Argentina: balanço e perspectivas após as eleições legislativas

Os resultados das eleições legislativas, ocorridas em 14 de novembro, mostraram que se encontra longe a resolução da crise social, econômica e política que afeta milhões de trabalhadores. Esta situação já ficou expressa nos resultados de 12 de setembro, nas elições primárias, com a queda da Frente de Todos e que pouco se modificou no domingo passado. Os resultados não são mais do que a confirmação do futuro da crise que se aprofundou com o endividamento aleivoso nas mãos do governo de Macri, precipitada pela Covid-19 nos marcos da crise capitalista mundial.

Com certa redução do não-voto (branco, nulo ou abstenção) no geral as duas frentes sofreram uma perda de votos com relação às eleições de 2019. Mas, com relação às eleições legislativas (chamadas PASO), a Frente de Todos (FdT) conseguiu reduzir a diferença, embora não tenha conseguido os votos esperados, perdendo em 12 províncias.

Pelo lado de Juntos por el Cambio (JxC) não se conseguiu superar a votação obtida nas PASO e não se alcançou a maioria em ambas as câmaras, embora assinale-se que o peronismo perdeu a maioria da Câmara Alta que mantinha desde 1983. JxC ficou a apenas duas cadeiras atrás do FdT em número de deputados. Tudo indica que em termos gerais se pode falar de um empate, obrigando a Alberto Fernández e ao FdT a negociar no Congresso com JxC os temas fundamentais que assolam o país e ao conjunto dos trabalhadores e dos setores populares.

A “polarização” à direita e à esquerda ainda se mantém nos trilhos eleitorais e não na luta de massas, deixando a Frente de Izquierda y de los Trabajadores Unidad (FIT-Unidad) como a terceira força nacional, com apenas alguns milhares de votos a mais em relação a 2013 e 2017; o mais notável é que conseguiu somar mais 2 cadeiras às que já tinha graças aos cerca de 1,4 milhões de votos (6%), segundo os resultados oficiais provisórios que correspondem a 98% das urnas contadas.

Os resultados da direita – Avanza Libertad Javier Milei e José Luis Espert – em geral continuam sendo um fenômeno que se localiza em CABA e em alguns locais da área metropolitana de Buenos Aires. Na Província de Buenos Aires conseguiram cadeiras na Câmara Baixa e, em CABA, passou a ser a terceira força eleitoral no distrito (17,03%). Ganhando nas comunas mais pobres da cidade: a 8 – Villa Lugano, Villa Soldati e Villa Riachuelo – e a 4 – La Boca, Barracas, Nueva Pompeya e Parque Patricios.

Em conclusão, JxC fica com 10 pontos a mais em nível nacional com relação ao FdT. De toda forma, a experiência demonstrou que as massas podem tomar o que tenham à mão para golpear neste caso ao oficialismo por suas políticas econômicas, e que tão só seja isto e não a adesão às políticas de JxC. Isto ficou muito claro nas legislativas de 2017, quando se havia pintado de amarelo todo o país e em apenas 30 dias se produziu um ponto de inflexão na situação política com a aprovação da contrarreforma previdenciária, onde as massas protagonizaram enfrentamentos e mobilizações contra o governo de Macri.

A agenda adiada

A realidade não deixa respirar as famílias golpeadas pela fome. Enquanto os discursos de um e do outro lado da brecha disputam quem são os ganhadores e perdedores destas eleições, a miséria generalizada e a inflação continuam o seu percurso. O orçamento de 2022 fica sujeito à negociação e acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os credores privados.

A FdT e o governo, por um lado, mostram como um “triunfo” a exígua margem de governabilidade que o regime como um todo ainda tem (a FdT mantém a presidência da Câmara Baixa e no Senado nenhuma das frentes tem maioria absoluta). Neste cenário tentam convocar a oposição ao diálogo e desta forma chegar a um acordo na ideia – sem explicá-la – de uma frente nacional perante a crise para que todos paguem os custos políticos do acordo com o FMI, que, diga-se de passagem, é uma das condições da instituição financeira.

A mobilização de 17 de novembro – dia da militância – foi aproveitada para dar impulso a Alberto Fernández e sua gestão, como também para forjar a ideia de unidade do FdT. Foi uma mobilização limitada aos aparatos e à militância, contou com o apoio da CGT, de movimentos sociais afins ao governo, da CTA dos Trabalhadores, bem como da Corrente Federal de Trabalhadores da CGT, da CCC e da UTEP, dos Camioneiros e dos intendentes da região metropolitana de Buenos Aires. Por seu lado, La Câmpora ficou na retaguarda da mobilização, mostrando desacordo ante os anúncios da negociação com o FMI nos termos que o Albertismo tenta levar adiante, somado ao anúncio de ir às eleições internas abertas em 2023.

Definitivamente, os resultados do domingo mostraram a debilidade do regime e de seus partidos em preservar o delicado equilíbrio instável para sustentar a governabilidade.

