2ª parte do Manifesto Internacional da CMI (Corrente Marxista Internacional) sobre a revolução nos países árabes.
Leia aqui a primeira parte deste manifesto.
Em primeiro lugar, as reivindicações da Revolução são democráticas. Claro! Depois de 30 anos de ditadura brutal, a juventude está ansiosa por liberdade. Evidentemente, seu desejo por democracia pode sofrer abusos da parte dos políticos burgueses que apenas estão interessados em sua futura carreira em um parlamento “democrático”. Mas cabe-nos absorver as demandas democráticas e dar-lhes um conteúdo nitidamente revolucionário. Isto inevitavelmente levará à reivindicação por uma mais profunda mudança na sociedade.
Durante uma greve ou uma revolução o povo se sente como seres humanos dignos e com direitos. Durante toda uma vida de silêncio forçado, eles descobrem que têm voz. As entrevistas com as pessoas comuns nas ruas expressaram maravilhosamente isto. As pessoas pobres e analfabetas estão dizendo: estamos indo para a luta; não deixaremos as ruas; exigimos nossos direitos e exigimos ser tratados com respeito. Eis algo profundamente progressista. Esta é a verdadeira essência de uma revolução.
É evidente que os marxistas sempre subordinam as demandas democráticas à revolução socialista. Mas, na prática, as demandas revolucionárias mais consistentes e avançadas necessariamente levam à proposição do poder dos trabalhadores e à revolução socialista. A Revolução Russa é o melhor exemplo disto. Em 1917, os bolcheviques tomaram o poder com base na palavra de ordem “Pão, Paz e Terra”, nenhuma das quais tem conteúdo socialista. Teoricamente, todas as três demandas poderiam ser satisfeitas sob o capitalismo. Na prática, contudo, elas somente poderiam ser satisfeitas com a ruptura com a burguesia e pela passagem do poder às mãos da classe trabalhadora.
Algumas pessoas dizem que este é apenas um movimento nacionalista burguês, e não uma revolução verdadeira. Elas apenas estão revelando sua ignorância sobre o importante papel das demandas democráticas em uma revolução sob tais condições. A experiência da própria Revolução Russa evidencia a importância de uma correta (revolucionária) utilização das demandas democráticas. A demanda por uma Assembléia Constituinte desempenhou papel muito importante na mobilização das mais amplas camadas da população em apoio à causa revolucionária.
Enquanto lutavam pelas mais avançadas demandas democráticas, os marxistas não consideravam estas demandas como um objetivo fechado, mas como parte da luta por uma mudança fundamental na sociedade. É isto que diferencia a perspectiva marxista da perspectiva vulgar dos democratas pequeno-burgueses.
No Egito, a tarefa imediata foi consumar a derrubada de Mubarak e de seu regime putrefato. Mas foi apenas o primeiro passo. Isto abriu as comportas e permitiu ao povo revolucionário seguir em frente. Ele está descobrindo diariamente sua força nas ruas e a importância da organização e da mobilização massiva. E isto já é uma tremenda conquista. Tendo passado pela experiência de trinta anos de ditadura, o povo revolucionário não permitirá a imposição de uma nova ou qualquer conspiração para recriar o velho regime sob novo rótulo. A Tunísia é prova suficiente disto.
Agora que sentiram o sabor de seu próprio poder, as massas não ficarão satisfeitas com meias-medidas. Elas sabem que o que conquistaram foi obtido com suas próprias mãos. A luta por uma democracia completa permitirá a construção de genuínos sindicatos e partidos dos trabalhadores. Mas isto também colocará a questão da democracia econômica e da luta contra a desigualdade.
As palavras de ordem e as táticas devem ser concretas. Devem refletir a situação real e o interesse real das massas. As tarefas objetivas da Revolução Russa eram democráticas e nacionais: a derrubada do czar, a democracia formal, a libertação do imperialismo, a liberdade de imprensa etc. Nós exigimos uma democracia completa, a imediata abolição de todas as leis reacionárias e uma assembléia constituinte.
Sim, devemos derrubar o velho regime, não apenas Ben Ali e Mubarak, mas todos os “pequenos Mubarak” e todos os “pequenos Ben Ali”. Todo o estado deve ser purgado. Não deve ficar nem uma só pessoa no governo que tenha desempenhado algum papel no velho regime. Por que razão o povo revolucionário, que sacrificou tudo na luta, permitiria àqueles que não participaram da revolução encontrar-se no poder, ainda que na forma de um governo interino? Peguem uma vassoura e varram todos para fora! Esta é nossa primeira demanda. E não aceitaremos nada menos que isto.
