O principal centro urbano e industrial era a capital, Cabul.

Metade da força de trabalho estava empregada em fábricas com uma força de trabalho de mais de 1.000. Embora os sindicatos fossem ilegais, durante a onda de greves de 1968-69 as maiores fábricas entraram em greve, o que mostra o caráter militante do movimento.

Apesar das condições extremamente difíceis que o PDPA enfrentou após tomar o poder, estava determinado a mudar o destino do Afeganistão. Imediatamente após a tomada do poder, o PDPA iniciou uma série de reformas radicais.

O novo regime herdou muitos problemas, dado o atraso do país, mas ainda conseguiu realizar algumas reformas / Imagem: IDoM

O primeiro ato significativo foi a nacionalização da indústria. Depois de alguns anos, essa política mostrou seus resultados em termos de produção industrial. Por exemplo, em 1978, a indústria de processamento e mineração contribuía com apenas 3,3% da receita nacional. Em 1983, atingiu 10%.

O decreto nº 6 aboliu as dívidas dos camponeses com fazendeiros e latifundiários ricos, tirando dos ombros dos camponeses pobres um enorme fardo que pesava sobre eles há séculos.

O decreto nº 7 introduziu reformas no casamento. Uma significativa foi a abolição do “preço da noiva”: uma prática social secular no país. Este decreto também introduziu a idade de consentimento.

A Revolução de Saur trouxe enormes avanços sociais ao Afeganistão. Foto: Domínio Público

A terra foi distribuída e a agricultura coletiva foi introduzida. Limites foram impostos à propriedade da terra. Foram reformas extremamente importantes em termos de justiça social e econômica, mas ainda mais do ponto de vista da melhoria da produção agrícola. Após o primeiro ano no poder, estima-se que 822.500 hectares foram distribuídos para 132.000 famílias. A distribuição de água, que antes era responsabilidade de homens ou famílias individualmente, foi tomada nas mãos do estado sob o Ministério da Agricultura.

Reformas semelhantes foram introduzidas para erradicar o analfabetismo. Uma reforma significativa nessa frente foi a nacionalização das impressoras, que foi importante para aumentar a disponibilidade de material educacional, mas também possibilitou a preparação de material educacional e de ensino em pequenas línguas nativas regionais.

Direitos iguais para as mulheres foram implementados, bem como licença-maternidade paga. Reformas como essas eram inéditas em toda a região. A introdução de uma economia planificada logo mostrou seus tremendos resultados nas diferentes esferas da economia. Por exemplo, 100 novas fábricas foram construídas nos cinco anos anteriores a 1983. Em termos de infraestrutura, houve um aumento de 84% dos leitos hospitalares e um aumento de 45% dos médicos disponíveis. O poder e os privilégios das classes possuidoras foram seriamente prejudicados e os interesses do imperialismo estavam sob ameaça.

Contrarrevolução

O capitalismo é um sistema econômico interconectado ao redor do globo. Assim, uma ameaça ao capitalismo em um país pequeno e economicamente muito atrasado era inaceitável para os estrategistas do capitalismo. O primeiro ano após a revolução correu relativamente bem. Um equívoco comum, entretanto, é que o imperialismo norte-americano só começou a intervir após a intervenção da União Soviética. A realidade é que o imperialismo norte-americano começou a trabalhar em sua estratégia para combater a revolução muito antes da intervenção soviética. Na época da intervenção norte-americana, os estrategistas do imperialismo norte-americano eram da opinião de que a União Soviética não interviria. Na primavera de 1979, o imperialismo norte-americano começou a mobilizar sua máquina reacionária. A CIA enviou sua primeira proposta confidencial ao presidente Jimmy Carter em março de 1979, para apoiar a contrarrevolução no Afeganistão. Os norte-americanos procuraram a Arábia Saudita e o Paquistão para traçar uma estratégia de contrarrevolução. Os dólares e o liberalismo do mundo ocidental, combinados com o wahabismo da Arábia Saudita, apoiado estrategicamente pelo ditador militar do Paquistão, general Zia ul Haq, formaram uma aliança ímpia para conter a revolução.

