Carta aberta do jornalista e escritor Leonardo Aguiar Morelli, Secretário Geral da Defensoria Social (Brasil) e Social Defenders Foundation (Suíça) a Serge Goulart, da Esquerda Marxista do PT.
Caro Serge,
A luta pelo socialismo passa pela apropriação da questão ambiental, por isso, todo nosso apoio à Chapa “Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo!” para o PED 2009.
Na qualidade de Secretário Geral da DEFENSORIA SOCIAL, que é um colegiado de instituições e personalidades que atua em todo o país na defesa da sociedade em demandas coletivas, promovendo a JUSTIÇA SOCIAL ATIVA, como fruto das Campanhas da Fraternidade de 2004 a 2009 com apoio da CNBB, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Movimento GRITO DAS ÁGUAS, Comissão Pastoral da Terra, entre outras (vide www.defensoria.org.br) e também da SOCIAL DEFENDERS FOUNDATION, entidade integrada por movimentos sociais de mais de 30 países com a missão de promover a DIPLOMACIA NÃO GOVERNAMENTAL, com sede em Genebra na Suiça, fruto do processo de Fórum Social Mundial, MANIFESTO meu total apoio à chapa “Virar à Esquerda! Reatar com o Socialismo!” representando a ESQUERDA MARXISTA DO PT no PED 2009, pelas razões a seguir expostas:
1. Ao receber, através do companheiro Carlos Castro, vinculado ao Mandato do Vereador Adilson Mariano de Joinville, o material informativo da Chapa “Virar à esquerda! Reatar com o socialismo!”, que concorre no próximo PED, em respeito à coerência da história e militância desses dois amigos, tive o cuidado de ler suas teses e senti soprar novamente um ar de esperança de que é possível o resgate dos ideais que levaram milhares de militantes das causas sociais, como eu, à construção do PT como um partido socialista a serviço das causas históricas dos trabalhadores e dos excluídos.
Uma esperança que estava seriamente abalada desde que deixei a militância partidária, desencantado com os rumos das sucessivas direções pautadas pelo reformismo e submissão à institucionalização cuja política equivocada de alianças com setores que sempre nos oprimiram não encontrava eco de resistência.
Por mim e muitos combatentes que – nos últimos anos se desencantaram – não poderia deixar de manifestar publicamente meu apoio à ESQUERDA MARXISTA nessa disputa e faço isso, em respeito à história passada e visão de futuro que marca minha atuação até hoje.
2. Como filho de desaparecido político, minha consciência política começou a ser construída na luta contra a Ditadura Militar, inicialmente na Frente Nacional do Trabalho e Pastoral Operária (Igreja) e depois, ainda na clandestinidade, participando da Convergência Socialista no movimento estudantil, em meados da década de 1970.
Como estudante de comunicação, acompanhei de perto a retomada das lutas operárias, dei sangue e suor na defesa dos trabalhadores, ajudando estruturar as primeiras assessorias de imprensa para Oposições Sindicais e Sindicatos Combativos, primeiro nos coureiros e vidreiros de São Paulo; depois na construção das vitórias das primeiras oposições nos bancários, químicos, plásticos, sapateiros de Franca (SP); alimentação em Uberlândia (MG), Construção Civil em Curitiba (PR) e tantas outras categorias.
3. Sob a inspiração de um dos principais ideólogos da luta operária naqueles anos, que se tornou grande amigo (Paulo Skromov), participei ativamente da construção do Movimento pró-PT e do encontro de fundação do Partido em 1980. Fui um dos organizadores dos primeiros Núcleos Operários de Base no bairro do Cambuci e da Lapa na capital paulista, na época da efervescência da Oposição Sindical Metalúrgica.
Trabalhando na Rede Ferroviária Federal, militei com grandes lutadores como Rafael Martinelli (ex-presidente da Federação Nacional dos Ferroviários, cassado em 1964), com ele participei como delegado do Sindicato dos Ferroviários no 1º. Conclat. Ao rompermos com os pelegos da época, ajudei na organização da primeira Oposição Sindical Ferroviária de São Paulo, participando como delegado no Congresso de fundação da CUT. Nessa luta conquistamos a criação do Sindicato dos Ferroviários da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, libertando aquela categoria do domínio de um arquipelego chamado Mendes Botelho, do qual sofri várias ameaças de morte.