Mas isto é ainda insuficiente. Durante décadas, esses homens roubaram e saquearam a riqueza da sociedade. Viviam luxuosamente, enquanto o povo estava reduzido à pobreza. Agora, queremos de volta cada centavo que eles furtaram do povo. Exigimos o imediato confisco da riqueza e da propriedade desses parasitas e a expropriação da propriedade dos imperialistas que os apoiaram.
Isto mostra como as demandas democráticas revolucionárias devem levar diretamente às demandas socialistas. Quem for incapaz de utilizar corretamente as demandas democráticas de forma revolucionária estará para sempre condenado ao papel de sectário impotente. E nunca será capaz de se conectar com o movimento real das massas.
Contudo, a democracia tem significado diferente para cada povo. O povo pobre do Egito não luta por democracia com o objetivo de proporcionar posições ministeriais para carreiristas, mas como um meio de resolver seus mais prementes problemas: a carência de empregos e de moradias, o alto custo de vida. Estes problemas econômicos e sociais são demasiado profundos para serem resolvidos por qualquer governo burguês.
A democracia seria uma expressão vazia se recusasse por as mãos na obscena riqueza da elite dominante. Confisquem a propriedade da camarilha dominante! Expropriem a propriedade dos imperialistas que apoiaram o velho regime e exploraram o povo do Egito! A luta pela democracia, se for até as últimas conseqüências, deve inevitavelmente conduzir à expropriação dos banqueiros e dos capitalistas e ao estabelecimento de um governo dos trabalhadores e dos camponeses. Sob o regime de Mubarak, os capitalistas egípcios favoreceram as empresas externas e ajudaram os imperialistas na pilhagem da riqueza do país e na exploração dos trabalhadores egípcios. Exigimos a expropriação da propriedade dos imperialistas em benefício do povo.
A CMI reivindica:
• A imediata abolição de todas as leis reacionárias!
• A completa liberdade de reunião e o direito de organização e de greve!
• A convocação de uma assembléia constituinte revolucionária!
• O confisco de todo o dinheiro roubado pelo velho regime!
• A expropriação da propriedade dos imperialistas!
O lema da Assembléia Constituinte
Se houvesse no Egito um partido como o Partido Bolchevique, a questão do poder poderia ser colocada. Mas na ausência de uma liderança com um plano claro, a Revolução pode passar através de todo tipo de vicissitudes. No momento, a onda revolucionária ainda não baixou. Mas as massas não podem ficar em permanente estado de ebulição. Elas devem trabalhar e ganhar dinheiro para comer. A lava revolucionária esfriará por um tempo. No devido tempo, a revolução se encaminhará para alguma forma de democracia burguesa.
Em tal situação democrática, as demandas têm importância imensa. Em uma situação como a do Egito de Mubarak, as demandas democráticas constituem poderosa alavanca para a mobilização das mais amplas camadas das massas para a revolução. Devemos lutar pelo máximo de direitos – o direito de voto, de greve etc. – porque é do interesse dos trabalhadores terem a maior liberdade possível para desenvolver a luta de classes. Um trabalhador não é indiferente à questão de viver ou sob um regime totalitário ou sob um regime onde tem seus direitos básicos. As demandas democráticas devem, assim, ocupar papel chave em nosso programa.
Algumas pessoas estão embaraçadas pelo fato de que, enquanto defendemos uma Assembléia Constituinte para estes países, opomo-nos a ela nos casos da Bolívia e da Argentina. A explicação é realmente muito simples. Os lemas não existem fora do tempo e do espaço. Eles devem refletir as condições concretas da luta de classes em cada etapa do desenvolvimento de um país em particular.
Na Bolívia, durante os levantamentos revolucionários de outubro de 2003 e maio-junho de 2005, o lema de uma assembléia constituinte era contra-revolucionário. Por quê? Naquele momento, os trabalhadores bolivianos já tinham realizado duas greves gerais e duas insurreições. Eles tinham constituído organizações semelhantes a sovíetes na forma de Juntas de Bairros, de Assembléias Populares e de Cabildos Abiertos (reuniões de massas).
Os trabalhadores bolivianos poderiam facilmente ter tomado o poder. Isto teria sido suficiente para os líderes da COB [Central Operária Boliviana] proclamarem-se como o governo. Sob estas condições concretas, avançar o lema de uma assembléia constituinte seria uma traição. Isto desviaria a atenção dos trabalhadores da tarefa central – a ascensão ao poder – e por canais parlamentares.
A natureza contra-revolucionária deste lema foi confirmada pelo fato de que o Banco Mundial e os fundos do Escritório Americano para Iniciativas de Transição terem promovido a idéia de uma assembléia constituinte. Podemos acrescentar o pequeno detalhe de que naquele momento a Bolívia já tinha uma democracia burguesa. No caso da Argentina, o lema foi levantado por certos grupos de esquerda após o Argentinazo em dezembro de 2001. No contexto de uma já existente democracia burguesa, o lema de uma assembléia constituinte era completamente equivocado e equivale a dizer: “Não gostamos do parlamento burguês que temos. Queremos outro em lugar deste”.
Pode-se estar completamente cego para não se ver que estes casos nada têm em comum com a situação na Tunísia e no Egito. Após décadas de ditadura, haverá grandes ilusões na democracia e não apenas entre a pequena burguesia, como também entre as massas. Isto condiciona nossa atitude. Somos pela democracia, mas esta deve ser completa. Um das demandas democráticas é “necessitamos de uma nova constituição e, por essa razão, de uma assembléia constituinte, mas não confiamos no exército egípcio para convocá-la e, por essa razão, a luta deve continuar nas ruas”.
Naturalmente, os marxistas não podem ter uma atitude mecânica com os lemas democráticos, que sempre se subordinam ao interesse geral da revolução socialista. Não compartilhamos da atitude supersticiosa da pequena burguesia em relação à democracia formal. O aprofundamento da revolução desmascarará as limitações da democracia burguesa. Através da experiência os trabalhadores chegarão a entender a necessidade de tomar o poder em suas próprias mãos. Mas para entender os limites da democracia burguesa, os trabalhadores devem primeiro passar pela escola da democracia. Isto pressupõe uma luta séria levantando os mais avançados lemas democráticos.
Depois de décadas de domínio autoritário no Egito, não podemos ficar indiferentes à questão da Constituição. A atual proposição do Conselho Militar é por emendas constitucionais, a serem rascunhadas por experts designados pelo exército, para serem submetidas a um referendo. Isto é totalmente antidemocrático. A constituição de Mubarak não pode ser emendada; ela deve ser rasgada e convocada uma assembléia constituinte democrática e revolucionária para discutir uma completamente nova constituição. O papel reacionário dos generais ficou evidenciado durante a desocupação violenta do acampamento na Praça Tahir realizada pelo exército.
Tendo derrubado uma ditadura através da luta, o povo revolucionário não pode deixar o poder nas mãos dos mesmos generais que apoiaram Mubarak até o último minuto. Os trabalhadores não podem confiar nos chefes do exército ou em qualquer conselho de experts apontado por eles para escrever uma constituição genuinamente democrática. Somos por uma assembléia constituinte: um órgão que seja democraticamente eleito para formular a constituição. Esta é uma demanda democrática básica.
Mas ainda permanece a questão: quem convocará a assembléia constituinte? Não podemos confiar ao exército egípcio esta tarefa, também. Por esta razão, a luta deve continuar nas ruas, nas fábricas, com a juventude, entre os desempregados, até que a batalha pela democracia se conclua.
A situação no Egito é análoga, não à da Bolívia de 2003 e 2006 nem à da Argentina de 2001, mas à da Rússia de 1905 ou 1917. Devemos nos utilizar dos lemas mais avançados para colocar a questão central do poder operário. Digamos aos trabalhadores e à juventude: “Vocês querem democracia? Nós também. Mas não confiamos no exército nem em El Baradei – vamos lutar por uma democracia real!” No Egito, na Tunísia e no Irã, atualmente, o lema de uma Assembléia Constituinte é, de fato, muito relevante.
Os trabalhadores do Egito já tiraram as conclusões corretas. Isto se revela de maneira impressionante na declaração dos trabalhadores do Ferro e do Aço, em Helwan, durante a greve, avançando as seguintes demandas:
1. “A imediata derrubada de Mubarak e de todas as autoridades do regime e de seus representantes;
2. O confisco da riqueza e da propriedade de todos os representantes do regime e de todos os que comprovadamente são corruptos, em nome dos interesses das massas;
3. A renúncia imediata de todos os trabalhadores aos sindicatos controlados por ou afiliados ao regime e a proclamação de seus sindicatos independentes, bem como a preparação agora de sua conferência geral para eleger e formar sua federação;
4. A reaquisição das empresas públicas que foram vendidas ou fechadas e sua nacionalização em nome do povo, bem como a constituição de uma nova administração para o seu funcionamento que envolva os trabalhadores e os técnicos;
5. A formação de comitês para supervisionar os trabalhadores em todos os locais de trabalho e monitorar a produção e a distribuição de preços e salários;
6. Convocar uma assembléia constituinte de todas as classes e tendências do povo para a elaboração de uma nova constituição e a eleição de conselhos populares sem esperar por negociações com o regime anterior”.
Estas exigências estão absolutamente corretas. Elas revelam um elevado nível de consciência revolucionária e coincide completamente com o programa avançado pelos marxistas. Este programa proporciona tudo o que a Revolução Egípcia necessita para triunfar.
Os sindicatos operários
A Revolução coloca a necessidade de organização. Os sindicatos operários constituem a forma mais básica de organização para os trabalhadores de todos os países, sempre. Sem organização, a classe trabalhadora será apenas matéria-prima para a exploração. A tarefa de construção e fortalecimento dos sindicatos é, portanto, prioridade urgente.
No Egito e na Tunísia, os sindicatos estavam estreitamente ligados ao velho e opressivo regime. Praticamente, eles faziam parte do estado. Seus escalões superiores eram corruptos e, em muitos casos, membros do partido dominante. Seu principal papel era o de policiar os trabalhadores. Contudo, no nível das fileiras, eles eram constituídos por trabalhadores honestos e militantes.
Mesmo nas democracias burguesas há uma tendência orgânica dos seus escalões superiores se fundirem ao estado. Mas a história nos mostra que, quando a classe trabalhadora se movimenta, até mesmo os sindicatos mais corrompidos e burocratizados podem se submeter à pressão da classe trabalhadora e se modificarem no curso da luta. Ou os velhos líderes mudam de conduta e começam a refletir a pressão dos trabalhadores ou serão removidos e substituídos por outros que estão mais preparados para se colocarem à cabeça do movimento.
Na Tunísia, a liderança da UGTT [União Geral dos Trabalhadores Tunisianos] estava comprometida com o regime de Ben Ali. Os velhos líderes estavam se preparando para participar do governo provisório formado por Gannouchi, mas foram forçados a renunciar sob a pressão dos trabalhadores. Mas, em nível local e regional, a UGTT desempenhou papel de liderança na Revolução. Em algumas áreas, como em Redeyef, a UGTT assumiu de fato a administração da sociedade. Em outras, os sindicatos locais desempenharam um papel fundamental na organização do movimento revolucionário através de comitês revolucionários. Isto demonstra o papel vital dos sindicatos como uma ferramenta revolucionária.
O que se necessita é de uma completa remoção da sujeira na UGTT, em todos os níveis, removendo-se todos aqueles burocratas que estavam conectados ao velho regime, a começar com o seu secretário-geral, Abdelssalem Jerad, que está desempenhando abertamente o papel de fura-greve. As estruturas regionais e as federações nacionais, que se encontram sob a liderança da esquerda e dos ativistas democratas, e que representam a maioria dos membros da UGTT, deveriam convocar imediatamente um congresso nacional extraordinário. Qualquer movimento em direção à democratização dos sindicatos e buscando conectá-los ao movimento revolucionário teria apoio massivo entre os trabalhadores comuns. Se os trabalhadores e a juventude foram capazes de remover Ben Ali e, em seguida, Gannouchi, poderiam, ainda mais facilmente, remover os líderes corruptos dos sindicatos que os apoiaram.
No Egito, a liderança corrupta dos sindicatos foi incapaz de impedir a onda de greves que foi a escola preparatória da Revolução. Os trabalhadores egípcios se moveram contra os velhos e corrompidos líderes e estão lutando para criar sindicatos que sejam genuínas e democráticas organizações da classe. Com esta ação, eles revelam um infalível instinto revolucionário de classe. A luta pela democracia não está confinada à arena política. Ela também deve penetrar os sindicatos e locais de trabalho.
A luta parece estar avançando na direção da constituição de uma nova Federação Egípcia de Sindicatos Independentes. Nas condições revolucionárias atuais, esta nova federação pode se transformar na mais importante organização dos trabalhadores egípcios. Contudo, seria um erro abandonar totalmente a luta dentro dos velhos sindicatos oficiais, que ainda afirmam representar milhões de trabalhadores. Em determinados casos, todos os centros e setores trabalhistas necessitarão escapar da influência da velha direção e se filiar à nova federação. Em outros, através do trabalho democrático e militante de seus membros, os trabalhadores podem tomar o controle das mãos das estruturas oficiais viciadas.
A burguesia e os imperialistas sabem da importância vital dos sindicatos. Eles enviarão seus agentes pagos para corromper e iludir os trabalhadores, para bloquear a atração das idéias revolucionárias e socialistas. A CIA tem ligações estreitas com os líderes da AFL-CIO e a Social-Democracia Européia com os organismos da pretensa União Sindical Internacional. Eles tentarão de tudo para ganhar o controle do movimento militante dos sindicatos.
Os trabalhadores devem tomar cuidado com tais “amigos” que virão para corrompê-los e para sabotar a Revolução a partir de dentro. Devem também tomar cuidado com as supostas ONGs que são agências camufladas do imperialismo. O papel das ONGs é o de desviar os trabalhadores do caminho da revolução, enredando-os em milhares de tarefas triviais, atos de caridade etc., transformando os trabalhadores, anteriormente revolucionários e militantes, em lacaios remunerados, auxiliares de escritório e burocratas. Este veneno pode corroer o movimento dos trabalhadores.
A tarefa dos sindicatos não é sustentar o capitalismo, mas acabar com ele. Nosso primeiro alvo é lutar pela melhoria da qualidade de vida, por melhores salários e condições. Devemos lutar por cada melhoria, por menor que seja. Mas também devemos entender que será impossível conquistar nossas demandas básicas enquanto uma oligarquia parasita detiver a propriedade da terra, dos bancos e das maiores indústrias.
Na luta contra o velho regime, os sindicatos se ligaram a outras camadas da sociedade: os desempregados, as mulheres, a juventude, os camponeses, os intelectuais. Esta ligação é absolutamente necessária. A classe trabalhadora deve aspirar a se colocar à cabeça da Nação e a conduzir a luta contra todas as formas de injustiça e de opressão.
O povo revolucionário instalou comitês populares de todo tipo. Este foi um passo necessário para prover ao movimento revolucionário uma forma organizada e coerente. Estes amplos comitês, contudo, não substituem os sindicatos, que devem permanecer como a forma organizacional básica do movimento dos trabalhadores.
Os sindicatos operários constituem a escola da revolução que desempenhará um papel chave na derrubada do velho regime e no estabelecimento de um novo, a sociedade socialista, em que o papel dos sindicatos se expandirá exponencialmente, desempenhando um papel importante na gestão da produção das indústrias nacionalizadas, no planejamento da produção e na administração da sociedade.
A CMI recomenda:
• Construam os sindicatos e os transformem em genuínas organizações de luta!
• Depurem os sindicatos de todos os elementos corruptos e burocráticos!
• Pela democracia sindical: eleição em cada nível e direito de revogabilidade de todos os funcionários!
• Contra a corrupção! Nenhum funcionário sindical deve receber um salário maior que o salário de um trabalhador qualificado!
• Não ao controle estatal dos sindicatos! Os sindicatos devem estar nas mãos dos trabalhadores!
• Pelo controle operário da indústria! Pela expropriação dos banqueiros, latifundiários e capitalistas! Pela planificação socialista e democrática da produção!
O papel da juventude
Karl Liebknecht, o grande revolucionário e mártir alemão, uma vez disse: “A juventude é o fogo da Revolução Socialista”. Estas palavras poderiam estar gravadas na bandeira da Revolução Árabe. Em determinado momento, a juventude desempenhou o papel fundamental. Os manifestantes que transbordaram nas ruas da Tunísia e do Egito eram em sua maioria jovens, desempregados e sem nenhum futuro. Alguns deles eram universitários; outros eram pessoas pobres das favelas.
Em todos os países do Oriente Médio e do Norte da África, a maioria da população é formada de gente jovem. Ela sofre os piores impactos da crise do capitalismo. 70% dos jovens com menos de 25 anos, na Tunísia, estão desempregados. Este número é de 75% na Argélia e de 76% no Egito. Situação similar existe em outros países.
Os graduados das universidades não têm emprego e, dessa forma, nenhuma perspectiva de se casarem, de nenhum lugar para morar e de nenhum futuro. Estes fatos mostram o impasse do capitalismo. Estes países necessitam de médicos, professores, engenheiro, mas não há empregos. Milhões de jovens estão impedidos de encontrar trabalhar e, dessa forma, estão impedidos de casar e constituir família. Eles são instigados por um profundo senso de injustiça e por uma ira e ressentimento incendiários em relação ao sistema que lhes nega um futuro e ao regime corrupto que enriquece a si próprio à custa do povo.
A única esperança que estes jovens têm é a de lutar por uma mudança fundamental na sociedade. Eles perderam todo medo e estão preparados para arriscar suas vidas na luta pela liberdade e pela justiça. Na Tunísia, a juventude revolucionária organizou-se e apelou por um comício de massa em Túnis, marchando para o gabinete do primeiro-ministro e acampando a sua frente, na Esplanada Kasbah. O movimento de massas dos estudantes secundaristas levantou a demanda por uma assembléia constituinte e se manifestou gritando “Abaixo o governo”. Eles proporcionaram o elemento catalisador para o movimento que finalmente derrubou o governo de Gannouchi no final de fevereiro. No Egito, vimos novamente a mesma coisa. Os manifestantes que abriram o caminho eram em sua maioria jovens egípcios, desempregados e sem futuro.
A história está se repetindo. Em 1917, os mencheviques acusaram os Bolcheviques de ser apenas “um bando de crianças”, e não estavam totalmente equivocados. A idade média dos ativistas Bolcheviques era muito baixa. O primeiro setor a se mover é sempre a juventude, que está isenta dos preconceitos, dos medos e do ceticismo da geração mais velha.
A juventude de todos os países está aberta às idéias revolucionárias. Devemos nos aproximar da juventude! Se formos à juventude com as idéias do marxismo revolucionário e do internacionalismo proletário, obteremos resposta entusiástica.
A CMI proclama:
• Emprego para todos!
• A cada jovem deve ser garantido um emprego de jornada completa ou tempo livre e completo para se educar!
• Pagamento igual para trabalho de igual valor!
• O fim da perseguição policial!
• Plenos direitos democráticos e voto aos 16 anos de idade!
O papel da mulher
O fator decisivo é que as massas tinham ganharam a consciência de sua força coletiva e estão perdendo o medo. Começando com os elementos mais jovens, mais enérgicos e determinados, o ânimo desafiante foi transmitido às camadas da população mais velhas, mais cautas e inertes.
Um dos aspectos mais inspiradores da Revolução na Tunísia e no Egito, contudo, foi a participação ativa da mulher. A velha submissão está desaparecendo. Em Alexandria, donas de casa idosas atiravam panelas e frigideiras sobre a polícia dos balcões de seus apartamentos. Nas manifestações, as estudantes jovens, vestidas de jeans, lutavam lado a lado com outras mulheres com seus hijab [véu usado por mulheres muçulmanas]. Foram as mulheres operárias que desempenharam um papel fundamental nas greves de massas dos trabalhadores têxteis em Mahalla al Kubra, em anos recentes, as mesmas greves que prepararam o presente levantamento revolucionário.
As mulheres têm sido a linha de frente de toda revolução na história. As imagens das mulheres de Bahrein, manifestando-se sem medo, algumas com seus véus, outras sem eles, formam um quadro inspirador da Revolução em ação. Elas estão repetindo a experiência das heróicas mulheres de Paris, em outubro de 1789, e de Petrogrado, em fevereiro de 1917.
O despertar das mulheres é um indicador absoluto da Revolução. A sociedade não pode avançar e prosperar enquanto as mulheres permanecerem escravas. Não foi por acaso que os reacionários no Egito, enquanto fomentam pogroms religiosos, atacaram a manifestação de oito de março na Praça Tahir. A Revolução Árabe recrutará seus mais determinados e corajosos lutadores das fileiras das mulheres, e a completa emancipação da mulher é o primeiro dever da Revolução. O lugar das mulheres não é na cozinha, mas nas ruas lutando ao lado dos homens. Elas constituem o destacamento mais destemido. E têm muito porque lutar.
A CMI proclama:
• Abaixo a discriminação e a desigualdade!
• Pleno reconhecimento das mulheres como cidadãs iguais e seres humanos!
• Plena igualdade social, política e econômica para as mulheres!
• O fim de todas as leis discriminatórias!
• As mulheres trabalhadoras devem se organizar em sindicatos livres e democráticos, independentes do estado!
• Salário igual por trabalho de igual valor!
Leia aqui a primeira parte deste manifesto.
Leia aqui a terceira parte deste manifesto.