Naquele verão, o governo Carter autorizou a CIA a gastar 500.000 dólares na campanha. Com o passar do tempo, cada país capitalista significativo contribuiu de uma forma ou de outra para criar o monstro de Frankenstein do fundamentalismo islâmico para lutar contra a revolução – monstro que assombra seus antigos mestres até hoje. Hoje, a mídia ocidental retrata o fundamentalismo islâmico como se nada tivesse a ver com isso, mas na realidade, os fundamentalistas de hoje são o resultado direto das políticas imperialistas ocidentais.

Dificuldades

A Revolução de Saur teve suas próprias fraquezas peculiares. Uma era objetiva: o profundo atraso econômico e social do país, o que significava que a pequena classe trabalhadora não desempenhava nenhum papel independente na revolução – uma necessidade para uma revolução socialista bem-sucedida. Na ausência de uma revolução internacional, a Revolução de Saur ficou isolada e a criminosa teoria stalinista, da possibilidade de construir o socialismo em um único país para superar seus problemas socioeconômicos, agravou esta situação.

O outro ponto fraco era a própria organização do PDPA. O partido nunca havia se desenvolvido em uma organização leninista coerente e logo após assumir o poder, a luta interna pelo poder começou por meio de lutas fracionais. Essa divisão fracional também foi alimentada pela intervenção da União Soviética. A burocracia soviética desempenhou, na verdade um papel muito reacionário, participando ativamente da luta dentro do PDPA. Eles apoiaram a ala Parcham contra o Khalq. A fração Khalq se opôs fortemente à intervenção da União Soviética e avisou-os de que isso teria consequências terríveis.

Mas em dezembro de 1979, a União Soviética interveio militarmente. A fração Parcham foi levada ao poder e um expurgo contra a facção Khalq foi iniciado, o que enfraqueceu o controle do partido no poder. O conflito interno já havia se intensificado durante o verão.

A fração Khalq tinha a ilusão de que, ao assumir uma posição não alinhada em sua política externa, poderia criar um ambiente amigável para o novo regime. Na realidade, com a intervenção da União Soviética, o Afeganistão tornou-se o campo de batalha de duas potências mundiais. E o Afeganistão rapidamente provou ser um atoleiro para as forças soviéticas.

A vitória da contrarrevolução

Aos poucos, todas as reformas foram retrocedendo enquanto o regime tentava se reconciliar com a oposição e, em 1988, a União Soviética se retirou. O regime estava extremamente fraco naquela época e, em 1992, os Mujahideen assumiram o controle. Mais tarde, membros da base dos Mujahideen criaram um grupo rebelde apoiado pelo Paquistão, conhecido hoje pelo nome de Talibã, que assumiu o poder e assassinou brutalmente o chefe do regime Parcham, Mohammad Najibullah Ahmadzai

O imperialismo financiou a contrarrevolução de Mujihadeen. Alguns desses ‘lutadores pela liberdade’ mais tarde se tornaram o Talibã / Foto: domínio público

A contrarrevolução fundamentalista que seguiu ao longo de 26 anos empurrou o Afeganistão de volta para a barbárie. Ela não afetou apenas o Afeganistão, mas toda a região, especialmente o Paquistão. A heroína foi usada como meio de financiar a contrarrevolução e os Mujahideen. Hoje, essa estratégia criou o primeiro narco-estado do mundo: estima-se que hoje 500.000 hectares no Afeganistão sejam destinados à produção de papoulas. Em 2017, a safra de ópio foi de 9.000 toneladas.

A Revolução de Saur representou a esperança de emancipação da miséria e opressão do latifúndio e do capitalismo para o povo do Afeganistão e de toda a região. Essa esperança foi afogada em sangue pelo imperialismo. Hoje, se quisermos derrotar esses reacionários, a única opção é nos reorganizarmos em linhas de classe. A única vingança pelas misérias sofridas pelo povo afegão é dar vida a uma revolução socialista contra as décadas de atraso. Esta é a única opção para tirar não só a sociedade afegã, mas também o Paquistão das garras da barbárie criada pelo imperialismo. Esta tarefa histórica recai sobre os ombros da classe trabalhadora da região e do mundo capitalista avançado em geral. Para conseguir isso, é vital construir a organização da classe trabalhadora em uma base internacional.

TRADUZIDO POR TAISA LEONARDO.
PUBLICADO EM MARXIST.COM

Para saber mais:

Revolução de Saur do Afeganistão: a revolução suprimida da história

Podcast: #39 – Afeganistão 1978: A Revolução de Saur

Derrota, desmoralização e dissidência: a crise do imperialismo norte-americano