Nesse contexto, liderei a primeira greve dos ferroviários de São Paulo no período agonizante da Ditadura (1985), lamentavelmente derrotada por falta de apoio e solidariedade de outras categorias, tendo sido preso, processado pela Lei de Segurança Nacional e sumariamente demitido.
O fato do PT, que havia experimentado sua participação nas primeiras eleições diretas para governador, com Lula candidato, já começar a apontar uma tendência de afastamento dos movimentos, com muitos de seus dirigentes (como Francisco Welfort e outros), insistindo que a ação partidária deveria se limitar ao campo institucional, deu origem a minha aproximação com o anarquismo, na medida em que o único apoio recebido na greve veio de sindicalistas da USP, vinculados ao anarco-sindicalismo.
Não bastasse isso, a frustração se espelhava também no campo sindical, já que, no seio da CUT, a redução paulatina do espaço dos setores mais combativos, conformava o embrião de uma nova “elite dirigente”, limitada a ocupantes de cargos em sindicatos, pavimentando a tendência ao burocratismo que levou ao estrangulamento da luta das oposições sindicais (exemplo disso foi o fim da oposição sindical metalúrgica e o esfriamento da luta por Comissões de Fábrica Combativas).
4. Apesar das frustrações, no entanto, é preciso reconhecer que esse período foi um dos mais ricos momentos de renovação deste país, tendo deixado as mais importantes lições na história, ajudando na construção de consciência política de setores antes marginalizados, provando que é possível que os explorados conquistem o poder e o exerçam com ganhos para a sociedade, embora a experiência do governo Lula ainda represente muito pouco.
Assim, cansado das práticas reformistas, na vida partidária e sindical, quase abandonei os sonhos. Em 1997, depois de ter de ir trabalhar em Goiás e Tocantins, decidi abandonar a cidade para viver no campo, indo morar na pequena cidade de Imaruí (SC), quando tive contato pela primeira vez com os impactos ambientais causados à comunidade local, cujos reflexos até hoje são sociais.
Descobri que, nessa pequena cidade no sul do estado de Santa Catarina, onde encontra-se o maior complexo lagunar do estado, milhares de famílias de pescadores passavam fome, viviam abaixo da linha da pobreza, por conta da contaminação das águas e a destruição da pesca artesanal, fazendo com que, da 13ª cidade mais rica do estado no início do século 20, tenha se transformado na 3ª mais pobre no final do mesmo século.
A principal causa disso foi a falta de cuidados ambientais quando da construção da Rodovia BR 101, no regime militar, que aterrou 70% do canal que permitia a troca das águas doces das lagoas com as salgadas do mar, onde se dá o ciclo de vida do camarão e outras espécies, fruto do sustento das famílias.
5. Procurado por pescadores, que esperavam salvar suas lagoas a partir da possibilidade de compensações ambientais do mega projeto de duplicação da BR 101, lançado de forma pomposa pelo governo FHC, anunciando investimento de mais de 800 milhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento, com a comunidade, comecei perceber a importância das questões ambientais como eixo de luta social.
A frustração da população com a insensibilidade das autoridades para suas reivindicações, vítima da desinformação quanto a seus direitos na época em que Sarneyzinho (então PFL e hoje no PV) era ministro de meio ambiente de FHC, me colocou de frente com a hipocrisia governamental já que fomos comprovando que a tal obra apenas beneficiaria – como sempre – grandes empreiteiras e alimentaria ainda mais a corrupção governamental.
Com os pescadores e suas famílias, criamos o Movimento Grito das Águas, realizamos debates, palestras, manifestações de protesto que resultaram na paralisação da rodovia no dia 22 de março de 1998. Infelizmente, passados mais de 10 anos, mesmo com Lula no Governo e o Ministério do Meio Ambiente sob a gestão de Marina Silva (agora partidária de Sarneyzinho no PV) por mais de 5 anos e agora com Carlos Minc, a obra segue a todo vapor sem terem garantido à população local a prometida retirada do chamado ATERRO DA CABEÇUDA que aterrou o CANAL DAS LARANJEIRAS entre Imaruí e Laguna.