A situação se move, por um lado, na instabilidade do voto JxC, que é somente uma expressão de raiva de setores de trabalhadores para com FdT e, por outro lado, nas internas inocultáveis que se expressam em seu interior e que explode a unidade ante os temas de salário, inflação e acordos com o FMI.

Qualquer uma das duas frentes enfrentam uma crise de dimensões históricas, que pode terminar numa agudização da luta de classes.

A esquerda

A FIT-U se posicionou como a terceira força nacional. Com mais de 538 mil votos na Província de Buenos Aires, 138 mil em CABA e quase 100 mil em Jujuy, duplicou suas cadeiras na Câmara Baixa, ficando com 4 cadeiras com o ingresso de Miryan Bregman por CABA como deputada nacional e 5 vereadores nos municípios de Moreno, José C. Paz, Merlo, La Matanza, Morón, na Província de Buenos Aires.

Evidentemente, a campanha da FIT-U girou em torno da palavra de ordem de ser a terceira força nacional, desligando-se de uma definição programática em termos revolucionários, utilizando o parlamento como um amplificador destas ideias. Longe disto, escorregou pelo tobogã do cretinismo parlamentar.

Seja como for, a FIT-U fica mais exposta às pressões da classe, enquanto sua atividade política, em parte, continuar sendo as frentes de massas; por isso, as forças que a constituem poderiam relativamente cristalizar neste cretinismo parlamentar.

Construir nosso partido de classe e construir um governo dos trabalhadores! Necessitamos de uma revolução!

A decadência do regime político na Argentina não é mais que a expressão da crise do capitalismo mundial. Embora exista certa recuperação, a mesma tem sua expressão mais débil na região. A América Latina continua sendo um cenário extremamente agitado e a Argentina entrou em um processo de convulsões que pouco a pouco emergem à superfície.

Os governos outrora progressistas, que viveram no passado um contexto político e econômico que facilitou certa distribuição da riqueza nos setores populares, na atualidade, no contexto mundial de crise, não os acompanha. As pressões do imperialismo e das classes dominantes abalam qualquer tipo de tentativa de desenvolvimento com certa independência. No caso de Pedro Castillo no Peru e de sua virada à direita, o processo constituinte no Chile que se desempenhou não só como negação da explosão de 2019, mas de sustentação do próprio Sebastián Piñera em La Moneda e suas políticas reacionárias, ou o Albertismo e a FdT na Argentina são exemplos claros do que foi dito mais acima.

A dívida externa na Argentina não deixa de ser um grilhão que estrangula qualquer tentativa de desenvolvimento econômico no país. O imperialismo não é mais como no século passado, sua ingerência e espoliação se dá através do mercado mundial, em definitivo, a luta pelos mercados se reduz aos monopólios mais poderosos. Honrar a dívida pública e a dívida dos credores privados subsome qualquer desenvolvimento de uma vida digna para a maioria do país, lançando na indigência cada vez mais setores populares.

Então, qualquer desenvolvimento independente pressupõe, em primeiro lugar, definir com clareza a viabilidade ou não do capitalismo como solução dos grandes problemas que afligem a maioria no país.

No marco do capitalismo não se pode encontrar a solução de forma perdurável da saúde e da educação, do pleno emprego e do desenvolvimento da vida em harmonia com o meio ambiente, para que isto aconteça falta uma revolução.

É por isso que necessitamos, em primeiro lugar, lutar pela independência política de nossa classe, sendo imprescindível para tal objetivo a construção de nosso partido de trabalhadores. Só constatar que não há independência da classe trabalhadora e dos trabalhadores é ver parte do problema que temos pela frente. Isto supõe que as negociações ainda continuam tendo autoridade em amplos setores operários e da vanguarda. Sem dúvida a fragilidade do Albertismo é cada vez mais notável, por mais que a CGT se posicione como garantidora não só de sua “continuidade”, como também da subordinação aos planos de ajuste dos grandes empresários – leia-se reforma trabalhista – e do tributo ao FMI, mas a constatação de falta de independência política da classe trabalhadora resulta em primeiro lugar em reconhecer que existem mediações como é o caso de Cristina Fernández, que ainda mantém seu peso. Por isto, a interrelação das tarefas para o movimento e para a construção de nosso partido são inseparáveis.

A formulação de se erguer um governo dos trabalhadores se torna imprescindível para deixar claros nossos objetivos finais, que não são mais que assinalar a inviabilidade do capitalismo e a necessidade do socialismo como saída.

A sobrevivência de nossa classe supõe para o conjunto da vanguarda colocar como tarefa imprescindível e impostergável a elevação de um congresso operário e dos trabalhadores, que coloque de forma irrefutável a necessidade de avançar contra as grandes patronais e seus representantes políticos, fica nas mãos da vanguarda combativa e classista, das comissões internas e órgãos de delegados levar à frente esta política.

Esta é a nossa tarefa.

Socialismo ou barbárie se torna mais vigente do que nunca.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM