A população do Amapá foi às ruas para exigir uma solução para o problema /Foto: Rudja Santos, Amazônia Real

Apagão no Amapá: as migalhas de civilização deixadas para a Amazônia

Há quase uma semana o Amapá está sem energia elétrica. Um incêndio em uma subestação provocado por um raio é a causa primária, mas por trás desse incidente aparentemente inevitável se esconde o desprezo reservado pelo capitalismo às populações que habitam a Amazônia.

A energia que chega ao estado vem da hidrelétrica de Tucuruí a partir de um “linhão” que atravessa a floresta e também conecta o Amazonas e o oeste do Pará ao Sistema Interligado Nacional (SIN). A operação é privatizada e de responsabilidade da espanhola Isolux.

O incêndio tirou de funcionamento o único transformador capaz de converter a carga que vem de Tucuruí, e a empresa não consegue resolver o problema porque simplesmente não tem um transformador reserva para substituir o que pegou fogo. O Amapá é um estado pequeno, com menos de 900 mil habitantes. Pela lógica de uma empresa privada, por que gastar recursos com um equipamento reserva se é possível economizar e aumentar os lucros?

Mesmo com 89% da população no escuro e sem água potável, um dos três senadores amapaenses, Davi Alcolumbre (DEM), inicialmente chamou o ocorrido de “fatalidade”. Não se poderia esperar nada diferente do representante político de uma das famílias mais ricas do estado, que fez fortuna com grilagem de terra e especulação imobiliária.

Foto: Prefeitura de Macapá

Com o aprofundamento da crise, Alcolumbre agora quer que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) casse a concessão da Isolux e devolva a operação à Eletronorte. A Justiça Federal no Amapá, por sua vez, deu três dias para que a Isolux resolva o problema. É óbvio que nenhuma dessas bravatas vai resolver uma crise estrutural que já vem sendo gestada há décadas.

Para tentar amenizar a situação, foi anunciado um restabelecimento parcial da eletricidade em sistema de rodízio. A promessa, no entanto, não tem sido cumprida e a população sofre com o calor, os mosquitos e a falta d´água nas torneiras, já que o abastecimento também depende da energia elétrica. A revolta já começa a tomar forma nas ruas do estado.

Em bairros periféricos da capital Macapá e da vizinha Santana, a população tem protestado formando barricadas com fogo e pneus para bloquear os acessos principais das cidades. A repressão é severa por parte da Polícia Militar do Amapá, que ocupa o primeiro lugar no índice de assassinatos em serviço no Brasil. Balas de borracha e golpes de cassetete foram até agora as únicas respostas concretas que o Estado foi capaz de oferecer.

Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), o Amapá tem 19,82% de pobres e 44,73% de vulneráveis à pobreza. Em 2015, a cada 100 crianças que nasceram no estado, 23 morreram no primeiro ano de vida, maior índice do país. O apagão é apenas mais um episódio de uma longa história de descaso do Estado brasileiro com as populações que vivem na Amazônia.

Assim como a pobreza, as quedas de energia são comuns também no Amazonas, que é conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN) pelo mesmo “linhão” que abastece o Amapá.  A Tramoeste, que leva energia da hidrelétrica de Tucuruí ao Oeste e Sudeste do Pará, também tem falhas e apagões constantes. Mesmo assim, Amazonas e Pará têm as contas de luz mais caras segundo o ranking da Aneel. Nos dois estados o fornecimento de energia elétrica é privatizado.

Foto: Rudja Santos, Amazônia Real

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí é a segunda maior do Brasil, atrás apenas de Belo Monte. Além de fornecer eletricidade para os estados do Pará, Amazonas, Amapá, o Maranhão e Tocantins, durante o período de cheia do Rio Tocantins ela complementa o abastecimento do restante do país.

Construída durante a ditadura militar, nos anos 1980, a usina foi um verdadeiro festival de fraudes, corrupção e desastre ambiental. Sua história é muito semelhante à de Belo Monte, projeto levado adiante pelos governos do PT e que provocou um desastre ambiental e social sem precedentes na região do Xingu.

Cidades, comunidades e povos inteiros que antes eram capazes de tirar seu sustento da floresta foram divididos em disputas por indenizações e jogados à miséria, ao alcoolismo, à mendicância e à prostituição.

A esses projetos podemos acrescentar a fracassada Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, que quase levou à extinção os Waimiri-Atroari, e a Zona Franca de Manaus. Todas as promessas capitalistas de “civilização” e “desenvolvimento” para a Amazônia só aumentaram a exploração, a devastação e a pobreza na região.

Um sistema que coloca a busca do lucro acima de tudo não é capaz de oferecer nada aos trabalhadores, ribeirinhos, camponeses e demais populações que vivem nas cidades e na floresta amazônica. Somente o socialismo, através de uma economia planificada sob controle operário, pode garantir a infraestrutura e os recursos para que todos os habitantes da Amazônia possam viver, trabalhar e ter acesso ao que a humanidade produziu de mais elevado sem que para isso seja preciso destruir a floresta.