Inserido no Movimento GRITO DAS ÁGUAS, descobri e denunciei desmandos no estado, colocando em risco os interesses das elites que exploram a natureza em detrimento da população, quando fui percebendo cada vez mais o papel nocivo das ONGs que – ao se apropriarem do conhecimento e dessa problemática como algo apenas de interesse de especialistas (técnicos ou ecologistas) – afastam o povo dessa consciência, favorecendo a picaretagem. Fruto dos embates, o movimento se expandiu por outras regiões do estado e depois pelo país. Ameaçado de morte, fui obrigado, em 2001, a sair de Santa Catarina, quando transferimos a coordenação da luta para São Paulo.
Sem me afastar das causas em Santa Catarina, ajudamos os pescadores de Garopaba a derrotarem o poderoso Gerdau Johanpeter que havia privatizado uma praia, impedindo-os de ter acesso ao mar para pescar, comandamos o processo de denúncia contra grandes empresas (como a Tupi Fundições) que contaminam as águas com o despejo de resíduos tóxicos cancerígenos na Baia da Babitonga em Joinville, quando tive o companheiro Carlos Castro chegou a atuar conosco pela primeira vez, inclusive resistindo a preconceitos daqueles que vêem a questão ambiental limitada a defesa de “golfinhos, tartarugas e árvores” usada como laço na incipiente “indústria do meio ambiente”.
6. A resistência do companheiro Castro aos pré-conceitos de muitos companheiros da esquerda comprovou ser correta na primeira experiência de fábricas ocupadas, onde se destacou na gestão sob controle operário da CIPLA. Juntos, pudemos comprovar que, quando os trabalhadores ganham consciência ambiental são os primeiros a dar o exemplo de que a proteção da natureza não é causa exclusiva de ecologistas pequeno-burgueses que se auto-proclamam “ambientalistas” e se profissionalizam em ONGs Chapa Branca.
Foi na CIPLA, sob controle operário, que se deu o mais rico processo de eliminação de passivos ambientais originados da produção industrial, com a retirada de um montante antes acumulado no pátio da fábrica, graças ao descaso do patrão que havia sido expulso pelos trabalhadores quando assumiram o controle da fábrica após uma greve e conduziram a mais importante experiência de fábricas ocupadas no país, por mais de 5 anos.
Tal experiência de gestão operária competente só foi abortada pela truculência da ação governamental que, sob a batuta de Luiz Marinho (ex-presidente da CUT) como ministro da previdência do governo Lula, cedeu a pressões do cartel da indústria do plástico, autorizando o INSS requerer força policial para a mais grotesca e sanguinária intervenção na fábrica, contando – para tanto – com a concordância e incentivo de muitos ex-companheiros do tempo da construção do PT, como Carlito Merss, hoje alcaide de Joinville e apoiador das Correntes Majoritárias na direção do PT e da CUT.
7. A partir de 2003, para estruturar a resistência ao progressivo processo de privatização das águas e dos serviços públicos de saneamento, realizamos na cidade de Cotia (SP), 1º. Fórum Social das Águas na América Latina, quando fomos procurados pela CNBB para apoiar a Campanha da Fraternidade que – no ano seguinte – teria como lema “Água, fonte de vida” que resultou na criação da DEFENSORIA DA ÁGUA, tendo assumido sua Secretaria Geral.
Graças à DEFENSORIA, que expressa visão transformadora de promoção da CIDADANIA ATIVA, a luta se ampliou. Mobilizamos comunidades em Inconfidentes (MG) vitima de despejo de resíduos tóxicos no lixão da cidade; apoiamos a luta dos pescadores de Maricá contra grupos estrangeiros que desejavam construir um resort seis estrelas e destruir reservas de mata atlântica no litoral do Rio de Janeiro e passamos a denunciar sistematicamente grandes corporações (Petrobrás, Gerdau, Votorantim, Vale do Rio Doce, CSN e outras).
A compreensão de que, em função do processo de globalização do neo-liberalismo, exige a retomada da solidariedade internacional dos que lutam contra a opressão, ajudamos a criar – no Fórum Social Mundial de 2003 em Porto Alegre – a International Global Water Coalition (Coalizão Internacional das Águas).
Unindo-se a movimentos sociais de defesa dos direitos humanos de mais de 30 países, resultou na fundação, em 2009, da SOCIAL DEFENDERS FOUNDATION, com sede em Genebra na Suiça, com a missão de promover a DIPLOMACIA NÃO GOVERNAMENTAL, cuja Secretaria Geral está a cargo do Brasil, tendo sido eleito em 2009 para como seu Secretário Geral.
9. Como citei, minha aproximação à ESQUERDA MARXISTA se deu a partir do respeito que alimento pela atuação do companheiro Castro, vinculado ao mandato do Vereador Adilson Mariano, candidato de Joinville à Presidência do PT de Santa Catarina, que NUNCA faltou com seu apoio a nossas causas, desde o tempo da luta pela Lagoa de Imaruí quando ainda era assessor do Deputado Assis, razão por que não poderia me furtar de – após ter lido o conteúdo de sua plataforma, manifestar-lhe meu apoio e esperança pelo sucesso da ESQUERDA MARXISTA nessa empreitada do PED 2009 que simboliza esperança.
Esperança que se renova minha disposição de retornar à militância no PT, com a anunciada saída de Marina Silva do Partido, a mesma que após apenas 3 meses como Ministra de Lula, quando a DEFENSORIA DA ÁGUA junto com a CNBB, elaborou o relatório sobre O ESTADO REAL DAS ÁGUAS NO BRASIL no período de 1994 a 2004, impôs ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos que aprovasse uma MOÇÃO DE REPÚDIO contra nós, para tentar reduzir o impacto dos descasos do país com a natureza junto às Nações Unidas.
Integrando as correntes majoritárias no controle do PT, dificultando uma atuação mais conseqüente do que se poderia esperar de um governo popular dos trabalhadores, sua política ambiental aprofundava meu afastamento e sucessivas críticas à atuação do Partido. Agora que, junto com seus seguidores (inclusive empresários) se filia de última hora no PV, deixa um vácuo, depois de ter loteado (entre si e muitas ONGs chapa branca) o Ministério do Meio Ambiente e ajudado a enganar o país com a legalização dos transgênicos; gestão privada de florestas públicas, liberação de licenças para obras criminosas e antipopulares como a transposição do rio São Francisco e mega usinas na Amazônia.
10. O Brasil detém as maiores reservas de biodiversidade, água e energia limpa do planeta, estratégicos para o futuro da humanidade, uma das principais fontes para o financiamento do atual “boom” da economia, baseado na exportação de recursos naturais sem valor agregado sob controle nacional e social. Tais recursos vêm sendo dilapidados para atender as demandas do mercado mundial que sobrevive com a progressão do consumismo irresponsável que resultou no anúncio da crise climática, sem que ainda os movimentos sociais e a própria esquerda, tenham assumido abertamente a compreensão de que se trata de uma das manifestações concretas do esgotamento do modelo capitalista de produção.
Como método de analise, o marxismo nunca se furtou ao desafio de fazer a análise crítica dos processos de destruição da natureza em que o próprio Marx cita ao tratar da exploração capitalista das fontes produtivas. A abertura desse debate no seio do PT através da ESQUERDA MARXISTA, me anima – a junto com milhares de companheiros e companheiras engajados nessa luta – retomar a militância partidária, contribuindo para juntos ocuparmos o espaço que agora é deixado pelos oportunistas e reformistas que seguiram Marina.
A construção do socialismo só terá lógica se passar por essa compreensão, de forma a não permitimos que o capitalismo deixe-nos o planeta apenas como sucata, razão por que me coloco à disposição para cerrar fileiras.
Saudações socialistas
Leonardo Aguiar Morelli
Genebra, 08 de setembro de 2009.
(*) Leonardo Aguiar Morelli é correspondente da Agência BRASIL SUSTENTÁVEL que atua no Brasil e na Europa, produzindo conteúdo para mais de 14 mil jornalistas e pesquisadores no Brasil e mais de 1000 correspondentes estrangeiros, dedicada à temática da sustentabilidade social e ambiental para além do marketing verde das empresas e políticos.